Postado por OLB em 22/11/19
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) é uma das mais importantes comissões da Câmara dos Deputados. Seu principal objetivo é deliberar sobre a adequação das proposições legislativas à Constituição, além de discutir mérito de assuntos específicos regimentalmente definidos. Praticamente todos os tipos de projetos – independente do tema – passam por ela. Por essa razão, há disputa partidária acirrada pela definição da composição e escolha do presidente da comissão.
Eleito pelos membros, geralmente após acordo já firmado entre as lideranças, é o presidente da CCJC quem tem a prerrogativa de designar relatores que emitirão parecer, favorável ou contrário, sobre todas as proposições apreciadas no órgão. Essa é uma decisão estratégica que pode facilitar ou dificultar sobremaneira a tramitação de um projeto na Câmara. A distribuição de relatorias está no centro da disputa pelo controle de agenda da comissão por parte do Executivo, de coalizões governistas e da oposição.1
Com o objetivo de identificar padrões na distribuição de relatorias em diferentes governos, bem como de observar o padrão seguido pela atual legislatura na comparação com as demais, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou 22783 designações de relatorias na CCJC de 1995 a 2019. Foram 12493 proposições relatadas2 por 726 deputados, considerados projetos de emenda constitucional (PEC), projetos de lei ordinária (PLs), projetos de lei complementar (PLV) e medidas provisórias (MPV). Para facilitar a comparação entre governos, as análises abaixo consideram os 9 primeiros meses de cada um dos seguintes mandatos presidenciais: FHC I, FHC II, Lula I, Lula II, Dilma I, Dilma II, Temer e Bolsonaro.
Dentre os 8 mandatos analisados, o de Bolsonaro destaca-se como aquele em que houve maior atividade na CCJC, seguido imediatamente por Lula I. Já os dois mandatos de FHC coincidem com os dois períodos em que há menor número de proposições distribuídas na comissão.
Nos governos FHC I e FHC II, o partido mais central –- que mais recebeu relatorias na CCJC – foi o PP, partido de sustentação do governo. Há diferenças, contudo, nos padrões observados nesses 2 mandatos. Em FHC I, há preponderância de partidos governistas, mas sem centralização no partido do presidente. Em FHC II, o PP mantém-se como partido central, mas o PSDB ganha destaque. Além disso, mais partidos passam a relatar proposições em aparente mudança na correlação de forças e estratégia de condução dos trabalhos da comissão.
Em Lula I, a centralidade do PT é expressiva nas relatorias da CCJC. O partido possui 1.8 vezes mais relatores que o PP – segundo partido mais central. Em Lula II, o PT perde centralidade em favor do MDB, recém-chegado à coalizão, e do PR, aliado formal do governo desde sua fundação. Tal qual no primeiro mandato de FHC, as relatorias estão preponderantemente nas mãos da coalizão governamental.
Com padrão bastante semelhante ao governo Lula I, o primeiro mandato de Dilma concentra relatorias majoritariamente no partido da presidente e, em seguida, em partidos aliados (PMDB e PP). Em Dilma II, há mudança de cenário. Com o isolamento do PT após eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara, os relatores da CCJC estiveram concentrados em partidos oposicionistas ou mais à direita da coalizão. O DEM relata 3.5 vezes mais projetos que o PT, evidenciando dificuldades no controle da comissão por parte da base governista.
No Governo Temer, os partidos mais centrais foram DEM e PP, ambos fiéis ao governo, seguidos pelo MDB do presidente. A designação de relatores segue padrão semelhante ao observado em FHC I e II e Lula II – relatorias concentradas na base governista, mas dispersas em partidos diferentes.
Por fim, no mandato Bolsonaro há retomada e aprofundamento do padrão observado em Lula I e Dilma I. Até outubro de 2019, a CCJC distribuiu proporcionalmente mais relatorias a deputados filiados ao partido do presidente do que em qualquer outro mandato (46%). O PSL teve 2.7 vezes mais relatores que o DEM, segundo partido central, e 4 vezes mais que o PDT, único partido não alinhado às preferências governamentais que figura entre as 5 agremiações com mais relatorias. Além da concentração no partido do presidente, verifica-se um isolamento sem precedentes dos partidos oposicionistas na comissão.
Relativos aos últimos 24 anos, os dados revelam forte controle governamental de uma das atividades de maior importância na CCJC – a definição do relator, com destaque maior ou menor para partidos do presidente ou de sua coalizão e espaço maior ou menor para a oposição. A exceção fica por conta do governo Dilma II, quando o PT perde o controle da base governista na Câmara logo no início do mandato. Uma eventual saída de Bolsonaro do PSL pode provocar mudanças na distribuição de poder atual da comissão, mas é pouco provável que o cenário se modifique radicalmente no curto prazo.
1 A quantidade de vagas da CCJC na Câmara, diferentemente do Senado, não está fixada no regimento. É definida no início de cada sessão legislativa em função do número de comissões permanentes, respeitados o tamanho da bancada dos partidos e a indicação nominal dos líderes partidários. A designação de relatorias, portanto, é uma escolha que se faz em universo de partidos proporcionalmente representados.
2 A diferença entre o número de relatores e de proposições legislativas deve-se ao fato de que a CCJC, em determinados assuntos, emite parecer sobre admissibilidade mas também sobre mérito da proposição.