Postado por OLB em 22/02/22
Joyce Luz, João Feres Júnior e Debora Gershon
No último dia 21 de janeiro o Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), sancionou a Lei Orçamentária de 2022 (LOA 2022) – PLN 19/2021. A proposta originalmente elaborada pelo Executivo chegou para análise e alterações do Legislativo ainda no final de agosto. Após mais de 3 meses e meio de tramitação no interior do Congresso Nacional, a Comissão Mista de Orçamento (CMO), sob o comando da Senadora Rose de Freitas (MDB-ES) e com a relatoria-geral atribuída ao Deputado Hugo Leal (PSD-RJ), devolveu a LOA de 2022 para a sanção presidencial.
Durante a tramitação da proposta, houve muitos pontos e acontecimentos que impactaram não só o conteúdo da proposta orçamentária, como também a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, por exemplo, aumentou as receitas disponíveis do governo e abriu margem para a criação do Auxílio Brasil — novo programa de transferência de renda anunciado pelo Governo Federal ainda em 2021. Ao mesmo tempo, o corte efetuado pelo Legislativo de cerca de 50% do orçamento, planejado para as receitas do Ministério da Economia, desagradou ao presidente e à equipe econômica.
A última polêmica envolvendo o Orçamento da União, previsto agora para 2022, foram os vetos em áreas importantes para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida no país frente à manutenção de algumas despesas e gastos “supérfluos” do Presidente da República na peça orçamentária. Com um total de vetos às receitas, que ultrapassa os 3 bilhões de reais, os Ministérios do Trabalho e da Educação foram os que mais sofreram com os cortes. Como já apurado pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), enquanto o Ministério do Trabalho perdeu mais de 1 bilhão de reais de sua receita, o Ministério da Educação perdeu algo em torno dos 800 milhões de reais – as subáreas mais atingidas foram a educação básica, o fundo de desenvolvimento da educação e o fomento às pesquisas.
Diante desse cenário e incentivado, sobretudo, pelos recentes cortes na Educação, o OLB analisou a evolução das despesas[1] e investimentos do governo nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia de 2000 a 2022, levando em conta não só o orçamento em sua totalidade, mas também o montante destinado a investimentos, melhorias e criação de novas políticas públicas.
O foco das análises recai sobre o Ministério da Educação (ME) e sobre o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), tendo em vista que os dois ministérios abrigam as duas principais agências responsáveis pelo fomento à pesquisa no Brasil, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no ME, responsável pelos programas de Pós-Graduação de todo o país, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal entidade que promove o financiamento de pesquisas no país, no MCT.
O presente relatório está dividido em três seções principais. A primeira analisa o Orçamento da União em sua totalidade e as verbas especificamente destinadas a investimentos. A segunda apresenta dados e interpretações do orçamento e dos investimentos no Ministério da Educação e na CAPES. A terceira, por sua vez, trata de análise semelhante à da segunda, mas com foco no Ministério da Ciência e Tecnologia e no CNPq.
Cabe aqui registrar que todos os valores de receita foram corrigidos pela inflação acumulada[2] no período. A principal fonte oficial de extração dos dados utilizada foi a plataforma do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP)[3].
O valor aprovado para o orçamento de 2022 é o maior desde 2000, atingindo 4,73 trilhões de reais, conforme observado no Gráfico 1. Este valor é bastante superior à média anual da série de 3,61 trilhões de reais.
O valor total do orçamento, contudo, é pouco elucidativo das prioridades dos governos. É preciso olhar sua distribuição pelo Grupo de Natureza das Despesas (GND). O GND é uma classificação do orçamento cuja finalidade é identificar e agrupar por semelhança os objetos de gasto governamental. Há 7 grupos de despesa, de acordo com a classificação adotada pelo Governo:
Dentre esses 7 GNDs, o grupo “Investimento” e “Outras Despesas Correntes” são os únicos que permitem remanejamento das verbas e receitas alocadas. Os demais grupos comportam despesas obrigatórias, ou seja, não passíveis de cancelamento ou modificação ao longo da execução do ano orçamentário. Para este relatório, priorizamos a análise das receitas de investimentos, visto que elas garantem a melhoria e criação de novas políticas públicas.
Como apresentado no Gráfico 2, os dois grupos que mais recebem recursos no orçamento ao longo dos anos são os de Amortização da Dívida e de Outras Despesas Correntes. Na média, Amortização da Dívida ocupa 45% das receitas aprovadas, enquanto as Despesas Correntes ocupam 31%. O mais preocupante, no entanto, é o grupo de Investimentos que recebe, em média, apenas 2% dos valores aprovados para o orçamento.
Conforme mencionado anteriormente, o grupo de Investimento é o que mais permite ao Governo criar e melhorar políticas públicas. Essa rubrica é fundamental para benfeitorias e ampliação de políticas e obras nas áreas de Saúde, Educação, Habitação, Infraestrutura, Lazer, Transporte etc.
O Gráfico 3, revela que, desde 2016, esses valores vêm caindo vertiginosamente no Brasil. Após 8 anos de valores crescentes, durante os governos do PT, com pico de 139 bilhões de reais em 2013, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o valor aprovado para o grupo caiu para um patamar de aproximadamente 40 bilhões durante o Governo Bolsonaro, ou seja, foi reduzido a menos de um terço do maior valor da série.
Considerada como uma das prioridades de todos os governos, a área de Educação tem previsão para receber em 2022 aproximadamente 137 bilhões de reais –valor próximo ao pico da série, que é de 142 bilhões em 2014, atingido após anos consecutivos de crescimento expressivo. Vale ressaltar, no entanto, que o orçamento total da Educação em 2022, superior em 60 bilhões ao aprovado em 2021, apenas reverte o quadro de sucateamento observado desde 2015, aprofundado em 2020 e, particularmente, em 2021. Os dois anos marcam a eclosão e o agravamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, sem resposta à altura do Governo Federal na área.
Se considerarmos as parcelas destinadas ao Investimento, além disso, o quadro é ainda mais desanimador, como mostra o gráfico 5, a seguir. Novamente, observamos um padrão consistente de crescimento da proporção dos investimentos no orçamento total da Educação ao longo do segundo mandato do presidente Lula (2006-2010) e do primeiro mandato de Dilma Rousseff até 2015. Depois desse ano, há queda de 17% para 14% ainda na gestão da presidente. O governo Temer chega a diminuir os investimentos para 10% e no governo Bolsonaro essa parcela é reduzida a 8%.
O gráfico 6 apresenta os investimentos em termos absolutos. Nele, o tamanho da redução fica ainda mais evidente. De um pico de 21 bilhões em 2015, caímos para um valor seis vezes menor em 2022 – 3,5 bilhões.
Considerada uma Unidade Orçamentária (UO) pertencente ao Ministério da Educação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) depende para funcionar dos recursos do ministério. O gráfico 7 apresenta os valores aprovados para o orçamento da CAPES ao longo dos últimos 22 anos. Assim como observado no orçamento total do Ministério da Educação, os recursos destinados à CAPES começam a crescer durante os governos petistas, embora mais expressivamente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Depois de 2015, que corresponde ao pico da série histórica aqui analisada (8,54 bilhões), as receitas da agência entram em ritmo de queda, atingindo a marca de 1,9 bilhões de reais em 2021 –valor mais de 4,5 vezes menor do que o de 2015. Em 2022 o orçamento previsto para a agência subiu para 3,8 bilhões, mas este valor ainda é muito inferior aos mais altos da série.
O gráfico 8 apresenta os valores absolutos de investimento da CAPES nos últimos 22 anos. O destaque aqui é para as duas piores marcas já observadas na série e que acontecem sob o governo do presidente Bolsonaro: a) em 2021 a CAPES não recebeu nenhum recurso para a área de investimento; b) o recurso aprovado para 2022 é o menor valor já destinado para investimentos na Capes nesses 22 anos: parcos 8,11 milhões de reais.
Responsável por toda a área de pesquisa e tecnologia no país, o Ministério da Ciência e da Tecnologia possui orçamento cerca de 10 vezes menor que o Ministério da Educação. O gráfico 9 mostra que a receita aprovada para o órgão não ultrapassou o valor de 19, 4 bilhões de reais – melhor marca alcançada em 2017. O padrão da curva difere do observado nos gráficos do ME, contudo. Nota-se o mesmo crescimento ao longo dos governos do PT, mas ele continua sob Temer, ainda que com enorme variação, decaindo fortemente no governo Bolsonaro, com destaque para o ano pandêmico de 2021. Trata-se de um governo, portanto, que, a despeito da própria pandemia, não investe em ciência e tecnologia.
Além do baixo valor de receitas aprovado para este ministério ao longo dos anos, a parcela de investimentos também é baixa, como mostra o gráfico 10. O pico ocorreu em 2007, durante o governo Lula, com a tímida marca de 4%, e nos anos do governo Bolsonaro regrediu para uma média de 1,5% ao ano.
Ao considerarmos os valores absolutos destinados para investimentos em Ciência e Tecnologia, podemos observar crescimento em boa parte do governo petista, mas um padrão de queda que já começa em 2012 e vem até os dias de hoje. A queda de 2012 para 2021 foi de 3,34 bilhões para 240 milhões, ou seja, um valor quase 14 vezes menor. Para 2022 há um aumento no valor, mas bastante tímido.
O CNPq é a agência que financia a maior parte da pesquisa e desenvolvimento científico no país. Considerado como uma unidade orçamentária (UO) – tal como a CAPES –, o CNPq possui suas receitas vinculadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Como mostra o gráfico 12, diferentemente do padrão identificado em gráficos anteriores, a série temporal começa em patamares relativamente altos, no final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, permanece em patamar mais baixo ao longo dos dois governos Lula e passa por crescimento contínuo sob Dilma para cair estrepitosamente a partir da presidência de Temer. O governo Bolsonaro produziu o valor mais baixo da série em 2021, 540 milhões de reais –que corresponde a valor mais de cinco vezes menor que o pico de 2013, 2,77 bilhões. Em 2022 está previsto um gasto maior, mas que ainda assim será o segundo mais baixo da série.
Com a lupa no orçamento destinado a investimentos no interior do CNPq, observa-se que a quantidade de recursos alocados ao longo dos anos varia muito. De qualquer forma, a tendência geral é de queda no Governo Bolsonaro. Em 2020 a entidade recebeu apenas 9,9 milhões de reais, passando para 11,9 milhões em 2021 e chegando aos 16,67 milhões de reais agora em 2022 – valores bem inferiores à média de 48,72 milhões de reais para o período analisado.
[1] Somente foram considerados os valores aprovados (Dotação Inicial) do Orçamento da União
[2] O índice escolhido foi o IPCA (Índice de Preços do Consumidor), disponibilizado pelo Banco Central na seguinte plataforma: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/indicepreco
[3] https://www.siop.planejamento.gov.br/modulo/login/index.html#/