Decretos presidenciais e o meio ambiente

Postado por OLB em 19/04/21

Leonardo Martins Barbosa, Pieter Zalis, João Feres Júnior

1. Introdução

A política ambiental conduzida pelo presidente Jair Bolsonaro é atualmente uma das pautas mais controversas de um governo marcado por polêmicas. No primeiro ano de seu mandato houve um aumento expressivo de queimadas nas áreas de fronteira agrícola, o que gerou críticas assertivas de importantes parceiros internacionais do Brasil, como a Noruega e a Alemanha, países financiadores do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia. O principal risco é o de que em pouco tempo se desmonte o arcabouço de políticas ambientais que vinham se consolidando a partir da redemocratização, inclusive com a criação do Ministério do Meio Ambiente, em 1992.

O início da pandemia causou ainda maior temor em organizações, ativistas e especialistas no tema ambiental. Em um vídeo vazado de uma reunião ministerial, em 2020, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, considerou o momento excepcional produzido pela COVID-19 como uma oportunidade para “passar a boiada”, ou seja, para se promover uma série de mudanças administrativas na área, reformulando políticas ambientais sem a anuência do Congresso, quando isso fosse possível. Com a atenção da sociedade voltada para a pandemia, o governo encontraria menor oposição a decretos que alterassem regras de proteção e fiscalização ambiental. Essa declaração de intenções tornou-se ainda mais preocupante em razão de o funcionamento do Congresso ter se tornado remoto, o que compromete parte dos mecanismos institucionais disponíveis à oposição e à sociedade civil organizada para debater temas polêmicos de iniciativa do governo. Com efeito, o avanço dessa agenda no Congresso tem encontrado resistência. Em 2019, a Câmara aprovou uma reforma do código florestal que, entretanto, não passou no Senado.

Dado esse contexto, o objetivo deste boletim é avaliar se de fato há um esforço do Executivo desde o início do governo de Bolsonaro para alterar o arcabouço das políticas ambientais no país. A equipe do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) levantou e analisou dados sobre decretos presidenciais desde 1989. Para distinguirmos os decretos sobre meio ambiente, selecionamos aqueles que foram indexados com um conjunto de palavras-chave referentes ao tema. É importante esclarecer que incluímos também termos relativos à questão fundiária e à mineração, pois comportam atividades de grande impacto sobre o meio ambiente[1].

Embora não tenha havido um crescimento na quantidade de decretos ambientais especificamente no início da pandemia, descobrimos que há uma tendência expressiva nesse sentido desde 2016. Na primeira seção, apresentamos a evolução dos decretos presidenciais ao longo das últimas décadas. Na segunda, examinamos o recorte temporal específico ao governo Bolsonaro e à pandemia. Por fim, analisamos os decretos ambientais de 2016 em diante, a partir de uma classificação temática realizada pela equipe do OLB.

2. Decretos presidenciais e o meio ambiente

Desde a promulgação da Constituição de 1988, os decretos presidenciais perderam poder de lei e assumiram caráter apenas administrativo. Entretanto, eles ainda reservam ao presidente considerável poder de gestão sobre o sistema de proteção no Brasil, mesmo sem promover mudanças nos marcos legais. Ou seja, trata-se de um instrumento importante do poder Executivo para promover políticas sem a necessidade da anuência do Congresso Nacional.

O gráfico 1 mostra a evolução da quantidade total de decretos presidenciais desde 1989, ou seja, sem discernir aqueles pertinentes ao tema meio ambiente. Como se pode observar, a queda é abrupta nos primeiros anos depois da redemocratização.

Gráfico 1. Decretos presidenciais por ano

Temos portanto a mudança de um padrão no qual o executivo governava, por meio de decretos, com grande autonomia em relação ao Congresso, para um padrão próprio da democracia, no qual parte expressiva da decisão sobre políticas públicas é transferida para as casas legislativas, com decorrente queda vertiginosa do número de decretos executivos. Passados os anos iniciais, houve alguns momentos de pico na quantidade total de decretos, como nos anos de 1998 e 2002. Depois disso, há uma queda mais ou menos constante, particularmente expressiva a partir de 2010, mas que é revertida a partir de 2016, ano de deposição de Dilma Rousseff, e atinge um pico no governo de Jair Bolsonaro.

Gráfico 2. Decretos presidenciais por mandato

Destacamos em seguida apenas os decretos relativos ao meio ambiente. Sua evolução desde 1989 está apresentada no gráfico 3, abaixo:

Gráfico 3. Decretos presidenciais sobre o meio ambiente

O início do período apresenta um padrão semelhante ao observado na quantidade total de decretos presidenciais, com uma queda abrupta no início da década de 1990. Apenas recentemente verificamos um novo aumento expressivo. A partir de 2017, a quantidade de decretos relativos ao meio ambiente aumenta e mantém-se em patamar mais elevado do que nos anos anteriores. Ou seja, houve aumento no governo Michel Temer e manutenção de patamar relativamente elevado no mandato de Bolsonaro.

O gráfico 4 nos ajuda a observar essa evolução nos últimos anos. Nele mostramos a proporção de decretos presidenciais no tema meio ambiente sobre o total de decretos presidenciais. Constatamos com isso que a partir do governo Temer, não apenas há um incremento absoluto na quantidade de decretos sobre o tema, mas também relativo.

Gráfico 4. Percentual dos decretos ambientais

Em outras palavras, os decretos sobre meio ambiente crescem proporcionalmente mais do que o aumento geral de decretos presidenciais, mesmo se incluirmos o governo Bolsonaro, ao longo do qual o aumento no total de decretos foi mais expressivo. Entre 1992, a proporção de decretos ambientais sobre o total de decretos presidenciais foi em média de 2.4%. Entre 2017 e 2020, foi de 4.5%. Isso sinaliza o aumento da importância do meio ambiente na agenda desses presidentes.

3. Governo bolsonaro e a pandemia

Analisamos também especificamente o recorte temporal do mandato de Bolsonaro, de modo a averiguar se a pandemia levou o governo a aumentar a quantidade de decretos ambientais. O gráfico 5 apresenta o total de decretos presidenciais, divididos entre aqueles emitidos antes e depois do início da pandemia, e o gráfico 6, aqueles referentes ao meio ambiente. Verificamos assim que, na verdade, houve uma redução no total de decretos presidenciais em ambos os casos.

É importante ponderar que isso não significa necessariamente a inexistência de decretos de maior impacto para as políticas de meio ambiente publicadas nesse período, ou que mudanças não tenham sido feitas por meio de portarias e resoluções ministeriais.

Gráfico 5. Decretos antes e durante a pandemia

Gráfico 6. Decretos sobre o meio ambiente antes e durante a pandemia

O menor ativismo durante a pandemia fica mais claro no gráfico 7, no qual desagregamos o atual mandato por trimestre. O período em que o governo Bolsonaro publicou o maior número de decretos presidenciais sobre meio ambiente estendeu-se do terceiro semestre de 2019 até o primeiro trimestre de 2020:

Gráfico 7. Evolução por trimestre dos decretos ambientais no governo Bolsonaro

4. Os decretos desde 2016

Para entender melhor os interesses do governo na área ambiental, os decretos presidenciais de Temer e de Bolsonaro referentes ao meio ambiente foram classificados em subtemas pela equipe do OLB. Temos um total de 28 decretos no governo de Michel Temer (maio de 2016 a 2018) e 39 no de Bolsonaro (até o fim de 2020). O gráfico 8 mostra a distribuição dos decretos por tema.

Gráfico 8. Temas dos decretos ambientais

No governo de Michel Temer, o tema de destaque é a questão fundiária, o que envolve principalmente decretos sobre reforma agrária, quilombolas ou regulação fundiária. Em segundo lugar, temos a regulação de áreas específicas de reserva ambiental ou indígena. No caso de Jair Bolsonaro, os temas de destaque são referentes à administração pública, e economia e desenvolvimento. O primeiro envolve questões administrativas (criação de comitês, comissões, agências, etc.), enquanto o segundo trata de ações de incentivo e fomento a atividades econômicas. Aqui, temos principalmente temas relativos à atividade agropecuária e de extração mineral.

Cabe notar que o terceiro maior tema se refere à gestão militar da Amazônia, instituída pelo governo em 2019 como resposta às críticas domésticas e internacionais ao aumento das queimadas na região. Dos 28 decretos ambientais de Temer, apenas 4 diziam respeito diretamente à Amazônia Legal. Dos 39 de Bolsonaro, mais de um quarto – 10 decretos – são dessa natureza.

5. Conclusões

A análise dos decretos presidenciais que versam sobre o meio ambiente nos mostra um quadro um pouco distinto do imaginado pela retórica do ministro do meio ambiente, mas esperado, dadas as condições calamitosas instauradas pela pandemia. Com efeito, há um aumento significativo desses decretos, mas o aumento não se dá no governo Bolsonaro: ele é iniciado antes, a partir de 2016, ano da deposição de Dilma Rousseff. Desde então, os decretos presidenciais sobre o tema têm se mantido em patamar relativamente alto.

Ainda assim, o governo Bolsonaro destaca-se em relação ao de Temer pelo teor dos decretos que assina, principalmente voltados para o estímulo de atividades econômicas em áreas sensíveis, importantes na agenda ambiental da sociedade civil, e pela militarização da gestão da Amazônia Legal.

[1] Os termos foram: meio ambiente, ministério do meio ambiente, propriedade rural, área de proteção ambiental, mineração, desmatamento, terras indígenas, reserva indígena, assentamento rural, impacto ambiental, conselho nacional de meio ambiente, cadastro ambiental rural, propriedade rural, ibama, recursos ambientais, fundo nacional do meio ambiente, sisnama, crime contra o meio ambiente, licença ambiental e ministério do meio ambiente.

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