Comissões Permanentes e a Política do Legislativo

Postado por OLB em 27/04/23

Bruno Schaefer

Nos últimos dias de março foram eleitos(as) os(as) presidentes de 28 das 30 Comissões Permanentes instaladas na Câmara dos Deputados. O processo de escolha destes cargos, e dos(as) subsequentes membros das comissões, foi mais lento do que no Senado, o que demonstra como os acordos e correlação de forças na Câmara ainda estão sendo costurados.

A presidência das comissões permanentes é um dos cargos mais importantes na Câmara dos Deputados. Uma proposição legislativa qualquer, usualmente, passa por uma ou mais comissões na Câmara e são os seus presidentes que indicam os relatores(as) para os projetos. Logo, essa escolha pode representar o sucesso ou o insucesso de um projeto.

Neste texto, o Observatório do Legislativo Brasileiro expõe a importância das Comissões Permanentes na Câmara; o processo de escolha dos presidentes; o perfil destes (em termos de experiência política, e na relação governo-oposição); e, possíveis desafios na relação Executivo-Legislativo neste início de governo Lula 3.

O que são as comissões permanentes?

A organização do Legislativo em Comissões temáticas responderia às demandas de parlamentares por expertise na execução e fiscalização das políticas públicas. No Congresso dos Estados Unidos, por exemplo, a expansão das Comissões temáticas foi produto do aumento de áreas de atuação do Executivo Federal.

Maior grau de expertise do governo em áreas como educação, defesa e infraestrutura demandaria maior fiscalização do Legislativo, por meio de Comissões para temas como educação, defesa e infraestrutura. Parlamentares que se especializam em determinadas áreas acabariam trabalhando em determinadas comissões (assim como funcionários do próprio Legislativo), de modo que a fiscalização e o desenho de políticas públicas estivesse sob maior controle. O processo não é necessariamente linear, mas obedece uma lógica segundo a qual a especialização em áreas específicas torna-se um ativo para a disputa eleitoral.

No caso brasileiro, isto não é diferente. Os partidos indicam parlamentares com expertise e lealdade às Comissões, e tendem a se especializar em determinadas áreas de políticas públicas. O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, teve 19 das 25 presidências da Comissão de Direitos Humanos (1995-2023).

As Comissões Permanentes possuem papel de deliberação sobre propostas legislativas, sejam oriundas do Executivo ou do próprio poder Legislativo, podem votar proposições específicas (que forem enviadas pela Mesa Diretora), realizam audiências públicas, podem convocar autoridades para prestar esclarecimentos, entre outras prerrogativas. Muitos projetos que se tornam leis, inclusive, passam somente por comissões e não chegam ao Plenário. Nestes casos, o colegiado da Comissão possui função terminativa.

É importante mencionar que o número de comissões permanentes aumentou nesta Legislatura, de 25 para 30. Esse incremento foi uma das promessas de Arthur Lira em sua campanha a presidente da Casa legislativa, bem como está relacionado ao aumento de ministérios no Executivo Federal. Uma das comissões novas é a da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais (criada como resposta ao novo Ministério dos Povos Indígenas).

Como se dá o processo de eleição para as Comissões?

Conforme o Regimento Interno (RI) da Câmara dos Deputados (art. 25), os(as) presidentes das Comissões Permanentes possuem mandato de dois anos no cargo, não podendo ter reeleição. Tanto o presidente quanto os vice-presidentes e os demais membros (efetivos ou suplentes) são escolhidos para os cargos pela liderança partidária ou pela liderança do bloco. Ou seja, é prerrogativa do líder indicar os membros para as respectivas Comissões.

A questão de qual partido poderá indicar para qual Comissão, no entanto, é um processo anterior. Conforme o Regimento Interno (RI):

“Art. 27. A representação numérica das bancadas nas Comissões será estabelecida dividindo-se o número de membros da Câmara pelo número de membros de cada Comissão, e o número de Deputados de cada Partido ou Bloco Parlamentar pelo quociente assim obtido. O inteiro do quociente final, dito quociente partidário, representará o número de lugares a que o Partido ou Bloco Parlamentar poderá concorrer em cada Comissão”.

Por exemplo, dado que o Plenário possui 513 deputados e determinada comissão dispõe de 20 vagas, o valor do quociente é 25,65. Um partido com uma bancada hipotética de 50 deputados teria direito a 1,88 vagas, arredondando, 2. Ou seja, este partido hipotético poderia indicar até 2 membros titulares para a Comissão  – e igual número para suplentes. Como a regra premia a proporcionalidade entre o peso eleitoral dos partidos e sua representação interna, partidos maiores terão mais membros em comissões. Na prática, o tamanho das Comissões varia de 18 membros até 66.

A questão da presidência dos órgãos, porém, já é outra estória, assunto que requer acordo entre Mesa Diretora, especialmente o presidente da Casa, as lideranças partidárias, e outros atores interessados (como o Executivo). Aqui, o que vale são acordos informais que levam em conta o peso dos partidos, mas também o relacionamento destes com o presidente da Casa.

Na última eleição para a presidência da Mesa da Câmara, em que Arthur Lira se sagrou vencedor com votação recorde, foi formado um bloco com 20 partidos (em torno de 90% das cadeiras da Casa). Com base no regimento, Lira considerou que este bloco (que vai do PT, do presidente Lula, até o PL, do ex-presidente Jair Bolsonaro) é o que valeria para a distribuição da presidência das Comissões. Se, inicialmente, o governo federal buscava isolar o PL, agora, ao menos formalmente, os dois partidos teriam de negociar a distribuição da presidência das Comissões, com a arbitragem do líder do bloco, Arthur Lira. Em fevereiro, estas discussões quase resultaram na entrega de uma comissão importante ao governo, a do Meio Ambiente, para o ex-ministro de Bolsonaro Ricardo Salles (PL-SP). No fim, isto não se concretizou, mas a oposição, como destacamos na próxima seção, ainda detém uma série de comissões importantes.

Perfil dos(as) presidentes(as)

Como destacado anteriormente, as Comissões Permanentes da Câmara representam um grau de expertise alta, seja na fiscalização, seja no próprio desenho de políticas públicas. Um projeto de lei que trate de saneamento básico, uma vez introduzido, poderá ser discutido em todas as comissões que tocam no tema: meio-ambiente, integração nacional e desenvolvimento regional, saúde, constituição e justiça (em que passam todos os projetos de lei, para observação de sua legalidade). Se envolve questões financeiro-orçamentárias, também na comissão de fiscalização financeira e controle. Deste modo, partidos tendem a indicar para as comissões membros que sejam leais à organização, sobretudo, aqueles que possuem experiência no trabalho legislativo.

No gráfico 1, mostramos a comparação do número de mandatos entre o Plenário da Câmara e a presidência das Comissões. Se no Plenário, quase 40% dos deputados estão em primeiro mandato, na presidência das comissões este valor cai para menos de 20%.

Gráfico 1. Número de mandatos de parlamentares em geral e daqueles que assumiram presidência das comissões.

Fonte: Observatório do Legislativo Brasileiro.

Estes dados destacam como líderes partidários indicam parlamentares confiáveis e experts para a presidência das comissões a que têm direito. Por exemplo, Rui Falcão (PT-SP), deputado em segundo mandato, mas com larga experiência política e ex-presidente do PT, foi escolhido pelo partido para presidir a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC); enquanto Bia Kicis (PL-DF), também deputada em segundo mandato, mas com laços fortes com o bolsonarismo, foi escolhida para presidir a Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC). Por isso, o Índice de Influência Parlamentar (INF) do OLB tem como um de seus componentes a variável “ter ou não presidido comissão permanente”.

A relação entre o peso eleitoral dos partidos e sua representação na presidência das comissões é, regimentalmente, proporcional. Como podemos ver no gráfico 2, há uma correlação extremamente alta entre as duas variáveis (0,91). No eixo y consideramos o percentual de cadeiras de cada partido, ou federação (que atua como partido), e no eixo x o percentual de presidências de comissões.

Gráfico 2. Correlação entre percentual de cadeiras no plenário de cada partido/federação e o percentual de presidências de Comissões.

Fonte: Observatório do Legislativo Brasileiro.

Em termos da correlação de forças, há certa sobrerrepresentação do governo na presidência das comissões. Se cálculos mais otimistas levam em conta a base governista com 223 deputados (43,47%), nas comissões, estes mesmos partidos conquistaram metade das presidências.

Há, aí, fatores de ponderação. Nem todas as comissões detêm a mesma importância da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), por exemplo,  que tem o poder de declarar projetos de lei como inconstitucionais ou constitucionais,ou mesmo da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC), que tem papel essencial na fiscalização dos gastos governamentais.  Ou seja, outras comissões não possuem o mesmo peso no processo legislativo.

Se considerarmos o tamanho de cada comissão (número de membros titulares indicados pelos partidos), como uma medida de sua importância, vemos que há grande variação. A CCJC, por exemplo, tem até o momento 65 membros titulares, a Comissão de Saúde (CSAUDE), 50 membros, a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), 48 membros. Ao todo, oito comissões possuem mais de 30 membros titulares e envolvem seja aspectos substanciais de políticas públicas, seja aspectos procedimentais do processo legislativo.

Gráfico 3. Número de membros titulares por comissão permanente.

Fonte: Observatório do Legislativo Brasileiro.

Na tabela 1, é possível perceber que entre as maiores comissões da Câmara, há sub-representação do governo nas presidências. A comissão de saúde, por exemplo, será presidida por um parlamentar da oposição, bem como as comissões de segurança pública, agricultura e relações exteriores (se considerarmos o PSDB como oposição). O PT conseguiu emplacar presidentes em dois cargos importantes.

A questão aqui é: de que modo evoluirá a relação entre Executivo e Legislativo nos próximos anos? Sabemos que o governo Lula 3 não possui uma base sólida na Câmara e tem pretensão de discutir reformas importantes e custosas (tributária, em duas frentes; e um novo arcabouço fiscal). Com a oposição em posições-chave na Câmara, parece que esta será uma tarefa difícil, tornando vital sua capacidade de articulação para além da ocupação pelo PT dos postos formais de controle da agenda da Casa Legislativa.

Pontos de destaque

  • Na segunda quinzena de março, foram eleitos(as) presidentes das comissões permanentes da Câmara dos Deputados, cargo essencial para o processo legislativo;
  • As Comissões permanentes passaram de 25 para 30 nesta Legislatura, e abordam grande variedade de temas, “espelhando”, de certo modo, o Executivo federal e seus ministérios;
  • É nas Comissões que grande parte do processo legislativo se dá, à medida em que projetos de lei e outras tramitações devem ser enviados da Mesa Diretora para as Comissões temáticas específicas. Por exemplo, um projeto de lei sobre saneamento deve passar pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) que dá parecer sobre a constitucionalidade da matéria e depois passa por outras comissões, como a de Meio-Ambiente, Integração Nacional, entre outras. Em muitos casos, as Comissões possuem função terminativa. Ou seja, o projeto de lei pode ser aprovado ou rejeitado sem ter que chegar ao plenário;
  • Presidentes das Comissões permanentes designam relatores para projetos específicos, controlam a pauta das comissões e, com isso, possuem poder sobre o andamento do processo legislativo;
  • No caso brasileiro, e nas eleições mais recentes, o perfil de quem ocupa este cargo é de experiência política (mais mandatos do que a média dos parlamentares), e lealdade aos partidos, dado que quem indica o presidente é o líder partidário;
  • Os fatores que levam à escolha de um parlamentar para presidir uma comissão são apoio dentro de seu partido,  seu peso eleitoral e acordos informais, entre presidente da Câmara, lideranças partidárias e outros atores (como o próprio Executivo);
  • Na 57ª Legislatura, comissões-chave foram conquistadas pela oposição, o que indica possíveis dificuldades do Executivo na tramitação de seus projetos.
Compartilhe: