O que a guerra de decretos diz sobre a relação entre Congresso e Executivo?

Postado por OLB em 05/09/19

Bolsonaro editou 27% mais decretos que Lula no mesmo período de governo

Completados 8 meses de mandato, a relação entre o governo de Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional ainda é marcada pela incerteza. Com poucas indicações partidárias, o Presidente abriu mão de organizar uma maioria governista no Legislativo e tem apostado na coincidência entre sua agenda econômica e aquela defendida pela maioria dos parlamentares, como na reforma da previdência ao longo do primeiro semestre. Há indícios, contudo, de que não é essa a tônica em outros temas e de que a nova diretriz da articulação política do Planalto pode estar afetando sua relação com o Congresso.

Com o intuito de analisar as relações entre Legislativo e Executivo neste início de mandato, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) levantou os decretos executivos emanados do Planalto nos primeiros meses do primeiro mandato de Lula, Dilma e Bolsonaro, bem como os projetos de decretos legislativos da Câmara dos Deputados que têm por finalidade sustar atos normativos do Executivo nesses períodos.

Decretos executivos são instrumentos normativos de que dispõe a Presidência da República e que não precisam de aprovação do Legislativo. Servem para regulamentar leis e dispor sobre a organização da administração pública. Dessa maneira, o recurso a decretos é estratégia frequente de governos que almejam depender menos de maiorias congressuais. Por sua vez, os projetos de decreto legislativo (PDL) podem sustar atos normativos do Executivo e indicar, assim, tensão entre os dois poderes.

Nosso levantamento traz pistas importantes sobre o tema. A primeira delas é o número considerável de decretos editados pelo Executivo no início de governo Bolsonaro: 323, contra 253 de Lula e 131 de Dilma, no mesmo período de seus primeiros mandatos. É possível, entretanto, que esse número elevado decorra de mudanças de natureza regulatória promovidas por um governo com programa radicalmente distinto daquele de seus antecessores. Em 2003, primeiro ano de governo petista, o número de decretos também foi elevado. Ainda assim, é importante frisar que Bolsonaro editou 27% mais decretos do que Lula no mesmo período de governo.

A segunda pista aparece ao observar quantos desses decretos foram questionados por projetos de decreto legislativo. Ao passo que, nos primeiros mandatos, apenas dois decretos de Lula e nenhum de Dilma foram alvos de PDLs, 32 decretos de Bolsonaro receberam questionamento de deputados. É importante ressaltar que esses projetos precisam ser aprovados pelo Congresso por maioria simples para que sejam transformados efetivamente em decretos legislativos. Apenas 2 decretos executivos de Bolsonaro foram derrubados ou revogados por conta do Legislativo: aquele que modifica a regulamentação do porte de armas no Brasil (rejeitado pelo Senado) e o que altera a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (rejeitado pela Câmara). Esses dois decretos não chegaram a ser suspensos pelo Congresso, pois foram revogados ou modificados antes que a tramitação fosse totalmente concluída, diante da iminente possibilidade de derrota do Executivo.

O recurso a projetos de decreto legislativo como estratégia para oferecer resistência ao Planalto foi muito mais frequente em 2019 do que nos meses inaugurais dos primeiros mandatos dos últimos dois presidentes. A quantidade de projetos dessa natureza com a finalidade de sustar decretos do Executivo é flagrantemente maior no primeiro ano de Bolsonaro (134) do que nos de Lula em 2003 (9) e Dilma em 2011 (0).

O número de PDLs com finalidade de sustar decretos executivos (134) é maior que o número de decretos questionados (32) porque um mesmo decreto executivo pode ser alvo de projetos de diversos parlamentares. É o que acontece. Por exemplo, o Decreto 9785, relativo ao porte de armas, recebeu 20 projetos de diferentes deputados. Quase sempre esses PDLs são protocolados pela oposição. No caso de Lula, cinco foram de autoria do principais partidos oposicionistas, PSDB e PFL, enquanto apenas um foi de partido que participou do leque de alianças do primeiro ano de governo petista, o PDT. Os demais tiveram origem em partidos que eventualmente ingressaram na base governista, como PPB e PMDB, mas que até então não o haviam feito. Já no presente ano, 129 dos 134 projetos de decreto legislativo que propõem sustar decreto executivo têm origem na oposição.

Podemos observar, dessa forma, que o recurso a PDLs parece ser uma estratégia empregada pela oposição, e que esse ímpeto da oposição para interferir na gestão do Executivo é significativamente maior em 2019 que em situações análogas no passado (Lula em 2003 e Dilma em 2011). Ainda assim, é raro que essas iniciativas encontrem respaldo entre a maioria dos parlamentares. Isto é, o Legislativo mostra de fato pouca disposição para interferir nesse âmbito de atuação do Executivo. Contudo, o exemplo dos dois decretos revogados, que versavam sobre temas importantes para a pauta política do governo, mostra que esse caminho pode ser trilhado com sucesso e é certamente uma opção caso se forme uma maioria no Congresso insatisfeita com as diretrizes do Planalto.

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