Postado por OLB em 24/03/23
Joyce Luz
Antes mesmo de reassumir a Presidência da República no dia 1° de janeiro, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, já havia selecionado e anunciado os 37 nomes dos ministros e ministras que, mais do que comporem simplesmente funções administrativas em seu governo, representam a retomada do presidencialismo de coalizão no Brasil. Marcado pela divisão de responsabilidades na elaboração de políticas e pela distribuição de pastas e cargos ministeriais para partidos que possuem assentos no Legislativo, o presidencialismo de coalizão ocorre sempre que o presidente busca construir bases mais sólidas de apoio para a aprovação de projetos legislativos.
A prática não é nova no Brasil. Acontece, pelo menos, desde a redemocratização. Todos os presidentes eleitos de lá para cá, com exceção do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), optaram por formar uma coalizão de governo, ou seja, por dividir a administração dos ministérios com algumas das siglas partidárias presentes no interior do Congresso Nacional. O fenômeno acontece, sobretudo, porque em um sistema multipartidário como o nosso, o partido do candidato vitorioso ao cargo da presidência nunca consegue eleger parlamentares em número suficiente para obter sozinho maioria na Câmara dos Deputados, ou mesmo no Senado Federal.
Para o início do terceiro mandato de Lula, seu partido, o PT, terá 68 cadeiras, ou seja, pouco mais que 13% da Câmara. Esse número é inferior ao atingido no primeiro e segundo mandato do presidente, quando o partido ocupava aproximadamente 17% dos assentos da casa. Numericamente, Lula enfrentará um cenário muito idêntico ao da ex-presidente Dilma Rousseff, em seu segundo mandato, e melhor do que o do ex-presidente Jair Bolsonaro, cujo partido ocupava somente 10,14% das cadeiras da Câmara no começo da legislatura, em 2019.
A baixa representatividade do partido do presidente na Câmara não deve gerar grandes preocupações. Primeiro, porque todos os demais ex-presidentes enfrentaram cenários semelhantes e, segundo, porque Lula claramente optou pela formação de uma coalizão de governo que visa construir uma maioria de apoio no interior do Legislativo. O fato que chama a atenção, no entanto, é que diferente de seu primeiro mandato, quando Lula formou uma coalizão minoritária, e diferente do seu segundo mandato, quando o presidente logo que eleito construiu uma maioria mais do que suficiente para a aprovação de Propostas de Emenda à Constituição (PEC) – com mais de 308 deputados –, Lula terá agora um número menor de cadeiras ocupadas pelos partidos da coalizão. Os 262 deputados que integrarão a base aliada do presidente garantem o quórum para a aprovação das matérias e assuntos que dependem apenas da maioria absoluta. Mas ainda são insuficientes para a aprovação de maioria qualificada, exigida para aprovação de PECs.
Tabela 1. Cadeiras em apoio ao presidente na Câmara dos Deputados
Lula conta com o apoio de 8 agremiações partidárias ocupando pastas ministeriais e que são responsáveis por garantir um apoio mais estável ao presidente no interior do Congresso. Das 37 pastas ministeriais em seu gabinete, 26 serão comandadas por lideranças partidárias e 11 por quadros mais técnicos e sem claros vínculos partidários.
Para medir o quanto a composição do gabinete formado por Lula será ou não proporcional à representação dos partidos na Câmara dos Deputados, o Observatório do Legislativo Brasileiro empregou a Taxa de Coalescência – medida criada pelo cientista político Octavio Amorim Neto (2002). A Taxa de Coalescência varia de 0 a 1, sendo que 1 significa que há um perfeito equilíbrio entre a distribuição das pastas ministeriais e o número de cadeiras que os partidos da base aliada possuem na Câmara dos Deputados e 0 indica que não há nenhum equilíbrio entre a divisão dos ministérios e os assentos legislativos. Ainda segundo a metodologia de cálculo da taxa, o valor de 0,5 indica que não há nenhum ministro partidário ocupando o gabinete.
Em 2023, Lula inicia seu mandato com uma Taxa de Coalescência de 0,64, o que significa que não há, ainda, um perfeito equilíbrio entre a divisão das pastas ministeriais e o apoio oferecido pelos partidos da base aliada no interior da Câmara dos Deputados. Contudo, esse valor nos mostra que, ao contrário do início do primeiro e do segundo mandato, Lula parece ter equilibrado melhor desta vez a disputa de forças partidárias com a distribuição dos ministérios.
Gráfico 1. Taxa de Coalescência para a primeira coalizão formada por governos eleitos
Fonte: Observatório do Legislativo Brasileiro.
Até o momento, integram formalmente a coalizão de Lula os seguintes partidos: PT, MDB, PSB, União Brasil, PSD, PSOL, Rede, PDT e PCdoB. Apesar do aparente equilíbrio na distribuição das pastas ministeriais, fica claro que, do ponto de vista político, Lula terá que, tal qual em seus dois primeiros mandatos, negociar o conteúdo da política considerando os pontos de vista não só da esquerda, mas também de partidos que estão situados mais à centro-direita do espectro ideológico. Esse é o caso, por exemplo, do União Brasil que, hoje, é o segundo maior partido da coalizão, com 59 cadeiras na Câmara, e do MDB, terceiro maior partido da base, com 42 assentos.
Tabela 2. Distribuição dos Ministérios e apoio na Câmara dos Deputados (Lula III 2023)
Por fim, alguns eventos ainda precisam acontecer para que a coalizão de Lula em seu terceiro mandato seja dada como consolidada. Com 262 cadeiras à sua disposição, Lula ainda precisará recorrer ao apoio de, no mínimo, 46 deputados caso queira aprovar PECs. A nomeação de cargos de segundo escalão, bem como a escolha dos dirigentes de importantes agências e autarquias do governo podem ajudar nesse processo de consolidação da base aliada. Não podemos nos esquecer que o apoio do Executivo a candidatos à presidência da Câmara dos Deputados e do Senado Federal pode, também, ser fator importante na conquista de aliados e de mais cadeiras para a coalizão do governo.