Postado por OLB em 21/10/22
Joyce Luz, Maiane Bittencourt, Júlio Canello e João Feres Júnior
A atual legislatura está chegando ao fim. Há 2 meses do encerramento do atual governo do Presidente Jair Bolsonaro (PL) já é possível afirmar que a “quebra da ordem da velha política” – promessa realizada ainda nas campanhas de 2018 – durou pouco. A partir de 2020, Bolsonaro se rendeu à formação de uma coalizão de governo e distribuiu cargos ministeriais e recursos aos partidos e parlamentares que hoje compõem o chamado “Centrão”, inclusive por meio do famoso “orçamento secreto”, permitindo ao executivo negociar a destinação de emendas parlamentares, cujo custeio sai diretamente dos cofres da União, sem que haja transparência acerca da destinação do dinheiro. Esse recurso visa manter sua governabilidade para minimizar custos da sua imagem na opinião pública.
Para efeitos de identificação, estamos aqui considerando o Centrão como um conjunto de partidos e parlamentares que habitam a direita do campo político, mas com fraca consistência ideológica, cuja atuação parlamentar e política é marcada por práticas de fisiologismo. Hoje, podemos classificar neste grupo as seguintes agremiações: PP, PL, Podemos, PROS, PSD, PTB, Republicanos, Solidariedade, Avante e Patriota.
Nesta legislatura, como mostramos em outros trabalhos do Observatório do Legislativo (OLB), o Centrão votou a favor das propostas do Poder Executivo em mais de 88% das vezes, sendo decisivo para a aprovação de pautas importantes de sua agenda, a exemplo da Reforma da Previdência, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que afetou o pagamento de precatórios, principal fonte do recurso que possibilitaria, mais tarde, a aprovação do Auxílio Brasil no valor de 400 reais, bem como a privatização da Eletrobrás, um dos carros-chefes da pauta econômica da campanha eleitoral de Bolsonaro.
Se na legislatura que se encerra esse grupo de partidos contava com 258 deputados(as) federais, na nova legislatura, eleita no dia 2 de outubro, esse número sobe para 260, ou seja, no agregado da contagem dos eleitos o grupo mostrou enorme estabilidade para assumir 2023. Isso nos permite antever que o futuro presidente do Brasil, seja ele novamente Jair Bolsonaro (PL) ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT), precisará, necessariamente, negociar a governabilidade com os partidos e parlamentares do Centrão.
Mas será que o Centrão da nova legislatura é igual à sua versão anterior? Quais são suas características? Buscando responder a essas questões, o OLB analisou aspectos importantes da futura composição da Câmara dos Deputados. Procuramos olhar para além da algaravia de opiniões acerca dos resultados eleitorais produzida no curto período transcorrido desde o pleito, baseando-nos nos dados eleitorais disponíveis e nos dados que o OLB compilou durante a gestão de Jair Bolsonaro.
A maior bancada eleita para a Câmara dos Deputados de 2023 foi a do Partido Liberal (PL), legenda do atual presidente. Com 99 cadeiras, o PL alcançou 30% a mais de cadeiras do que tem na atual legislatura. Foi o partido que mais cresceu na Câmara. A segunda maior bancada será do Partido dos Trabalhadores (PT), situado no lado oposto do espectro ideológico, que também cresceu, alcançando 68 cadeiras. Não é surpresa que os partidos dos principais candidatos à presidência tenham obtido as maiores bancadas, resultado recorrente que representa um pouco da influência das campanhas majoritárias sobre os votos recebidos pelos candidatos às câmaras legislativas.
Por outro lado, partidos mais antigos e tradicionais do ponto de vista histórico, tiveram perdas importantes. Esse é o caso do PSDB, cuja bancada perdeu 9 membros, diminuindo para 13 parlamentares, e do PSB, que perdeu 10 cadeiras. Apesar de ser ainda a 4º maior bancada partidária em 2023, o PP ficará com 11 cadeiras a menos na próxima legislatura
Das 32 siglas que lançaram candidatos para a Câmara dos Deputados, somente 23 elegeram representantes. Partidos como AGIR, Democratas, PCB, PCO, PMB, PMN, PRTB, PSTU e UP não conseguiram passar pelas novas regras eleitorais para eleger seus respectivos candidatos. Em 2018, dos 35 partidos que disputaram, 30 alcançaram lograram eleger pelo menos um candidato.
Apenas a quantidade de partidos com alguma representação no legislativo não permite avaliar a importância relativa de cada um deles, seu tamanho e sua força. Um indicador recorrente na Ciência Política para captar esses fatores e comparar diferentes cenários e sistemas partidários é o Número Efetivo de Partidos (NEP). Seu cálculo também considera o tamanho de cada bancada, resultando em um valor que representa a quantidade de partidos com alguma relevância quantitativa no legislativo, embora não considerado o posicionamento deles no espectro político. De modo geral, quanto menor o NEP, menos partidos são necessários para se formar uma maioria e o custo político para obter uma base de apoio tende a ser menor, e vice-versa. Na troca de legislaturas que vamos experimentar, o NEP passará de atuais 11,87 para 9,27. O número efetivo de partidos parlamentares resultante das urnas em 2018 havia alcançado o recorde de 16,46. Não apenas o pleito deste ano teve efeito sobre a queda do indicador, mas também a reforma eleitoral promovida nesta legislatura e a movimentação do próprio presidente, com reflexos em fusões partidárias (União Brasil, por exemplo) e no ingresso de vários parlamentares no PL. Em termos práticos, isso significa que para conseguir construir maiorias no interior da arena legislativa, o futuro Presidente da República ou os próprios parlamentares precisarão recorrer ao apoio de aproximadamente 10 partidos e não de 17, como era o caso em 2019, no início da atual legislatura.
Desde de 2020 os parlamentares e forças partidárias do Centrão foram importantes aliados do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) no interior do Legislativo. Para 2023, o grupo continuará a ser importante agente na Câmara dos Deputados, mas qual será sua nova composição?
O número de deputados eleitos pelos partidos que compõem esse agrupamento parlamentar totalizou 260, um crescimento de apenas 2 cadeiras em relação ao número agregado atual dos quadros desses partidos na casa. Esse número é 3 unidades acima do necessário para se formar uma maioria absoluta na Câmara e, assim, aprovar projetos de lei que exigem esse quórum. Já em termos do número necessário de parlamentares para a aprovação das Propostas de Emenda à Constituição (PEC), 308, o Centrão ainda precisaria de 48 votos parlamentares para atingi-lo.
Como esperado, o PL continuará a liderar o grupo com a maior quantidade de Deputados Federais eleitos, seguido por PP, PSD e REPUBLICANOS. Também é o PL a sigla partidária com o maior número de parlamentares reeleitos. Do total de 99 Deputados Federais da agremiação na nova legislatura, 57 foram reeleitos. O único partido do Centrão que possui mais parlamentares novos eleitos é o PODEMOS, que elegeu 9 novos Deputados Federais e reelegeu apenas 3.
Embora pequeno, o PATRIOTAS é o partido do Centrão com a maior taxa de reeleição, 75% da bancada do partido na próxima legislatura será composta por deputados reeleitos. Também chama a atenção que, com exceção do PODEMOS e do PTB, todos os partidos do grupo do Centrão apresentaram taxas de reeleição superiores a 50%.
E como o Centrão representará os diferentes estados brasileiros na Câmara? A unidade federativa que, proporcionalmente, em relação ao total de sua bancada, mais elegeu parlamentares do grupo foi o Tocantins, com 88%. Em números absolutos são 7 das 8 cadeiras que cabem ao estado. Além disso, em 16 dos 26 estados, mais o Distrito Federal, o Centrão capturou 50% ou mais das cadeiras das bancadas na Câmara dos Deputados.
Houve uma redução significativa do número de partidos na Câmara dos Deputados, da eleição de 2018 para a de 2022, de 30 para 23. Não bastasse isso, o Número Efetivo de Partidos (NEP), que representa a quantidade de partidos com alguma relevância numérica no legislativo, caiu de 17 para 10. Isso indica potencial facilitação na formação da coalizão de governo e aponta na direção de uma maior clareza ideológica dos partidos frente ao eleitorado. O sistema multipartidário brasileiro gerou um número enorme de partidos, inclusive na Câmara dos Deputados, e isso faz com que o cidadão/eleitor tenha maior dificuldade de discernir o perfil ideológico da cada um deles.
O Centrão praticamente manteve o tamanho, em torno de 260 parlamentares, mas sua composição interna se alterou com o fortalecimento do partido de Bolsonaro, o PL, que conquistou 23 cadeiras a mais, chegando a uma bancada de 99 parlamentares. Praticamente todos os outros partidos do grupo sofreram perdas, com destaque para o PP, que ficou com 11 deputados a menos em sua bancada. O fortalecimento desse grupo político em termos de espaço ocupado na Câmara é muito mais o resultado de mudanças ocorridas ao longo da atual legislatura – com atenção para as adesões de políticos ao PL, na esteira da filiação de Bolsonaro -, passando de 203 deputados eleitos em 2018 para atuais 259, do que propriamente do resultado das eleições deste ano.
No bojo do crescimento do partido de Bolsonaro, veio a eleição de deputados fortemente ligados a sua figura, como André Fernandes, Bia Kicis, Carla Zambelli, Carol de Toni, Eduardo Bolsonaro, Eduardo Pazzuello, Nikollas Ferreira e Ricardo Salles. Junto a aliados próximos do presidente, eleitos por outros partidos do Centrão, esse grupo de parlamentares compõem uma facção bolsonarista dentro da Câmara.
Com toda exuberância mostrada pelo Centrão em suas várias encarnações ao longo da Nova República, e particularmente na legislatura que ora está em vias de se encerrar, não podemos nos esquecer de que a configuração do grupo depende da relação entre Legislativo e Executivo, mais especificamente, da composição do bloco de parlamentar de apoio do poder executivo. Caso o eleito seja Lula, como indicam as pesquisas e o resultado das urnas do primeiro turno, certamente haverá uma reconfiguração do Centrão que hoje conhecemos, ou, porque não dizer, desfiguração. Com sua habilidade provada de bom negociador, Lula tem condições de desestabilizar mesmo o PL, que hoje festeja sua enorme bancada. Se forçados a optar entre o conforto do fisiologismo e as agruras da pugna ideológica, muitos parlamentares do Centrão certamente escolherão a primeira opção, como, de resto, demonstra a história política recente de nosso país.
Se o vitorioso no segundo turno for Jair Bolsonaro é provável que assistamos à continuação do processo, já iniciado no seu primeiro mandato, de crescimento do poder relativo do Legislativo frente ao Executivo, como têm mostrado vários trabalhos do OLB. O pequeno partido do presidente não será forte o suficiente para virar esse jogo em favor de Bolsonaro.
Em suma, se por um lado o futuro presidente eleito do Brasil, seja ele Lula ou Bolsonaro, terá necessariamente que lidar com o Centrão, por outro, o Centrão terá sempre que se reconfigurar, adaptando-se àquele que ocupa o cargo máximo da República brasileira, o presidente.