Postado por OLB em 24/09/21
Passados quase três anos de mandato, sucessivas pesquisas eleitorais mostram um forte desgaste de Jair Bolsonaro no eleitorado. Diante desse cenário, restam ao presidente poucas cartas na manga para reverter esse cenário até outubro de 2022, quando muito provavelmente tentará a reeleição. Uma delas é a tentativa de reformular o programa Bolsa Família – uma das marcas mais características dos governos petistas e a que muitos atribuem a resiliente popularidade do ex-presidente Lula – de modo a ampliar o número de famílias beneficiárias e o valor a elas destinado. O entorno do presidente acredita que o programa poderá não apenas minar o apoio eleitoral de seu principal adversário, como aumentar a popularidade do atual mandatário, de modo a torná-lo mais competitivo em 2022.
Com esse intuito, o Planalto editou a Medida Provisória (MPV) 1061/21, instituindo novo programa social, denominado Auxílio Brasil. A medida exata dos efeitos do novo programa, no entanto, ainda depende de algumas variáveis cruciais. A mais importante delas é o valor orçamentário a ser destinado ao novo programa, que, por seu turno, depende do destino da reforma tributária e do projeto de emenda constitucional (PEC) dos precatórios, com os quais o governo conta para liberar espaço no orçamento.
Apesar do evidente aspecto eleitoreiro, o Auxílio Brasil surge no momento em que o tema da renda mínima volta a ser discutido em muitos países, na esteira dos danos sociais provocados pela pandemia da Covid-19 e do diagnóstico de que o avanço da desigualdade pode estar na raiz das crises políticas sofridas mesmo em países tidos até há pouco como democracias consolidadas. No Brasil, o novo programa foi formulado principalmente no âmbito do Ministério da Economia, sob a liderança do ministro Paulo Guedes, diante da inoperância das pastas sociais do gabinete de Bolsonaro.
O objetivo deste relatório é apresentar em linhas gerais a MPV 1061/21 e analisar como o tema tem repercutido na Câmara dos Deputados.
O programa Auxílio Brasil foi instituído pela MPV 1061/21 e, como o Bolsa-Família, é um programa de transferência de renda mediante condicionalidades. O novo programa inclui o benefício da primeira infância, o benefício da composição familiar e o benefício de superação da extrema pobreza. Como no Bolsa-Família, estão previstos benefícios a famílias em condição de extrema pobreza e, em alguns casos, em condição de pobreza. Para que as famílias sejam incluídas nessa segunda categoria, no entanto, elas devem ter em sua composição gestantes ou membros com idade entre 0 e 21 anos incompletos. Nesse sentido, o novo programa distingue-se do Bolsa-Família, no qual apenas famílias em condição de pobreza com adolescentes entre 0 e 17 anos estariam elegíveis. As definições de extrema pobreza (renda mensal de até R$ 89,00 por pessoa) e de pobreza (renda mensal entre R$ 89,00 e R$178,00) permanecem as mesmas. As condicionalidades entre os dois programas também são bastante semelhantes, e incluem acompanhamento de saúde e frequência escolar mínima para seus beneficiários, tendo em vista, principalmente, o desenvolvimento infantil.
Além dos benefícios básicos – que constituem o núcleo do programa, o Auxílio Brasil prevê também:
A MP 1061 também cria o Programa Alimenta Brasil, que substitui o atual Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) criado em 2003 para incentivo à agricultura familiar, sem aparente mudança de escopo. A nova faceta do programa retrata parcialmente a narrativa de que o Bolsa-Família não propiciava “portas de saída”. Ainda não está claro, no entanto, como o novo acompanhamento funcionará, nem os detalhes de sua operacionalização. A promessa do governo, no entanto, é aumentar o valor do auxílio em pelo menos 50%.
Com o intuito de analisar como o novo programa do governo Bolsonaro, alardeado desde o final de 2020, tem repercutido na Câmara dos Deputados, levantamos os discursos proferidos em plenário, de fevereiro até o final de agosto de 2021, em que eram mencionados os termos “auxílio brasil”, “renda cidadã”, “renda mínima” e “bolsa família”. Os discursos foram divididos em dois grupos. O primeiro, envolve todos os quatro termos. O segundo, mais restrito, inclui apenas os dois primeiros, que referem-se especificamente a programas desenhados, ou imaginados, pelo governo Bolsonaro.
Quando consideramos o conjunto geral de discursos, ou seja, aqueles que contém pelo menos um dos quatro termos pesquisados, vemos que há uma ligeira concentração de discursos nos meses de março e agosto. Março foi o mês em que foi instituído o auxílio emergencial deste ano, por meio da MPV 1039/2021, após longa demora na aprovação da Lei Orçamentária Anual. O mês de agosto, por sua vez, é precisamente aquele em que o novo programa foi lançado, por meio da MPV 1061.
Quando consideramos apenas os termos “renda cidadã” e “auxílio brasil”, mais diretamente associados a programas imaginados pelo governo Bolsonaro, o número de discursos cai consideravelmente. O Renda Cidadã, que não chegou a sair do papel, foi definitivamente descartado pelo governo em dezembro de 2020 – o que pode ter impacto nesse resultado. Os poucos discursos levantados se concentram no mês de agosto em função do Auxílio Brasil. Vale ressaltar que, embora o novo plano surja como uma promessa importante do governo, ele parece ter mobilizado menos os parlamentares do que o problema do auxílio emergencial, ou o tema da renda mínima de modo geral.
Ao analisarmos a distribuição por partido, notamos uma avassaladora predominância de discursos proferidos por parlamentares do PT, tanto naqueles envolvendo todos os termos (gráfico 3), quanto naqueles específicos dos programas do atual governo (gráfico 2). No primeiro caso, o partido é responsável por quase metade dos discursos, seguido de muito longe pelo PSL. No segundo, por mais da metade. O destaque obtido pelo PT é muito significativo, mesmo considerando que o partido seja detentor da segunda maior bancada eleita. Isso se verifica mesmo no campo da esquerda: são 66 discursos petistas contra 7 do PCdoB e 7 do PSOL.
Embora o governo pareça empenhado em viabilizar o programa Auxílio Brasil no ano de 2022, inclusive por razões eleitorais, não temos indicação de que a base bolsonarista considere o programa uma prioridade, ao menos no Congresso. Uma pesquisa mais extensa sobre o tema teria de incluir, também, uma análise das redes sociais dos parlamentares apoiadores do presidente. No entanto, é digno de nota que o PT domine os discursos sobre o tema, indicação de que ele continua a ser prioritário na agenda política do partido. Podemos pontuar, ainda, dois aspectos eleitorais que ajudam a explicar esse protagonismo petista. É de se esperar um esforço das lideranças partidárias em recuperar uma memória positiva dos governos Lula, já tendo como perspectiva a campanha do ex-presidente em 2022. Além disso, é possível também que o partido esteja reagindo às iniciativas do governo, de modo a preservar sua imagem na pauta da renda mínima.