Postado por OLB em 17/12/21
Em 2022, a Lei Federal 12.711/2012, também conhecida como Lei de Cotas, completa 10 anos. A lei garante a reserva de 50% das vagas, em instituições de ensino superior e técnico vinculadas ao Ministério da Educação, a estudantes oriundos da escola pública. Essa reserva, por seu turno, se divide, meio a meio, entre estudantes de renda familiar per capita inferior a 1,5 salários-mínimos e superior a essa marca. Dentro de cada um desses subgrupos se aplica uma reserva de vagas para estudantes pretos, pardos e indígenas na proporção de sua participação na população da unidade federativa na qual a instituição é localizada. Além disso, estipulou revisão dessa regra após 10 anos. O prazo, portanto, se encerra em 2022, embora o Congresso Nacional esteja discutindo a possibilidade de prorrogar a política até 2032. A proposta está contida no substitutivo do relator, deputado Fábio Trad (PSD-MS), ao PL 1.788/2021, que tramita em caráter terminativo pelas comissões da Câmara e atualmente está aguardando parecer do relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).
O momento para discutir a revisão e a eventual prorrogação da lei de cotas não poderia ser mais desafiador. Os dez anos de sua vigência demonstraram cabalmente que as previsões catastróficas feitas pelos opositores dessas políticas, como o baixo desempenho acadêmico dos cotistas e o aumento do conflito racial nas universidades, entre tantas outras, eram infundadas. A política de fato resultou em uma efetiva e qualificada democratização do ensino superior brasileiro. Contudo, houve nos últimos anos um crescimento expressivo da direita no país e no Congresso e o tema das cotas têm o potencial de se tornar, mais uma vez, uma bandeira dessas forças políticas em seu esforço de se diferenciar da esquerda progressista.
Diante desse cenário, o OLB realizou uma análise sobre como o tema vem sendo tratado na Câmara dos Deputados, com o objetivo de melhor entender os desafios que a revisão da Lei 12711/21 enfrentará nessa casa. Para isso, levantamos as proposições indexadas com o termo “Lei de Cotas de Ingresso nas Universidades”, movimentadas na atual legislatura. A maior parte das proposições identificadas a partir desse critério foi apresentada em 2019 – primeiro ano da legislatura. Uma das proposições é mais antiga, data de 2015, e também foi inserida na amostra da análise. Contamos com a equipe de pesquisadores do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa) para codificar o material de acordo com a valência e relevância e, adicionalmente, discriminamos a autoria de acordo com ideologia partidária.
Um total de 34 proposições sobre a Lei de Cotas foram apresentadas na Câmara dos Deputados entre 1989 e 2021. Destas, 19 são da atual legislatura e 30 sofreram alguma movimentação nesse mesmo período. Ou seja, apenas quatro proposições sobre a Lei de Cotas foram apresentadas e não foram movimentadas desde 2019. Por essa razão, elas foram retiradas do universo de análise deste relatório. Isso denota maior interesse da atual legislatura para legislar sobre o assunto, bem como seu ímpeto em tramitar as proposições de sua própria autoria.
Adicionalmente, a maioria absoluta das proposições movimentadas é muito relevante para o tema (17 das 30), enquanto apenas três foram classificadas com baixa relevância. Se considerarmos apenas as 19 proposições iniciadas na atual legislatura, 14 têm relevância alta, ao passo que outras quatro têm relevância média e apenas uma baixa. A relevância das proposições está relacionada com o intuito dos legisladores em reformar, abolir ou renovar a Lei 12.411/12.
Ao considerarmos a valência da proposta, a distribuição aparece mais equilibrada. Das 30 proposições, 12 (40%) apresentam teor favorável ao princípio da Lei de Cotas (apoiando o aprofundamento ou a manutenção da legislação) e 12 (40%), teor contrário (propondo extingui-la ou modificá-la em pontos centrais). Apenas seis são neutros. Esse resultado sinaliza uma disputa polarizada e acirrada entre perspectivas de revisão da legislação.
A polarização entre proposições favoráveis e desfavoráveis se mantém quando selecionamos apenas as proposições apresentadas na atual legislatura. São nove favoráveis versus sete desfavoráveis. Aqui, contudo, nota-se o esforço das bancadas favoráveis à Lei de Cotas em preservar e/ou avançar em relação às regras vigentes.
Por fim, ao cruzarmos as propostas segundo os critérios de relevância e valência, é possível observar que a maior parte tanto das propostas contrárias, quanto das favoráveis, é relevante para o tema. Em cada um dos casos, sete de 12 proposições (58%) foram classificadas com alta relevância.
Ao classificarmos os partidos dos autores das proposições segundo um critério ideológico, é possível observar como o conflito parlamentar se organiza com relação ao tema. Inicialmente, sublinhamos que tanto partidos de esquerda quanto os de direita se engajam na temática. Das 30 proposições movimentadas, 12 são de autoria de parlamentares de partidos de esquerda (40%) e 15 (50%) de parlamentares de direita, com ambos os campos apresentando projetos de alta relevância. Ou seja, desde que surgiu no Brasil, a partir do começo da década de 2000, a Lei de Cotas tem sido um marcador da divisão do espectro político-ideológico entre esquerda e direita.
Como vemos no gráfico abaixo, não é somente a concentração numérica das proposições que se concentra nos pólos, mas também a tendência a apresentar propostas que alteram significativamente a política em questão, ou seja, de alta relevância.
Se concentrarmos a análise na atual legislatura, esse padrão de disputa se repete. Cada um dos grupos de partido, o de direita e o de esquerda, apresentou nove proposições desde 2019.
Do ponto de vista da valência, das 12 proposições de autoria de partidos de esquerda, sete são favoráveis (58%) e três são contrárias (25%). Inversamente, das 15 proposições de autoria de partidos de direita, oito são contrárias (53%) e quatro são favoráveis (26%).
O recorte das proposições apresentadas na atual legislatura reforça ainda mais essa tendência. De sete proposições oriundas de partidos de esquerda, seis são favoráveis e nenhuma contrária. Das seis autoradas por partidos de direita desde 2019, todas são contrárias. Ou seja, a polarização entre proposições favoráveis e desfavoráveis à Lei de Cotas se alinha expressivamente ao posicionamento divergente de partidos de direita e esquerda, respectivamente.
Cabe notar que as proposições contrárias oriundas da direita se distribuem em uma variedade de partidos políticos, dentre eles o PSL, PRB, DEM e PSC. No campo da esquerda, destacam-se PT, PCdoB, PSB e PSOL.