Qual o custo pago pelo Governo Lula III para abrir espaço orçamentário com a PEC da Transição?

Postado por OLB em 24/03/23

Maiane Bittencourt

Dado início ao governo de transição, em meados de novembro de 2022, uma das preocupações da nova gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi com o teto de gastos frente aos 400 bilhões de reais de déficit orçamentário deixado pelo Governo Bolsonaro e das promessas realizadas ainda em campanha. O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), e a presidente do Partidos dos Trabalhadores (PT), Gleisi Hoffmann, atuavam junto ao parlamentar Jaques Wagner (PT-BA) – indicado como o articulador político – para que passasse no Congresso uma alteração constitucional que permitisse ao futuro governo bancar despesas como o Bolsa Família (antigo Auxílio Brasil) no valor de 600 reais e o Auxílio Gás.

No entanto, o resultado obtido foi algo diferente do desejado inicialmente. A Emenda Constitucional a ser promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado, em 21 de dezembro de 2022, não seria a proposta submetido preliminarmente, mas um substitutivo do relator, deputado Elmar Nascimento (União-BA).

A Emenda Constitucional 126 autoriza o Governo Lula III a aumentar em 145 bilhões o teto no orçamento de 2023, traz melhorias para as emendas individuais de Deputados(as) e Senadores(as), apresenta um novo critério de distribuição destas, e aumenta o recurso das emendas de relator(a) do orçamento, entre outras medidas. Mas em quê o governo sairia perdendo? O Congresso traria custos para que o novo governo aprovasse a PEC da Transição? Para enfrentar essas questões, analisamos o que foi proposto pela equipe de transição frente ao que foi aprovado pelo Congresso no caso da PEC 32/2022.

O que foi apresentado pelo governo de transição e o que o Congresso promulgou 

Antes mesmo da PEC ser apresentada, seu texto original foi resultado de uma grande negociação entre o governo de transição e o parlamento. O objetivo inicial do Executivo era chegar ao pedido de 195 bilhões por 4 anos e sem a previsão do Executivo encaminhar uma lei complementar para instituir um novo regime fiscal. No entanto, durante as negociações, a proposta não agradou o Congresso. Os(as) parlamentares concluíram que o furo do teto não seria possível diante da previsão de arrecadação para os 4 anos exigidos e fizeram um rol de alterações para que a equipe no Senado protocolasse a PEC. Com a proposição submetida, outros custos ainda foram calcados na conta do governo para que o projeto seguisse. Ou seja, algumas coisas ainda foram alteradas durante a sua tramitação. Das 12 principais propostas elencadas na análise do OLB da PEC 32/2022, 3 foram adicionadas pelo parlamento e uma que constava no projeto inicial foi reduzida.

A primeira derrota do governo, na tramitação da PEC de Transição, diz respeito ao período em que é permitido o aumento de despesas que podem custear projetos sociais. Na queda de braços com o Congresso, o intervalo que estava previsto para dois anos foi alterado para um. Assim, a possibilidade de aumentar o espaço orçamentário do teto de gastos vale apenas para 2023 e não mais para 2024 também. Vale lembrar que antes mesmo de protocolada a proposição, esse ponto foi tema de divergência, no qual a equipe escolheu submeter o projeto aceitando uma perda: o da autorização para aumentar o teto ser válido por 2 anos em vez de 4 como era o desejado inicialmente pelo Executivo. Apesar disso, a equipe de transição conseguiu encaminhar e aprovar outros ganhos. Por exemplo, conseguiu contornar a “regra de ouro”, situação em que o Executivo pode emitir títulos da dívida pública para financiar despesas nesse espaço orçamentário de 145 bilhões sem pedir autorização do Congresso e, também, aprovou a correção do Teto de Gastos pelo IPCA a partir de 2024, assim não precisará arcar com a diminuição do recurso devido à inflação.

Outras conquistas do novo governo remetem-se aos projetos ambientais, às instituições federais de ensino e aos recursos dos Estados e do DF para obras e serviços de engenharia. Nos casos dos dois primeiros, os impostos das doações recebidas por esses projetos e entidades serão retirados. Também, os três passam a ter seus orçamentos analisados fora do Teto de Gastos.

Igualmente, a equipe de transição conseguiu um tempo maior para apresentar um projeto que demonstre que as contas fecham – de que é possível um equilíbrio entre receitas e despesas do governo federal. Com a Lei de Responsabilidade Fiscal, essa atribuição deveria ocorrer com o envio da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), até o dia 15 de abril, e deveria ser embasada no Plano Plurianual (PPA) vigente – do Governo Bolsonaro. Agora, a EC 126 permitiu que o Executivo faça isso quando apresentar o seu  PPA  em 31 de agosto – prazo também que o Executivo tem para a entrega do projeto de Lei Orçamentário Anual (LOA) ao Congresso.

No entanto, nesse jogo político pelo aumento de recursos para custear principalmente o Bolsa Família, promessa de campanha de Lula, o Congresso conseguiu ter dois grandes ganhos e promover custos de negociação ao Executivo. Primeiro, o parlamento conseguiu contornar o STF no que concerne às emendas de relator. Para compreendermos, antes do Governo Bolsonaro, essas emendas funcionavam apenas com caráter de cancelamento – quando o(a) relator(a) sugeria cortes nas despesas propostas pelo Executivo. Em 2020, com o chamado orçamento secreto, essas emendas começaram a ter caráter propositivo – de incluir novas despesas públicas e projetos na LOA. Também vimos essas emendas serem aglutinadas às emendas individuais de parlamentares, ao passo que paramos de saber como funcionava o rateio. Nesse cenário, o STF julgou inconstitucional a prática do legislativo e ordenou que as emendas de relator(a) voltassem a ser praticadas apenas para corrigir gastos do governo. Diante da aprovação da PEC da Transição, o Congresso conseguiu encaminhar um meio termo, no qual pode propor a destinação de recursos, mas para alguma política pública que já esteja na LOA encaminhada pelo Executivo. Essas emendas também voltam a ser transparentes e com o limite total na casa de 9 bilhões.

A segunda conquista do parlamento frente ao Governo Lula III também foi em torno de emendas. Mas a respeito das emendas individuais destinadas aos(as) parlamentares – ocasião em que deputados(as) e senadores(as) indicam a destinação de verbas da União a projetos ou instituições. No presente, essas passam a ter a totalidade de seus recursos com caráter impositivo – quando o Executivo é obrigado a efetuar todos os recursos destinados pelos(as) parlamentares. Neste sentido, o Legislativo continua a conceder políticas públicas à sociedade e conta com um aumento de 11,7 bilhões para 21 bilhões. A imposição de seu pagamento e dos critérios de equidade (para que o Congresso como um todo seja contemplado) como objetividade e imparcialidade no atendimento das propostas diminui o rol de negociações do Executivo. Pois, até mesmo aqueles(as) parlamentares que não votarem com o Governo terão suas parcelas do orçamento executadas. Sem contar que ambas as emendas, as individuais e as de relator(a), terão seus valores corrigidos pelo IPCA ano a ano.

Foram nessas medidas que o Legislativo promoveu um grande custo para o Governo Lula III aprovar a EC 126. Por consequência, é de se esperar que, a partir de então, a negociação com o Congresso passe a ter um degrau a mais de dificuldade. Isso porque, com mais autonomia orçamentária para manter seus nichos eleitorais, os(as) parlamentares terão maior fôlego nas negociações com o Executivo. O que diminui a capacidade de ofertas do presidente nas negociações com o Congresso caso queira aprovar novas reformas.

O STF na disputa política pela PEC da Transição

Duas decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) pesaram na negociação da PEC da Transição. Ambas foram julgadas durante a tramitação da proposta.

No dia 18 de dezembro de 2022, Gilmar Mendes decide pela retirada das despesas públicas empregadas com programas sociais – como o Auxílio Brasil – do Teto de Gastos. Isso daria margem para a equipe de transição dispensar a PEC. Porém, outros pontos de seus interesses ainda estavam em tramitação e não eram contemplados com a decisão do Ministro: a possibilidade de retirar do Teto a análise do orçamento com programas ambientais e climáticos, com instituições de ensino superior e com obras e serviços de engenharia de recursos transferidos dos entes federativos, entre outros. Mesmo assim, esta decisão pode ter possibilitado aos articuladores da PEC um espaço maior de negociação com o Congresso, pois em caso de uma queda de braço em que o Executivo não ganhasse, ao menos as medidas com projetos sociais já teriam aval do Supremo para serem executadas.

Outra decisão, agora da Corte, pode ter causado maior interesse do parlamento na PEC da Transição. No dia 19 de dezembro de 2022, o STF tornou inconstitucional o orçamento secreto, diminuindo a atuação de Deputados(as) e Senadores(as) na elaboração do orçamento. Coincidência ou não, a maior movimentação do Congresso para aprovar a proposição iniciou a partir desta data. A discussão em primeiro turno da PEC, na Câmara dos Deputados, por exemplo, só aconteceu no dia 20 de dezembro, um dia após a decisão do STF. Assim, nestes dois casos, o judiciário pode ter atuado para controlar o poder do parlamento – que aumentou durante o governo Bolsonaro, sobretudo a partir de 2020, com o orçamento secreto.

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