Ciências Sociais Articuladas – Proposições de interesse nos últimos 20 anos

Postado por OLB em 26/06/21

1. Apresentação

O governo federal desempenha um papel de suma importância na gestação e instituição das políticas de educação, ciência e tecnologia no Brasil. Mantém uma ampla rede própria de ensino, abarcando os níveis médio, técnico e superior, tem agências de fomento à da pesquisa e ao desenvolvimento da ciência e tecnologia nacionais, além de atuar na conformação dos marcos regulatórios das duas áreas no país.

O arcabouço institucional que hoje regula as políticas educacionais foi estabelecido por um conjunto de leis aprovadas em diferentes governos nas últimas décadas. Alguns dos exemplos mais relevantes da legislação educacional são a Lei de Diretrizes da Educação Básica (Lei 9394 de 1996), as leis que instituíram o FUNDEF (Lei 9424 de 1996) e o FUNDEB (Lei 11494 de 2007),  o PROUNI (Lei 11096 de 2005), a Lei de Cotas (Lei 12711 de 2012) e os planos nacionais de educação. Dentre as legislações relevantes para a área de Ciência e Tecnologia, assume destaque o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado em 2016 (Lei 11243 de 2016), que modificou a Lei da Inovação de 2004 (Lei 10.973 de 2004). Sabe-se pouco, no entanto, a respeito do esforço de regulação do Congresso e do Planalto no que toca às áreas durante o governo de Bolsonaro. Em contrapartida, é notório que o atual governo e diversos parlamentares da atual legislatura constroem narrativa em favor do controle político da educação e do descrédito da ciência.

Nesse cenário, entender a evolução nas últimas décadas do comportamento parlamentar e do papel legislativo desempenhado pelo governo nos temas de Educação, Ciência e Tecnologia ganha importância redobrada. Com esse objetivo, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou as proposições legislativas apresentadas junto à Câmara dos Deputados de 1989 até 2021, incluídas aquelas que chegaram do Senado, bem como as matérias de iniciativa do Poder Executivo, de modo a avaliar o peso dos temas da Educação, Ciência e Tecnologia no processo legislativo. Foram considerados os seguintes tipos de proposição: projetos de lei ordinária (PL), projetos de lei complementar (PLC), medidas provisórias (MPV) e propostas de emenda à Constituição (PEC).

Os resultados estão apresentados em duas seções a seguir, uma dedicada à avaliação da evolução do interesse nos temas, medido pelo volume e proporção de iniciativas, e outra à análise do papel desempenhado pelo Executivo nessa agenda.

2. Proposições de Educação, C&T na Câmara: o interesse no tema

Entre 1989 e 03 de maio de 2021, das 71.957 proposições iniciadas na Câmara dos Deputados, 5.222 trataram dos temas Educação, Ciência e Tecnologia (C&T). Foram 4.937 PLs, 78 PLCs, 150 PECs e 57 MPVs. O gráfico 1 mostra o total de proposições com início de tramitação na Câmara em cada ano, destacando aquelas relativas à Educação e C&T.

Gráfico 1.

Embora o total de proposições tenha variado bastante anualmente, alguns pontos devem ser destacados: a) pequena tendência de queda no início da década de 1990, seguida por um aumento a partir da década de 2000; b) picos nos primeiros anos das legislaturas – quando parlamentares dedicam-se mais intensamente a mostrar sua agenda à base eleitoral;  e c) crescimento expressivo do número de matérias apresentadas nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, em parte pelo ímpeto de partidos de direita e centro-direita, conforme observado em relatório anterior.  Por fim, o volume de matérias nos temas de Educação e C&T parece acompanhar a evolução das proposições totais, mas mantém-se praticamente residual ao longo do período. É importante ressalvar que interesse legislativo não se converte necessariamente em eficácia legislativa. Ou seja, o fato de determinada legislatura, partido ou parlamentar apresentar muitas proposições não corresponde necessariamente a sua capacidade efetiva de aprovar as matérias propostas.

No gráfico 2, discriminamos o total de proposições sobre o tema por governo e ano. Em termos absolutos, há aumento consistente no total de proposições sobre os temas ao longo dos últimos governos, incluindo o de Bolsonaro.

Gráfico 2.

Padrão semelhante de crescimento da agenda pode ser observado no gráfico 3, que averigua o percentual de proposições nos temas Educação e C&T sobre o total de proposições com tramitação iniciada na Câmara dos Deputados em cada ano. O interesse nos temas começa a crescer na segunda metade da década de 1990, quando sai de um patamar próximo a 1% do total de proposições iniciadas para percentuais superiores a 7% em quase todos os anos seguintes.

Gráfico 3.

Há três momentos de maior participação na agenda geral legislativa de matérias relativas à Educação, Ciência e Tecnologia: o primeiro no governo Fernando Henrique Cardoso (11,3%), o segundo no governo Lula (11,3%) e o terceiro no governo Bolsonaro (11,2%). Nota-se, entretanto, que, entre os anos de 2003 e 2010, a proporção de proposições classificadas como Educação e C&T manteve-se acima de 9% em todos os anos. Assim, desconsiderados os picos, pode-se dizer que os anos do governo Lula foram aqueles em que o tema esteve presente na agenda legislativa de maneira mais consistente, quando vista a partir da apresentação de proposições na Câmara. Vale ponderar, contudo, que a apresentação de projetos não significa necessariamente um interesse por parte das lideranças e espaços de poder relevante dentro do legislativo, ou seja, que esses números definam a agenda decisória efetiva do plenário e das comissões, por exemplo. Representa, isso sim, o tamanho dos temas em atividade chave nas preferências dos parlamentares e demais proponentes de iniciativas legislativas. Exatamente por essa razão, para desdobrar outros aspectos da agenda decisória e da eficácia legislativa, é que se mostra relevante dedicar alguma atenção às matérias aprovadas.

3. Predominância do Executivo em matérias aprovadas

Nos últimos 20 anos, a grande maioria das proposições com tramitação iniciada na Câmara foi de autoria de deputados(as), conforme observado no gráfico 4.

Gráfico 4.

No entanto, ao distribuirmos os dados por ano (gráfico 5), é possível notar um ligeiro aumento das proposições de autoria do Senado na segunda metade da primeira década dos anos 2000.

Gráfico 5.

Das matérias de Educação e C&T com tramitação iniciada na Câmara no período considerado, apenas 224 (4,2%) foram transformadas em norma jurídica. Esse percentual é de 5,1% para os demais temas. Ou seja, foi um pouco menor a capacidade do Congresso de transformar propostas em lei nos dois temas citados, proporção que, porém, não representa uma diferença estatisticamente significativa. Quando discriminamos por tipo de autor, entretanto, notamos que a maior parte das matérias que se tornaram normas jurídicas são de autoria do Executivo, conforme demonstrado no gráfico abaixo.

Gráfico 6.

A análise, em separado, das proposições de autoria do Executivo (gráfico 7) novamente revela um maior ativismo sobre o tema a partir do início dos anos 2000. Os anos de 2004, 2006 e 2011 são aqueles em que observamos maior número de proposições do Executivo transformadas em norma jurídica. Os dois picos que se seguem ao término dos governos petistas apresentam padrão ligeiramente diferente daquele que caracterizou a primeira década dos anos 2000. Em 2016 e 2020, o sucesso do Executivo em aprovar suas matérias foi consideravelmente menor, ao mesmo tempo em que o número de proposições apresentadas varia consideravelmente ano a ano.

Gráfico 7.

Desse modo, apesar do grande número de proposições sobre os temas Educação e C&T nos dois primeiros anos da atual legislatura, o padrão da legislatura 2019-2022 ainda não é semelhante ao do passado recente, em particular se comparado ao da primeira década dos anos 2000. Em primeiro lugar, porque o interesse da atual legislatura no tema ainda é incipiente e desacompanhado de liderança determinada do Executivo. Em segundo, porque o Executivo mostrou-se até então menos ativo e eficaz na condução de sua agenda sobre os temas. É cedo, no entanto, para avaliar se o ânimo dos novos parlamentares pode ainda resultar em mudanças institucionais de maior importância.

4. Pontos de destaque

  • De 1989 a maio de 2021, há tendência de crescimento do interesse legislativo em matérias relativas aos temas Educação e C&T, especialmente após a segunda metade da década de 1990.
  • A partir do início dos anos 2000, entretanto, observamos um aumento consistente tanto em termos do percentual dessas proposições sobre o total, quanto do ponto de vista do sucesso legislativo do Executivo. Os governos de Lula são marcados por maior capacidade governamental de aprovar matérias relativas aos temas.
  • O desempenho da atual legislatura, em termos de volume de proposições apresentadas, é indício de que os temas Educação e C&T estão na agenda de preferências dos atuais legisladores.
  • Entretanto, a atuação legislativa do governo Bolsonaro nos temas revela a (falta de) atenção para essa agenda no Planalto e a dificuldade de tramitação de uma agenda governamental não diretamente relacionada ou a questões econômicas ou a medidas de enfrentamento à pandemia – casos em que o Executivo tem obtido maior sucesso. Em 2019, o Executivo não conseguiu aprovar qualquer matéria sobre os temas. Isso só aconteceu nos anos de 1993 e 1999, se considerado todo o período aqui analisado. Em 2020, a taxa de sucesso legislativo em Educação e C&T foi de apenas 27% – a menor, se considerados todos os anos da série em que o Executivo teve maior ativismo nos assuntos.
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