Ensino superior, Ciência e Tecnologia na Câmara dos Deputados: uma agenda negra e feminina

Postado por OLB em 27/05/20

por Júlio Canello e Leonardo Martins Barbosa

O que as deputadas e deputados federais brasileiros têm feito no que toca à tramitação de projetos legislativos nas áreas de ensino superior, ciência e tecnologia? No momento em que a crise aguda na área da saúde e da gestão pública causada pela pandemia do COVID-19 reafirma a importância do investimento em ciência e tecnologia, é de suma importância entender o comportamento da Câmara em relação a tais assuntos. Com esse fim, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou as atividades dos parlamentares na tramitação de proposições pertinentes aos temas, durante a legislatura de 2015-2018. O resultado é mais um ranking temático dos parlamentares. Entre os projetos mais importantes analisados estão os referentes à criação de novas universidades federais, aquele que instituiu o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e o da reforma do FIES. Avaliamos como ações positivas as que favoreceram maior investimento público no setor, institucionalização de mecanismos regulatórios e desburocratização da agenda científica. A definição dos critérios e as análises realizadas foram acompanhadas pela Associação Brasileira de Ciência Política, em uma colaboração diante dos desafios atuais para o Ensino Superior e a Ciência e Tecnologia do país.

algoritmo usado pelo OLB baseia-se na computação de um conjunto de atividades legislativas (pareceres, emendas, discursos e votos), a partir da qual produzimos um indicador que expressa tanto o engajamento de cada deputado e deputada no processo legislativo, quanto a valência de sua atuação – ou seja, ela é favorável ou contrária nos temas analisados. Esse indicador é então reescalonado na forma de uma nota que varia de -10 a +10. Quanto mais ele participar de forma ativa na tramitação das proposições, mais próxima será sua nota dos dois extremos, 10 (em caso de atuação favorável) ou -10 (em caso de atuação desfavorável). Em outras palavras, 10 indica um comportamento engajado e favorável ao tema e -10, um comportamento engajado e desfavorável ao tema. Os resultados próximos de 0 indicam um baixo engajamento nos projetos relacionados à temática). Com base nessas notas, o OLB organiza os parlamentares em um ranking que ajuda a mapear a Câmara dos Deputados.

Comportamento geral

O primeiro ponto a ser destacado é um comportamento predominamente desfavorável às agendas do tema na Câmara dos Deputados, com nota média de -3.14 e mediana de -5.29. Ou seja, metade dos congressistas têm nota entre -5.29 e -10. Essa situação bastante desfavorável pode ser melhor observada no gráfico abaixo, em que podemos ver a distribuição de notas entre todos e todas as analisadas. A reta vertical indica a nota mediana.

Gráfico 1. Distribuição das notas.

Apesar disso, podemos observar que a Câmara se distribuiu de forma bimodal: aqueles que se engajaram, o fizeram de modo a se distribuir em dois grupos de comportamento distinto em relação ao tema educação superior, ciência e tecnologia. Um grupo majoritário de comportamento desfavorável, e outro, minoritário de comportamento favorável.

Comportamento partidário

O comportamento negativo da maior parte da Câmara se reflete na nota partidária. Em geral, parlamentares de partidos considerados de esquerda apresentaram um comportamento mais favorável ao tema. É o caso das cinco únicas legendas que apresentaram média positiva de notas, com destaque para o PCdoB, dono da melhor média na Câmara (3,21), seguido respectivamente por PT, Rede, PSOL e PDT. Os demais partidos apresentaram médias negativas. A nota média positiva dessas legendas decorre, em larga medida, do engajamento de seus parlamentares em discursos na Câmara. No total, o PT foi o partido cujos parlamentares mais proferiram discursos favoráveis ao tema, valendo-se do fato de ter a maior bancada no Congresso na legislatura passada, ao passo que os parlamentares de PSOL, Rede e PCdoB apresentaram as melhores contagens per capita nessa atividade legislativa.

Tabela. Notas médias por partido.

Partido Parlamentares (N) Média
PCdoB 12 3.21
PT 53 2.65
REDE 2 2.64
PSOL 6 2.14
PDT 17 1.73
PV 3 -0.80
PSB 22 -0.99
PATRIOTA 1 -1.15
PODE 9 -1.81
PHS 2 -2.41
PSC 9 -2.57
PATRI 4 -2.61
SOLIDARIEDADE 8 -3.13
PPS 5 -3.95
AVANTE 5 -3.96
CIDADANIA 4 -4.01
PTB 13 -4.10
PRB 6 -4.54
PROS 10 -4.63
REPUBLICANOS 9 -4.91
PR 16 -4.96
PSDB 38 -4.99
PL 12 -5.00
DEM 33 -5.27
PP 47 -5.43
MDB 42 -5.72
PSD 31 -5.85
PSL 9 -6.59

Entre os partidos que compõem o assim denominado “Centrão”, o comportamento parlamentar médio foi desfavorável ao tema. Há, entretanto, uma variação significativa. Em muitas legendas, parlamentares atuaram de forma destoante da média. Assim, apesar do comportamento médio desfavorável das legendas, não há indícios de exercício de disciplina partidária nesse resultado, o que sugere a possibilidade de ampliação do diálogo sobre o tema com congressistas de diferentes legendas. Parlamentares de algumas agremiações destacaram-se pelos seus discursos contrários ao tema. DEM e PSDB são líderes nesse quesito. Já quando olhamos para os discursos per capita, PPS/Cidadania, PV e PTB são os partidos dos parlamentares que mais se destacaram.

Destaque para mulheres, negros e menos escolarizados

A associação mais forte encontrada nos resultados revela viés de raça e gênero no tema. Negros e mulheres apresentaram um engajamento em média superior a não-negros e homens, respectivamente. Vejamos a distribuição das notas relativamente à dimensão racial.

Gráfico 2. Notas por cor declarada.

Os resultados também apontam que parlamentares de escolaridade mais baixa também apresentaram desempenho mais favorável à agenda de ensino superior, ciência e tecnologia. Porém, é importante notar que na legislatura passada apenas 13 parlamentares tinham escolaridade restrita ao fundamental completo ou incompleto, o que não permite afirmações mais conclusivas.

Gráfico 3. Notas por grau de instrução.

No caso da distinção por sexo, pode-se observar que as deputadas apresentam uma distribuição dispersa pelo ranking, ao passo que os homens estão sobre-representados nas notas negativas.

Gráfico 4. Notas por sexo.

Além disso, à exceção de MDB e PL, em todos os partidos as deputadas tiveram atuação mais favorável ao tema do que os homens, os quais tiveram notas médias relativamente mais desfavoráveis do que as mulheres.

Gráfico 5. Notas médias por partido e diferenças de sexo.

Assim, apesar das notas majoritariamente desfavoráveis ao tema de ensino superior, ciência e tecnologia entre os parlamentares, há grupos específicos com atuação destacada. O fato de esses grupos constituírem minorias sociais no país é indicativo de que a agenda do ensino superior se confunde com a da democratização da educação. Por isso, é importante levar em conta a configuração da Câmara, oriunda majoritariamente dos estratos privilegiados da sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, pode haver outros pontos de contato entre esses grupos e o tema, o que sugere um potencial de ampliação do espaço de diálogo e mesmo da defesa dessa agenda, tais como: a relevância das universidades para os estados dos parlamentares, a importância das universidades e da ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país, o impacto do acesso à universidade nas condições sociais e oportunidades de indivíduos de baixa renda e suas famílias.

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