Mudanças Climáticas: o que diz o ranking de comportamento parlamentar

Postado por OLB em 26/09/21

Júlio Canello, Leonardo Martins Barbosa

1. Apresentação

O atual governo brasileiro tem sido apontado como responsável pela adoção de políticas contrárias à proteção ambiental e, por consequência, à prevenção e mitigação das mudanças climáticas. O cenário é ainda pior tendo em vista a posição estratégica ocupada pelo Brasil nessa agenda, particularmente devido à centralidade da preservação da floresta amazônica. O retrocesso verificado no âmbito do poder executivo confere papel central ao Congresso e, portanto, à atividade de incidência parlamentar – tarefa desafiadora diante de uma legislatura conservadora e afeita às pautas retrógradas do bolsonarismo.

Em 2019, a Câmara dos Deputados aprovou uma revisão do código florestal, que felizmente não avançou no Senado Federal. É provável que não seja igual o destino de outras proposições tão ou mais danosas à pauta ambiental, como é o caso do PL da grilagem e o PL do licenciamento ambiental, duas matérias também já aprovadas na Câmara e que aguardam apreciação na Casa Alta. Para o bem ou para o mal, o Congresso ocupa lugar central no debate ambiental do país. Conhecer melhor o comportamento parlamentar nessa agenda é tarefa urgente para o movimento ambientalista, tendo em vista não apenas o desafio da incidência parlamentar, mas também as eleições de 2022.

Com isso em mente, a equipe do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), em parceria com a organização Política por Inteiro, elaborou um ranking de comportamento parlamentar no tema mudanças climáticas, para a atual legislatura da Câmara dos Deputados. O ranking é baseado em um indicador de engajamento parlamentar, ou seja, mede tanto a valência do comportamento – se é favorável ou desfavorável à causa ambientalista – quanto a intensidade do engajamento – ou seja, o quanto um/a parlamentar efetivamente se envolve em atividades legislativas em proposições sobre o tema. Quanto mais próxima de 10 a nota do(a) parlamentar, mais ele(a) atua favoravelmente ao tema. Quanto mais próxima de -10, mais ele(a) atua de forma desfavorável.

Na primeira seção, apresentamos os resultados gerais do ranking. Na segunda, cruzamos os resultados com o comportamento partidário. Na terceira, localizamos as bases eleitorais dos parlamentares em melhores e piores colocações. Na quarta, analisamos a composição da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) e de outras frentes parlamentares a partir das notas do ranking.

2. Resultados gerais

A maior parte dos parlamentares apresentou uma nota negativa no tema das mudanças climáticas, como indica o gráfico abaixo. A nota média é de -1.39 e a mediana da Câmara é de -2.97 (indicada pela linha vertical tracejada). A distribuição revela que, se arredondamos as notas, os valores de maiores frequências são -4, -3 e 4. Isso sugere a existência de um grupo com atuação positiva e, outro, mais numeroso, com atuação negativa.

Gráfico 1. Distribuição dos parlamentares por nota

Sexo e raça pouco distinguem as notas dos parlamentares de maneira muito expressiva. As figuras abaixo mostram a distribuição dos valores para estas variáveis e revelam poucas diferenças nas curvas. Ainda que parlamentares não brancos apareçam em maior quantidade com notas mais altas quando comparados aos/às demais, o número de deputados(as) com valores negativos no ranking é bastante expressivo mesmo nesses grupos. Quanto ao sexo, embora a predominância no lado negativo da escala seja comum, parlamentares homens estão mais claramente concentrados nessa região. Já parlamentares mulheres se distribuem mais uniformemente ao longo do lado positivo da escala, sendo que obtêm notas superiores a 5 com maior probabilidade do que homens.

Gráfico 2. Distribuição das notas por raça

Gráfico 3. Distribuição das notas de acordo com o sexo

3. Divisão partidária

A variável que se mostrou mais significativa foi indubitavelmente a partidária. Pertencer a determinado partido explica 70% do comportamento parlamentar analisado na Câmara na temática Mudanças Climáticas. Em outras palavras, identificar o partido de determinado/a parlamentar é a melhor forma de se prever seu comportamento sobre o tema.

Gráfico 4. Distribuição das notas partidárias

O gráfico 4 mostra a distribuição dos parlamentares de acordo com legenda partidária e nota. Na figura, cada ponto mostra a nota de um parlamentar, enquanto as áreas em verde indicam a distribuição de notas para cada legenda. Os partidos com desempenho mais favorável ao tema são PSOL, Rede, PCdoB, PT e PV. Embora PSB e PDT apresentem médias também positivas, há maior dispersão, com alguns nessas bancadas, apresentando notas próximas a zero ou mesmo negativas. A situação contrasta, por exemplo, com aquela de parlamentares petistas, que aparentam grande coesão no tema. Os partidos com piores notas, por sua vez, são o Novo, o Solidariedade, o PL e o Republicanos. Podemos destacar ainda o PP, cujos parlamentares, como os do PSL, parecem ter um comportamento bastante coeso sobre o tema.

Não obstante, há parlamentares cuja atuação se desvia de maneira significativa do que seria de se esperar, considerada sua filiação partidária. É o caso, por exemplo, de Benes Leocádio (Republicanos-RN), Isnaldo Bulhões (MDB-AL), Eduardo Braide (Pode-MA), Bia Kicis (PSL-DF) e Rodrigo Agostinho (PSB-SP), com notas melhores do que as esperadas em função de seus partidos. Inversamente, Rosana Valle (PSB-SP), Silvia Cristina (PDT-RO), Paulo Bengtson (PTB-PA) e Rodrigo Coelho (PSB-SC) tiveram desempenho pior do que o esperado em função do comportamento do seu partido.

Gráfico 5. Distribuição de notas por campo político

O padrão de distribuição de notas mostra uma divisão clara entre partidos de esquerda, que tendem a apresentar uma atuação mais favorável à pauta ambiental, e partidos de centro-direita, em geral contrários à mesma. Com a divisão adotada são 402 deputados(as) de direita e 137 de centro-esquerda, sendo a média de notas, respectivamente, -3.17 e 3.84.

4. Fronteira agrícola: região estratégica

Ao analisarmos a distribuição das notas por estados, não vemos em nenhum deles uma concentração especial de parlamentares com atuação favorável ou desfavorável. Mesmo quando separamos parlamentares por região do país, ou quando distinguimos aquelas eleitas por estados da Amazônia Legal dos demais, não há diferença sistemática. No entanto, quando olhamos para as “pontas” do ranking, ou seja, quando selecionamos apenas os 30 parlamentares de atuação mais positiva e os 30 de atuação mais negativa, verificamos uma distribuição desigual do apoio eleitoral.

O mapa 1 apresenta as bases eleitorais dos 30 parlamentares mais bem posicionados no ranking. O destaque vai para uma região de concentração de votos no norte de Minas e outros estados do Nordeste. Há, ainda, apoio menor e mais disperso em parte da região Norte. O destaque, contudo, vai para a dispersão da votação desses congressistas.

Mapa 1. Bases eleitorais dos 30 parlamentares mais favoráveis

No mapa 2, em que apresentamos a distribuição do apoio eleitoral aos 30 parlamentares com piores notas no ranking, é possível observar um padrão geográfico importante: há uma concentração do apoio eleitoral a esses parlamentares em regiões de maior força do agronegócio e, especialmente, da fronteira agrícola da Amazônia Legal. Assim, observamos concentração de apoio principalmente no estado do Mato Grosso, no norte do Pará, e, em menor grau, nos estados de Rondônia e Roraima. Também o estado de Goiás, região mais antiga de expansão da fronteira agrícola no cerrado, apresenta focos importantes de apoio eleitoral a esses parlamentares.

Mapa 2. Bases eleitorais dos 30 parlamentares mais contrários

5. Comissões permanentes e frentes parlamentares relevantes

As notas do ranking também foram usadas para avaliar como parlamentares de diferentes comissões e frentes parlamentares da Câmara dos Deputados encontram-se engajadas positiva ou negativamente em relação ao tema. Como se sabe, as comissões permanentes exercem papel estratégico no processo legislativo, uma vez que nelas as proposições pertinentes à cada área temática recebem parecer, em geral após um ciclo de audiências e discussões envolvendo não apenas a assessoria da casa, mas também setores interessados da sociedade civil. Embora haja a possibilidade de uma proposição ser enviada diretamente ao plenário, as comissões podem ter papel decisivo para acelerar, postergar ou modificar as proposições legislativas. Em alguns casos, podem até decidir terminativamente pela aprovação de um projeto.

A tabela 1 contém estatísticas básicas do plenário da Câmara e de algumas das comissões mais ligadas ao tema do meio ambiente e das mudanças climáticas, considerando apenas seus titulares. Com esse enfoque temático, examinandos a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS), a Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), a Comissão de Integração Nacional e Desenvolvimento da Região Amazônica (CINDRA) e a Comissão de Minas e Energia (CME). Analisamos também a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), de importância central para o desenvolvimento dos trabalhos legislativos.

Tabela 1. Estatísticas descritivas de comissões

Comissão

Nº de Parlamentares

Nº com notas +

Média

Mediana

Desvio Padrão

Plenário

540

156 (29%)

-1,39

-2,97

3,75

CMADS

18

7 (39%)

-1,5

-3,6

5,7

CCJC

66

19 (29%)

-1,3

-3,2

3,7

CAPADR

46

8 (17%)

-2,5

-3,5

3,8

CINDRA

17

7 (41%)

-0,7

-2,7

4,7

CME

40

9 (22%)

-2,0

-3,2

3,7

As notas médias das comissões são muito próximas daquela do plenário, ou seja, contabilizando todos os parlamentares presentes no ranking. Apenas na CINDRA a nota média é melhor do que a de plenário. O parlamentar mediano é aquele localizado precisamente no meio de uma determinada distribuição de notas. Ou seja, para se formar uma maioria absoluta (50% + 1) em determinado grupo de parlamentares, o mediano deverá estar incluído. Nas comissões em que a nota mediana é pior do que a do plenário, é mais fácil que se formem maiorias parlamentares contrárias ao tema das mudanças climáticas. É o caso de todas as comissões, exceto a CINDRA.

A distribuição das notas por comissão também varia bastante. Na CCJC, comissão mais importante da Câmara com um número muito alto de parlamentares, 66, a distribuição fica muito próxima à do plenário, como podemos vislumbrar no gráfico 6.

Gráfico 6. Distribuição das notas CCJC e Plenário

Já na Comissão de Agricultura, em que pese o também alto número de membros, 46, há um enviesamento negativo da distribuição das notas. Ou seja, a comissão se mostra um destino prioritário para atores engajados negativamente na agenda de mudanças climáticas, conforme se pode notar no gráfico 7.

Gráfico 7. Distribuição das notas CAPDR e Plenário

É curioso notar, entretanto, que o inverso não ocorre quando destacamos a Comissão de Meio Ambiente. No gráfico 8, vemos que a comissão é, na verdade, formada especialmente por parlamentares pouco engajados em proposições que dizem respeito às mudanças climáticas, sejam eles contrários ou favoráveis à agenda. O número pequeno de parlamentares, quando comparado às principais comissões, é indicativo de que a CMADS não é considerada estratégica pelas principais lideranças da Câmara, sendo relegada a um segundo plano. O resultado é indicativo também de que o tema do meio ambiente sofre competição de outras pautas na agenda progressista, não sendo, portanto, sempre objeto de atenção prioritárias das lideranças, mesmo nesse campo, mesmo levando em conta que os partidos de esquerda obtém notas médias bem mais favoráveis que os de direita, como mostramos anteriormente.

Gráfico 8. Distribuição das notas CMADS e Plenário

Realizamos exercício semelhante considerando as distribuições de notas nas frentes parlamentares pertinentes ao tema. A tabela 2 apresenta esses resultados, acrescidos, novamente, daqueles referentes ao plenário.

Tabela 2. Estatísticas de frentes parlamentares

Frente Parlamentar

Nº de deputados

Nº com notas +

Média

Mediana

Desvio Padrão

Plenário

540

156 (29%)

-1.39

-2.97

3.75

Ambientalista

269

108 (40%)

-0.4

-2.2

4.1

em Defesa da Amazônia

216

40 (18%)

-2.4

-3.4

3.3

Mista da Energia Limpa e Sustentável

211

39 (18%)

-2.4

-3.4

3.3

da Agropecuária

260

41 (16%)

-2.5

-3.3

2.9

em Defesa da Amazônia e do seu Povo

44

17 (38%)

-0.3

-1.5

3.2

Mista em Defesa da Energia Alternativa

127

45 (35%)

-0.7

-2.5

3.4

da Energia Renovável

111

37 (33%)

-0.9

-2.5

3.4

Mista da Agropecuária

100

12 (12%)

-2.3

-3.1

2.3

Das oito frentes investigadas, apenas quatro apresentaram notas médias melhores relativamente das do plenário, mas ainda assim negativas: a Frente Parlamentar Ambientalista, em defesa da Amazônia e de seu Povo, a Mista em Defesa da Energia Alternativa, e, por fim, a da Energia Renovável. Isso é um indicativo de que as frentes disputam a agenda, mas não têm sido responsáveis por promover avanços no combate às mudanças climáticas.

Conclusão

Os resultados do ranking mostram uma Câmara dos Deputados fundamentalmente avessa à agenda das mudanças climáticas e um leque de desafios a serem enfrentados pelos movimentos e organizações ligados ao tema, dos quais listamos dois prioritários. Em primeiro lugar, embora haja importantes lideranças engajadas no tema, ele é muitas vezes dividido com outras agendas do campo progressista. Ainda faltam na Câmara lideranças que considerem o tema das mudanças climáticas sua agenda prioritária. Em segundo lugar, verificamos uma concentração de parlamentares favoráveis ao tema em partidos de esquerda. É importante que o tema seja também debatido e ampliado para além de um grupo que é hoje minoritário.

Apesar de serem possíveis alguns esforços para mudar esse cenário já na atual legislatura, é importante se ter em mente que o período eleitoral constitui momento estratégico de ação política. Nesse sentido, é interessante notar que os parlamentares mais engajados negativamente no tema têm uma forte base eleitoral na fronteira agrícola da Amazônia Legal, principalmente no Pará e no Mato Grosso, acrescidos ainda do estado de Goiás. É importante que sejam direcionados esforços em municípios chaves dessa região, para politizar mais o tema no debate público e promover novas lideranças que ofereçam competição alternativas políticas mais alinhadas à agenda de combate às mudanças climáticas.

Metodologia

Para a elaboração do ranking das Mudanças Climáticas foram analisadas 22 proposições que tratam sobre o tema e tiveram ao menos uma atividade legislativa durante a legislatura de 2019-2021. Essa amostra de projetos compreendeu um total de 22 pareceres, 236 emendas, 884 discursos e 24.250 votos. As proposições foram selecionadas em conjunto com a Rede de Advocacy Colaborativo, por intermédio da parceria com a organização Política por Inteiro. No total, o Ranking atribui notas para 540 parlamentares.

Para complementar a análise, extraímos e processamos dados do Portal de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e do Repositório de Dados do Tribunal Superior Eleitoral, que foram posteriormente pareados por meio dos números de CPF dos e das parlamentares. Por conta dessa origem, é importante notar que os dados de classificação de cor/raça utilizados nas análises, bem como de escolaridade, foram auto-reportados pelos e pelas parlamentares. Para calcular as estatísticas descritivas que reportamos nos gráficos, utilizamos o ambiente de programação estatístico R.

Alguns dos gráficos que reportamos no texto exibem funções de densidade, isto é, a probabilidade de que um ou uma parlamentar tenha dado score; valores mais altos indicam que há mais parlamentares com determinado score, e vice-versa.

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