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A Produção Legislativa de Brancos e Negros na Câmara

Postado por OLB em 15/fev/2021 - Sem Comentários

João Feres Júnior, Debora Gershon, Fernando Meireles

Apresentação

A sub-representação dos negros na política brasileira é aguda. O OLB vem se debruçando sobre o assunto nos últimos anos, já tendo produzido dois boletins a respeito da sub-representação negra na Câmara dos Deputados: um dedicado à legislatura anterior 2015-2018, com avaliação da valência do comportamento e da intensidade de engajamento dos deputados federais em temas relativos à igualdade racial; e outro sobre a legislatura 2019-2022, que avaliou a representatividade dos negros em posições de liderança e seu desempenho comparativo em várias atividades legislativas. Os resultados evidenciam o tamanho do problema.

Na legislatura anterior, poucos foram os parlamentares que se engajaram em temas relevantes para a população negra. Ao contrário, havia um grupo majoritário levemente avesso à temática da igualdade racial. No ranking que produzimos, alguns grupos específicos destacaram-se na tramitação desse tipo de agenda: a) mulheres; b) negros; c) e deputados de menor escolaridade. Na atual legislatura, nossos achados também não revelaram avanços. Negros são sub-representados nas comissões permanentes de maior impacto sobre a atividade legislativa e na função de relatoria, que é uma das mais importantes no processo legislativo. Em termos de atividade individual (apresentação de projetos, requerimentos, emendas etc) seu desempenho é semelhante ou superior ao de pessoas autodeclaradas brancas. Em atividades mediadas por outros grupos da Câmara, participação de negros fica aquém do esperado, mesmo quando observado o tamanho de sua bancada.

Com o objetivo de aprofundar esse debate, especialmente em momento de novas eleições para postos de comando das casas do Congresso, o OLB analisou a produção legislativa da câmara baixa nos últimos dois anos (2019 e 2020), com foco na produção de parlamentares autodeclarados pretos e pardos/amarelos. Para identificar eventuais diferenças em termos de atividade e efetividade desses grupos dentro do parlamento, calculamos um indicador original de Efetividade Parlamentar (EP) e atribuímos notas aos deputados e deputadas em função do quanto conseguiram avançar suas propostas. Foram analisadas todas as 10.177 proposições apresentadas na Câmara dos Deputados desde 2019, considerados os seguintes tipos: Projetos de Lei (PL), Projetos de Lei Complementar (PLP) e Projetos de Emenda à Constituição (PEC). Os resultados, mais uma vez, são indicativos de que as diferenças raciais afetam o trabalho legislativo.

Desempenho individual de brancos e negros

Nos anos de 2019 e 2020, 570 deputados e deputadas federais estiveram em exercício na Câmara. Pessoas autodeclaradas pretas e pardas são minoria nesse universo – mesmo quando observados esses dois grupos em conjunto. Somados, são 34,6% do total de parlamentares, enquanto representam 55% da população brasileira.

Gráfico 1. Parlamentares por cor/raça autodeclarada

O volume de proposições apresentadas por cada grupo racial na Câmara é relativamente proporcional aos tamanhos de suas bancadas, mas há pequena sobrerrepresentação de brancos, que somam 75% das cadeiras, mas apresentam 79% dos projetos, além de leve sub-representação de pardos e pretos, que apresentaram cerca de 18 e 3% do total de matérias, respectivamente.

Gráfico 2. Proposições apresentadas desde 2019

O dado para esses dois anos da legislatura traz pequena diferença com relação ao que apresentamos no último ano para a primeira sessão legislativa. Do ponto de vista da iniciativa de proposições, negros (pretos e pardos) têm atividade semelhante aos demais deputados da casa, embora, na média, seu desempenho tenha sido um pouco pior. A análise do número médio de proposições apresentadas por parlamentar, indicador mais adequado para comparar a atuação de bancadas partidárias de tamanhos bastante diferentes, revela que a média de proposições de iniciativa de brancos é de 20,2 enquanto a de proposições apresentadas por pessoas de cor preta é de 15,7. A título de ilustração, em 2019 pretos tinham média muito semelhante à de brancos, enquanto pardos tinham média maior.

Gráfico 3. Média de proposições apresentadas desde 2019

Cabe mencionar que a redução da média de proposições iniciadas por negros em 2020 parece ter estreita relação com o grande volume de propostas apresentadas durante a pandemia da Covid-19. Esse aumento do número de propostas no ano passado deveu-se basicamente à atuação de parlamentares brancos, que são maioria na Câmara. Embora não tenhamos investigado profundamente as razões para isso, o melhor desempenho dos negros em atividades não mediadas por outros grupos políticos em 2019 sugere que o funcionamento remoto da casa pode ter constituído mecanismo de desincentivo à participação negra na produção legislativa. Isso porque, sem as comissões funcionando, a decisão sobre a agenda do plenário, usualmente centralizada na presidência da Mesa, além de considerar restrições temáticas impostas pela própria pandemia passou a levar formalmente em conta a posição do colégio de líderes, em que há 88% de brancos, 12% de pardos e nenhum autodeclarado preto.

Gráfico 4. Proposições apresentadas por mês

Investimento temático: brancos dedicam-se mais à agropecuária e pretos a política sociais

Analisamos o investimento temático legislativo de diferentes grupos raciais a partir do exame dos temas das proposições por eles apresentadas. Há sobrerrepresentação de brancos, como indica a linha tracejada no gráfico a seguir, na maioria dos assuntos, mas há pontos importantes a serem notados. O tema “Agricultura e Pecuária” tem uma participação proporcionalmente maior de parlamentares autodeclarados brancos, os quais, por outro lado, preocupam-se menos em legislar sobre questões ambientais. “Meio Ambiente”, por sua vez, é tema prioritário para parlamentares negros, seguido por “Defesa e Segurança”.

Gráfico 5. Proposições apresentadas desde 2019, por tema

Abaixo, reportamos também o percentual de proposições apresentadas em cada um dos temas selecionados por cor/raça dos parlamentares. Com essa informação, por exemplo, percebe-se que cerca de 22% de todas as proposições de autodeclarados pretos trata do tema “Direitos Humanos e Minorias”. Entre brancos e pardos, essa proporção é de 17%. De um modo geral, contudo, não há grandes diferenças em termos de engajamento temático entre os diferentes grupos raciais, à exceção de propostas sobre o meio ambiente, conforme anteriormente observado.

Gráfico 6. Proposições apresentadas desde 2019, por tema e grupo racial

Efetividade legislativa de pretos é significativamente menor

Apesar de muito semelhantes do ponto de vista do tema de que tratam, as proposições de parlamentares brancos e negros tramitam de forma diferente na Câmara. Abaixo, reportamos o percentual das proposições apresentadas que tiveram movimentações relevantes desde 2019 (votação em plenário ou recebimento de parecer em comissões). Embora sutis, as diferenças revelam menor celeridade na tramitação da agenda de parlamentares autodeclarados pretos. Seus projetos entram nas comissões em proporção semelhante à dos brancos, mas têm menos relatores designados e pareceres emitidos.

Gráfico 7. Tramitação de proposições apresentadas

Para analisar esse dado de forma mais adequada, lançamos mão do indicador de Efetividade Legislativa, que atribui notas de 0 a 10 para as ações de determinado parlamentar ou grupo. Notas mais próximas de 10 indicam maior efetividade de sua ação legislativa. O gráfico abaixo revela que parlamentares autodeclarados pretos têm notas substantivamente menores, enquanto pardos e brancos se assemelham.

Gráfico 8. Efetividade na tramitação

Conclusão

Os dados acima expostos corroboram os resultados que já obtivemos em outros estudos e confirmam que, para além da sub-representação numérica, há barreiras institucionais e políticas importantes a serem enfrentadas na Câmara por parlamentares negros, mas especialmente por aqueles que se autodeclaram pretos. O vigor de sua atividade legislativa individual, cujo padrão é semelhante à dos brancos, exceto para 2020 – ano marcado por uma série de desafios ao processo legislativo usual –, é incapaz de garantir que a produção desse grupo chegue a termo com a mesma velocidade empregada em propostas de outros grupos raciais.

O engajamento em temas específicos não parece ser fator explicativo do quadro apresentado. Ou seja, o recorte temático das propostas legislativas apresentadas por autodeclarados pretos não difere substantivamente daquele observado entre parlamentares brancos a ponto de justificar a tramitação mais lenta de sua agenda.

Cresce a cada dia a compreensão de que a sub-representação negra em casas legislativas tem impacto negativo expressivo sobre a capacidade estatal de reverter o cenário alarmante de desigualdade racial no Brasil. A análise da produção legislativa de pardos/amarelos e pretos revela a operação dessas desigualdades no seio do processo legislativo e o desafio de se garantir que os diferentes grupos representados na Câmara tenham condições equânimes para legislar.

Metodologia

Para elaborar este boletim, extraímos e sistematizamos uma série de dados do Portal de Dados Abertos da Câmara dos Deputados. Em particular, na análise de proposições apresentadas e aprovadas, utilizamos as ocorrências de proposições por data de apresentação, recorrendo também à classificação temática realizada pelo Setor de Documentação da casa. Unindo essas informações, conseguimos mapear a tramitação de todas as proposições apresentadas por deputados e deputadas desde fevereiro de 2019. Somado a esses dados, coletamos informações de autodeclaração racial dos parlamentares a partir do Repositório de Dados Eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral.

Para calcular o Índice de Efetividade, consideramos as tramitações de cada proposição avaliada, adaptando a metodologia já largamente utilizada na Ciência Política americana desenvolvida por Craig Volden e Alan Wiseman (para mais detalhes, ver o livro Legislative Effectiveness in the United States Congress). Para cada matéria, atribuímos um score de 10 caso tenha sido votada em plenário; de 4, caso tenha recebido ao menos um parecer em comissão; e, finalmente, de 1 caso tenha recebido ao menos uma designação de relator. Feito isso, calculamos a média da soma dos scores das proposições de cada parlamentar; transformamos a variável resultante em logaritmo natural e a normalizamos para o intervalo de 0 a 10, em que 0 indica o parlamentar menos efetivo ao levar suas proposições adiante no processo legislativo e, 10, o mais efetivo. Como a medida depende dos desempenhos máximo e mínimo atingidos na Câmara, o índice resultante é relacional, isto é, deve ser interpretado em termos comparativos entre dois ou mais parlamentares.

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Balanço de 2020 na Câmara dos Deputados

Postado por OLB em 08/jan/2021 - Sem Comentários

Fernando Meireles e Debora Gershon

Apresentação

Marcado pela eclosão da pandemia da Covid-19, o ano de 2020 trouxe desafios políticos e institucionais importantes para os governos em seus diferentes níveis e para as casas legislativas, especialmente as federais. O executivo federal enfrentou diversas crises internas, com repetidas mudanças no Ministério da Saúde, saída do ex-Ministro Sérgio Moro do Ministério da Justiça, acirramento de críticas ao Ministério do Meio Ambiente, além de conflitos sucessivos entre a ala ideológica e a ala mais pragmática do Planalto, levando, inclusive, a divisões entre membros do governo oriundos das Forças Armadas. Houve ainda crise com o Supremo Tribunal Federal (STF), em virtude das manifestações contra o órgão convocadas com apoio do presidente, e avanço do conflito federativo, resultante de divergências no enfrentamento da pandemia. Sem capacidade de coordenar a crise decorrente da propagação da doença, Bolsonaro perdeu, durante meses, parte da sua bancada de apoio na Câmara e no Senado. O trabalho do governo no Congresso se concentrou no tratamento da situação de emergência pública declarada em fevereiro, com foco, principalmente, na abertura de créditos extraordinários e na formatação de auxílios emergenciais a empresas e a população. Coube ao Congresso, entretanto, a iniciativa de aumentar o valor do auxílio direto, que gerou grande impacto nos meses de maior isolamento social.

O Congresso, além da tarefa de lidar de forma ágil com a agenda emergencial imposta pela Covid-19, enfrentou também o desafio de instituir o trabalho remoto dos parlamentares. Para isso, reorganizou o processo legislativo de modo a manter sua capacidade de tomar decisões mesmo sem as sessões presenciais e o trabalho das comissões, tentando resguardar, em alguma medida, a efetiva participação parlamentar. A restrição à votação de matérias exclusivamente relacionadas à pandemia durante o funcionamento do Congresso Remoto foi uma das ações adotadas pelas duas casas para reduzir o impacto eventualmente negativo da virtualização da atividade parlamentar, embora a regra não tenha sido integralmente respeitada. De qualquer forma, a circunscrição da agenda a temas considerados urgentes foi incapaz de suprir a lacuna deixada pela interrupção do trabalho das comissões permanentes em termos de transparência, abertura social e acúmulo de informação. Soma-se a esse quadro adverso o fato de que 2020 foi um ano eleitoral. À agenda da pandemia, somou-se a necessidade de modificação da legislação que define as eleições no Brasil para adaptá-la às circunstâncias excepcionais.

Com o objetivo de melhor entender o papel do Congresso nesse ano conturbado, o Observatório do Legislativo Brasileiro analisou dados da Câmara dos Deputados, relativos a todas as proposições legislativas e votações nominais realizadas em 2020, em comparação com o ano de 2019. O resultado pode ser lido nos parágrafos seguintes, nas seções: a) perfil da produção legislativa; b) apoio ao governo e oposição; e c) comportamento das bancadas partidárias.

Perfil da produção legislativa

Com funcionamento remoto, 2020 tem quantidade menor de proposições apresentadas com foco em saúde e agenda fiscal

No início da pandemia de Covid-19 houve aumento bastante expressivo do volume de proposições apresentadas à Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, em comparação com os meses anteriores. No cômputo geral, contudo, 4742 proposições foram apresentadas em 2020 contra 5624 em 2019. Por conta da pandemia, abril foi o mês de maior número de proposições apresentadas em 2020. Em 2019, o mês com mês de pico foi fevereiro, o que é comum no começo de novas legislaturas.

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Para análise da evolução do perfil temático dessas proposições, nos debruçamos especificamente sobre três temas: “saúde”, “direitos humanos e minorias”, e “economia e finanças públicas”. Os três reúnem 97% das proposições apresentadas em 2020, em contraposição a 43% das apresentadas em 2019, o que indica a influência da crise do coronavírus na produção do ano. As agendas de saúde pública e fiscal, em particular, foram as duas com maior peso após o início da pandemia. No primeiro caso, há projetos diversos que tratam de medidas de deslocamento e aglomeração e equipamentos de proteção individual, entre outros, com pico nos meses de março, abril e maio. No segundo, enquadram-se projetos que discutiram auxílio emergencial, renda destinada à população mais vulnerável, auxílios fiscais, acesso a crédito e outros incentivos para empresas e empreendedores.

Vale notar que o tema “direitos humanos e minorias”, que cresceu, embora não substantivamente, durante a pandemia, sofreu decréscimo de importância ao longo de 2019, a despeito do valor da pauta de costumes para Jair Bolsonaro. Os meses de fevereiro, março e abril de 2019, de maior volume de produção sobre o tema, provavelmente refletiram as agendas de campanha do presidente e da extrema direita, que aos poucos, no entanto, foram perdendo fôlego. Em 2020, as proposições sobre essa temática foram, em geral, apresentadas por partidos da oposição, mas também pelo PSDB, em virtude da atuação do deputado Alexandre Frota (SP), que apresentou grande número de projetos sobre direitos das mulheres e de outros grupos política e socialmente minoritários.

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Legislativo mantém dominância das proposições aprovadas, mas Executivo tem produção mais aprovada no ano

Mantendo o padrão dos últimos anos, o número de proposições iniciadas na Câmara é maior do que o de iniciadas no Executivo.

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Também tem sido maior, nos últimos anos, o número de proposições do Legislativo transformadas em norma jurídica, a despeito do fato de as proposições do Executivo terem, em geral, maior chance de aprovação. Com Bolsonaro, esse padrão não se alterou substantivamente ao menos até o início da pandemia, já que em 2019, por exemplo, o poder Legislativo foi responsável por introduzir cerca de 4/5 de todas as propostas que viraram lei naquele ano. Em 2020, entretanto, houve mudanças. O Executivo aumentou sua produção legislativa e aprovou cerca de 50% dela, na contramão do padrão observado desde o início de 2019. Até mais ou menos maio de 2020, a proporção de matérias de autoria da equipe de Bolsonaro aprovadas na Câmara não ultrapassava os 25%, sendo a pior dos últimos 20 anos, embora esse tenha sido o governo que apresentou mais proposições legislativas desde 2000.

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Esse cenário é confirmado por outros dados de 2020, como o aumento na taxa de matérias apresentadas pelo Executivo e transformadas em norma exatamente no mesmo ano. No gráfico abaixo, observa-se que mesmo tendo apresentando menos proposições em 2020 do que em 2019, o Executivo Federal teve uma taxa de sucesso 3 vezes maior. Assim, apesar das crises políticas que marcaram 2020, o governo Bolsonaro manteve iniciativa legislativa durante a pandemia, ajudado pelo Congresso que votou e aprovou suas proposições.

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Apoio ao governo e oposição: governo consolida maioria, mas cresce a polarização

O ano da pandemia e de funcionamento remoto do Congresso repetiu a tendência de polarização entre governo e oposição em votações nominais, com vantagem para o governo, que mantém apoio expressivo na Câmara. A distância entre situação e oposição, todavia, que já era considerável em 2019, cresceu ainda mais, deprimindo o centro político e deixando um fosso entre partidos à esquerda, cujas figuras mais oposicionistas encontram-se no PSOL e no PT, e partidos à direita, que têm entre seus expoentes membros do PSL e do PSC. O primeiro abrigou Bolsonaro quando de sua candidatura à presidência e vem mantendo fidelidade ao governo a despeito do rompimento do presidente com a legenda. O segundo compõe a base de apoio ideológica ao presidente desde o início de seu mandato.
O gráfico abaixo apresenta visualmente a distribuição das notas de governismo. Os picos indicam que há um número maior de parlamentares com a nota correspondente no eixo horizontal. As notas vão de 0 a 10, sendo 0 o máximo de oposição possível e 10 o inverso.

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Com o objetivo de identificar grupos de parlamentares com características semelhantes, eventualmente mais próximos ao governo, também avaliamos se há grandes diferenças no comportamento daqueles que têm mais de um mandato em relação aos estreantes na Casa. Isso porque a renovação da Câmara em 2018 garantiu a eleição de várias pessoas sem experiência parlamentar, em sua maioria situadas à direita e à extrema-direita do espectro político-ideológico, que manifestaram apoio inconteste ao presidente quando de suas candidaturas. Era de se esperar que tendessem a ter notas de governismo maiores do que os deputados mais antigos. Não é o caso, no entanto. A polarização entre governo e oposição pode ser observada tanto no grupo de novatos quanto naquele que reúne os veteranos. A inclinação governista dominante é explicada pelo comportamento de partidos do Centrão, que parece ter aderido de forma mais sistemática ao governo durante o ano de 2020, liderados principalmente pelo PP.

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Comportamento das bancadas partidárias

Partidos da extrema direita e do Centrão se aproximam

De 2019 para 2020, caiu a diferença em termos de apoio ao governo entre partidos do Centrão e outros mais à direita. Em 2020, PSL, PL e PP foram os partidos mais fiéis ao governo, seguindo a agenda da maioria – vale ressaltar que o PP terá candidato à presidência da Câmara, Deputado Arthur Lira, com o aval de Bolsonaro. Há, portanto, aumento da polarização à direita, conforme já visto anteriormente, e diluição do centro, em virtude da distância de cerca de 2 pontos que separa o partido menos governista do bloco majoritário (Cidadania) do partido menos oposicionista do grupo minoritário (PV).

Do MDB ao PSL, as notas de governismo foram bastante similares. Diferentemente do ano anterior, no entanto, o Novo teve posições menos consistentes, com intervalo de confiança maior para estimativa de sua nota, embora permaneça à direita do campo político na Câmara.

A oposição, por sua vez, esteve menos coesa em 2020. Partidos opositores a Bolsonaro votaram favoravelmente ao governo em diversas situações, especialmente em proposições relacionadas à pandemia da Covid-19, como já era de se esperar. PT e PSOL foram as bancadas mais opositoras, um pouco distantes de PSB e PDT. A maior maleabilidade de parlamentares desses dois partidos em negociar com o governo, portanto, justifica os acenos feitos a eles por Arthur Lira, em busca de apoio à sua eleição. Nesse grupo minoritário e oposicionista, REDE e PCdoB apresentaram comportamento intermediário entre PT-PSOL e PSB-PDT.

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É importante notar que as posições médias dos partidos no ranking de governismo escondem divergências internas às bancadas. Em partidos como PT e MDB, por exemplo, os parlamentares tiveram notas mais similares entre si. Por outro lado, partidos como Rede e Avante abrigaram diferentes posições pró e contra o governo em diversas votações, com a ressalva de que a Rede tem uma bancada extremamente pequena. Consenso e disciplina em cada partido serão analisados mais detidamente na próxima seção.

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Consenso e disciplina partidária são altos, diminuem logo após o início da pandemia, mas retomam patamares anteriores

Embora o governo conte hoje com o apoio da maior parte dos partidos da Câmara, em alguns houve divisões nítidas ao longo do ano, a exemplo do Avante, conforme se observa nos gráficos a seguir. Por outro lado, outras agremiações destacam-se pelo maior grau de consenso nas suas bancadas, como é o caso de Rede, Novo, PCdoB, PT e PSOL.

Para chegar a essas conclusões, calculamos o Índice de Rice, que permite mensurar o grau de consenso dentro de cada bancada nas votações, atribuindo pontuações de 0 a 1 às legendas (1 indicando que todos os parlamentares da bancada sempre convergiram e 0 que a bancada foi dividida ao meio em todas as votações). Adicionalmente, calculamos a média da disciplina individual em relação às orientações das lideranças. O indicador nos ajuda a verificar a proporção de vezes, em média, que os membros de uma legenda seguiram as indicações de seus líderes. Em termos de disciplina partidária, PT, PCdoB, PSOL, NOVO e PL estão à frente dos demais, atingindo alto grau nesse quesito.

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Vale notar que, nos meses seguintes ao início da pandemia, houve diminuição da média da taxa de consenso das diferentes bancadas da Câmara e menor disciplina nos partidos, com recuperação posterior, embora gradativa, dos níveis anteriormente alcançados. Essa variação é provavelmente fruto das crises políticas que marcaram o início da pandemia e da consequente dificuldade de se formar uma maioria em torno das ações descoordenadas do governo federal. Esse efeito pode ser observado no gráfico abaixo.

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Conclusão

O Congresso Nacional em 2020 foi muito afetado pela pandemia e pelos efeitos singulares que ela causou na vida política do país, o que resultou em mudanças nos procedimentos, na agenda, na relação entre Executivo e Legislativo e no próprio padrão de relacionamento entre os partidos dentro da Câmara. Entretanto, mesmo diante de uma série de adversidades, traços de continuidade em temas importantes podem ser observados.

Sobre as mudanças, destacamos, em primeiro lugar, a virada de agenda: em 2020 prevaleceram os temas “saúde” e, secundariamente, “economia”, na expectativa de criação de regras e mecanismos de redução de uma crise que apenas se inicia no Brasil, como consequência direta da Covid-19. Em segundo lugar, o ano foi de crise política, que teve reflexo, ainda que de forma temporária, na taxa de coesão das bancadas partidárias. No entanto, e em terceiro lugar, 2020 também foi o ano em que o governo Bolsonaro cedeu à necessidade de formação de uma maioria legislativa, tendo se aproximado do Centrão e alcançado uma bancada de apoio mais consistente e estável na Câmara. O fato pode soar contraditório, se observados a falta de liderança governamental para lidar com a pandemia e os revezes sofridos por Bolsonaro no Congresso e no STF, mas as crises deste ano também foram fator decisivo para uma mudança na articulação do governo. Não há muita clareza sobre a persistência dessa nova direção, mas o fato rendeu frutos ao Executivo, em termos de apoio, especialmente no segundo semestre.

A montanha russa de acontecimentos em 2020, no entanto, não elimina traços importantes de continuidade. A Câmara mantém protagonismo crescente na agenda legislativa, mesmo com o aumento da taxa de sucesso do Executivo em relação a 2019 e com a redução típica do número de proposições em ano eleitoral. O Executivo mostrou certo vigor na apresentação de projetos relativos à pandemia, mas mantém-se tímido no que toca ao avanço em outras pautas.

O trabalho do legislativo foi fundamental para manter o sistema de freios e contrapesos brasileiro e aprovar matérias urgentes e relevantes para o atendimento de diferentes e amplos grupos afetados pela crise do coronavírus. Contudo, aumentou a distância entre parlamentares e organizações da sociedade civil no processo de produção de políticas públicas. Há indícios de que o Congresso vá introduzir na sua rotina pós pandemia algumas das atividades remotas ora experimentadas. Se esse for o caso, deve-se ter atenção ao fato de que a tecnologia pode tanto ser usada para aprimorar a representação política, quanto para acelerar decisões sem a transparência e a participação exigidas e necessárias ao sistema democrático.

Metodologia

Para elaborar este boletim, extraímos e sistematizamos uma série de dados do Portal de Dados Abertos da Câmara dos Deputados. Em particular, na análise de proposições apresentadas e aprovadas, utilizamos as ocorrências de proposições por data de apresentação, recorrendo também à classificação temática realizada pelo Setor de Documentação da casa. Unindo essas informações, conseguimos mapear quantas proposições foram apresentadas por mês ou ano, quem as apresentou (i.e., se Poder Executivo ou Poder Legislativo) e sobre quais temas discorriam. Para distinguir entre proposições transformadas em norma jurídica, usamos dados de proposições apresentadas desde 1940 e filtramos apenas as que tiveram como situação final a rubrica “Transformada em Norma Jurídica” entre 2000 e 2020.

Seguindo outro ranking de governismo na Câmara dos Deputados produzido pelo OLB no passado, coletamos informações sobre todas as votações nominais, quando parlamentares têm seus votos registrados em plenário, ao longo do ano de 2020. Em uma segunda etapa, excluímos votações que não tiveram conflito, isto é, votações nas quais não houve sequer 2% de parlamentares que votaram contrários à maioria vencedora – procedimento comum para evitar que votações unânimes entrem no cômputo do governismo. Ao final, a amostra que analisamos contém 248 e votações na Câmara.

Com os dados organizados, implementamos o algoritmo OC (Optimal Classification), que extrai dimensões latentes a partir dos dados de votação – e que, diferente de outro algoritmo comum, o W-nominate, não assume pressupostos rígidos sobre as preferências dos e das parlamentares. Nesse processo, o algoritmo encontra quais dimensões explicam a maior parte da variação nos resultados das votações. Em nossa aplicação, utilizamos a dimensão com maior poder explicativo, a qual interpretamos, com base em em testes adicionais, como sendo governo-oposição. Parlamentares com padrões de votação similares receberam scores similares, enquanto outros com históricos de votos divergentes foram posicionados com maior distância. Para facilitar a exibição dos resultados, transformamos os scores do w-nominate para o intervalo de 0 a 10.

Para mais detalhes sobre a metodologia, ver Congress: A Political-Economic History of Roll Call Voting, escrito pelos cientistas políticos americanos Keith Poole e Howard Rosenthal.

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A Câmara dos Deputados e a igualdade racial

Postado por OLB em 12/dez/2020 - Sem Comentários

João Feres Júnior, Debora Gershon, Fernando Meireles

Apresentação

Na véspera do dia da Consciência Negra, 20 de novembro, mais um negro tombou no Brasil, espancado por agentes privados de segurança de um grande conglomerado do setor de distribuição de alimentos. Esse novo homicídio soma-se ao alarmante número de negros(as) mortos(as) no país e a um conjunto de outras estatísticas que revelam desigualdades raciais no trabalho, emprego, renda, acesso a oportunidades, mobilidade social, representação política, mercado matrimonial, local de moradia, acesso a serviços públicos, tratamento dispensado por agentes do estado, etc.

A sub-representação dos negros na política é aguda. Dos 541 deputados federais que exerceram mandato no ano de 2019, como titulares ou suplentes, 109 autodeclaram-se pardos e 22 pretos, segundo registros do TSE. Ou seja, isso corresponde a 24% do total de deputados federais, enquanto na população brasileira esses dois grupos somados alcançam a marca de 55% da população. Tendo como pano de fundo o dado da baixa representativa dos negros na câmara baixa, neste boletim traçamos o perfil dos(as) parlamentares que dão voz e incidem, na Câmara dos Deputados, sobre projetos legislativos relevantes para a população negra, seja por promoverem benefícios a essa parcela da população, seja por proporem medidas com potencial de piorar ainda mais a situação de violência e desigualdade política e social à qual os negros estão submetidos.

Para responder a essa pergunta, produzimos o ranking da igualdade racial que, por meio do cômputo ponderado de ações legislativas concretas dos deputados federais (relatorias, emendas, votos e discursos), revela a atuação relativa de cada deputado ao longo da tramitação de projetos de lei importantes para a agenda. A metodologia adotada permite avaliar a valência do comportamento dos(as) deputados(as) (se favorável ou contrário), mas também a intensidade do seu engajamento temático. Nesse sentido, os primeiros colocados são aqueles que não apenas se posicionam favoravelmente aos projetos da agenda (ver seção metodologia), como também têm participação mais intensa nas tramitações analisadas. De forma análoga, os piores colocados posicionam-se mais contrariamente ao tema e apresentam maior engajamento em ações contrárias. Para fins de avaliação, o resultado do ranking é apresentado em notas individuais, numa escala de -10 (atuação extremamente contrária) a 10 (atuação extremamente favorável).

Ressaltamos que o ranking foi elaborado com base na legislatura 2015-2018 por duas razões. A pandemia de Covid-19 dominou a pauta do Congresso ao longo de praticamente todo esse ano de 2020, ao passo que a Reforma da Previdência teve efeito similar em 2019. Na legislatura atual, portanto, não há volume de projetos sobre o tema da igualdade racial suficiente para a elaboração do ranking. Além disso, 256 deputados(as) da legislatura 2015-2018 lograram a reeleição em 2018. Ou seja, o ranking da legislatura passada é instrumento valioso para análise do comportamento de mais da metade dos(as) deputados(as) em exercício.

O quadro geral que o ranking revela

Na legislatura 2015-2018, havia dois grupos majoritários situados em posições distintas da escala de -10 a 10 no que toca o tema da Igualdade Racial. Um dos grupos, o menor, posicionou-se de forma levemente favorável ao tema, enquanto outro, o maior, de forma levemente contrária. O número de parlamentares nos extremos da escala é insignificante.

A nota mediana do plenário – que nos diz como o legislador central, ou pivotal, atuou é de -1,02. No geral, numa legislatura em que PT, PMDB (hoje MDB) e PSDB tinham as maiores bancadas, mas que foi marcada pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff, a Câmara atuou negativamente no tema, embora com pouco engajamento.

Gráfico 1. Distribuição das notas no ranking da Igualdade Racial – Legislatura 2015-2018

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Compartamento dos partidos

Embora a Câmara tenha tido comportamento mediano pouco engajado e levemente contrário ao tema da igualdade racial, a análise da atuação das bancadas partidárias revela diferenças expressivas. Partidos de esquerda, como PSOL, PCdoB e PT, que historicamente pautam o assunto dentro e fora do Congresso, tiveram, na média, as notas mais elevadas. Na outra ponta, um grupo numeroso de siglas, do PEN ao PSL (que só passou a abrigar o presidente Bolsonaro em março de 2018), teve nota igual ou menor que zero, com atuação que pode ser lida como de reticente a contrária.

No campo da esquerda, o PSOL é o partido com média mais alta, mas o PT é o que tem maior coesão no que toca ao comportamento de seus parlamentares. Nas demais siglas, o PRTB chama atenção com um média baixa (-1.9), mas com alta dispersão entre os seus afiliados.

Gráfico 2. Ranking por partido, legislatura 2015-2018

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É interessante notar que partidos que historicamente se opuseram às cotas raciais, como o PSDB – por meio dos senadores Paulo Renato Costa e Aloyzio Nunes –, e o DEM – autor da ADPF 186 –, mantêm notas de bancada bastante negativas na legislatura, a despeito de iniciativas como o Tucanafro.

O cenário é similar quando observados apenas os partidos de parlamentares reeleitos para a atual legislatura. Nesse caso, PSOL, PT, PCdoB e PDT ficam com as melhores médias, enquanto Republicanos, PSDB, PL e Patriota com as piores.

Gráfico 3. Ranking por partido, reeleitos em 2018

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Demografia dos dados

Identificado o padrão partidário na condução da agenda da Igualdade Racial, buscamos avaliar se determinadas características da vaga e dos(as) parlamentares têm relação com o seu tipo de atuação. Os resultados encontrados são de grande relevância para o debate sobre a importância da diversidade na representação política.

Em primeiro lugar, não há diferenças no ranking por estado, o que nos permite supor que as clivagens regionais não têm peso no comportamento dos(as) legisladores(as) sobre o assunto. Em segundo, há ao menos três variáveis que despontam como significativas para definição do tipo de atuação do(a) parlamentar: sexo, escolaridade e cor/raça.

Mulheres têm notas maiores do que homens tanto na média quanto em diferentes quantis. Entre elas, além disso, a divisão entre o grupo de favoráveis e daquelas ligeiramente contrárias ao tema é proporcionalmente mais equilibrada. Homens têm comportamento concentrado em notas abaixo de zero, conforme gráfico a seguir.

Gráfico 4. Ranking por sexo, legislatura 2015-2018

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No que toca à escolaridade, há uma descoberta importante: a atuação expressivamente mais favorável ao tema fica a cargo de parlamentares que possuem até o ensino fundamental completo, ou seja, menor escolaridade relativa. O grupo favorável ao tema é majoritariamente composto por parlamentares com esse nível de instrução. É possível afirmar que existe uma correlação negativa entre escolaridade e apoio parlamentar à pauta da igualdade racial. Digna de nota é também a grande similaridade das curvas daqueles que têm até o ensino médio completo e dos que têm educação superior. A hipótese de que o contato com o ambiente universitário promoveria um espírito de maior apreço pela diversidade parece não se verificar aqui, pois os deputados com educação superior mostram-se tão avessos à pauta da igualdade racial quanto aqueles que tem somente o ensino médio completo.

Gráfico 5. Ranking por escolaridade, legislatura 2015-2018

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Por fim, como era de se esperar, a cor/raça declarada pelos(as) deputados(as) ao TSE quando de suas candidaturas guarda forte relação com a atuação favorável ao tema da igualdade racial. Deputados(as) que se autodeclararam de cor preta são os(as) mais favoráveis. Deputados(as) de cor branca concentram-se massivamente em torno de posições levemente contrárias ao passo que os de cor parda dividem-se entre as duas posições, ainda que com maioria em torno da posição contrária. Vale lembrar que pretos e pardos são minoritários na composição da Câmara na legislatura 2015-2018.

Gráfico 6. Ranking por cor/raça, legislatura 2015-2018

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Conclusão

É sabido que a sub-representação dos(as) negros(as) na política tem efeito profundo sobre a capacidade estatal de reverter o quadro de discriminação racial observado no Brasil. O presente estudo confirma essa avaliação. Na Câmara dos Deputados, de 2015 a 2018, a pequena proporção de negros(as) (21%) certamente contribuiu para que a legislatura não se engajasse no tema da Igualdade Racial, nem se posicionasse muito favoravelmente a ele, com exceção de alguns partidos de esquerda.

O perfil conservador da 55a. legislatura também contribuiu bastante para o baixa ativação dessa agenda, pois, como vimos, os partidos de esquerda, nela minoritários, são de longe os mais favoráveis a ela.

O estudo revela que as diversidades de gênero e escolaridade também têm peso bastante relevante na determinação dos rumos da agenda da igualdade racial. Mulheres, em geral, e parlamentares (homens e/ou mulheres) de mais baixo nível de instrução formal são mais sensíveis ao tema, independentemente da cor que têm.

Na atual legislatura, não há volume de projetos que nos permita produzir ranking similar, mas com os resultados obtidos para o período 2015-2018, pudemos notar que o perfil do comportamento dos parlamentares reeleitos no tocante ao tema é bastante similar, o que é razão de preocupação para quem o defende. A pauta da igualdade racial precisa avançar dentro das câmaras legislativas e também fora delas para que o sistema proporcional seja capaz de representar a sociedade brasileira e cumprir o papel que lhe cabe de promover a justiça social e o bem-estar de todos.

Metodologia

Para a elaboração do ranking da Igualdade Racial de que trata este boletim foram analisadas 34 proposições da legislatura 2016-2018, além de 608 discursos e 270 emendas a elas relacionados. As proposições foram selecionadas em conjunto com o Fórum Permanente pela Igualdade Racial (FOPIR) e enquadram-se nos seguintes tipos: a) medidas de caráter punitivo em relação à prática do racismo e da discriminação racial; b) medidas afirmativas, que têm por finalidade promover o benefício de grupos racialmente discriminados; c) medidas sem caráter racial explícito, mas com potencial impacto desproporcional, positivo ou negativo, sobre a população negra e minorias étnicas; d) medidas que dão reconhecimento oficial e proteção às contribuições das culturas africana e afro-brasileira.

Para elaborar este boletim, recorremos às notas do Ranking de Igualdade Racial, elaborado pelo OLB em parceria com o GEMAA e o FOPIR, que mostra quais parlamentares atuaram contra ou a favor do tema na legislatura passada (55º, 2015–2018). No total, o Ranking atribui notas para 560 parlamentares, dos quais 256 permanecem na atual legislatura.

Para complementar a análise, extraímos e processamos dados do Portal de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e do Repositório de Dados do Tribunal Superior Eleitoral, que foram posteriormente pareados por meio dos números de CPF dos e das parlamentares. Por conta dessa origem, é importante notar que os dados de classificação de cor/raça utilizados nas análises, bem como de escolaridade, foram auto-reportados pelos e pelas parlamentares. Para calcular as estatísticas descritivas que reportamos nos gráficos, utilizamos o ambiente de programação estatístico R.

Alguns dos gráficos que reportamos no texto exibem funções de densidade, isto é, a probabilidade de que um ou uma parlamentar tenha dado score; valores mais altos indicam que há mais parlamentares com determinado score, e vice-versa. Em outros gráficos, que indicam valores estimados, pontos mostram as médias estimadas, enquanto que as linhas horizontais representam intervalos de confiança de 95%, estimados por meio de modelos de regressão lineares.

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Um balanço do senado remoto: temas e apoio ao governo

Postado por OLB em 28/out/2020 - Sem Comentários

Júlio Canello, Debora Gershon, Leonardo Martins Barbosa

Apresentação

Este boletim analisa o comportamento do Senado Federal em tempos de pandemia. O Sistema de Deliberação Remota (SDR) mudou a dinâmica de funcionamento da casa, com impacto sobre temas abordados, regras do processo decisório e organização das forças partidárias nas casas legislativas, especialmente no Senado, que já retomou parte de suas atividades em regime híbrido (remoto e presencial).

Desde o início da legislatura até o fim de agosto de 2020, o Senado Federal decidiu sobre 650 matérias, entre medidas provisórias, projetos de lei, projetos de lei complementar, propostas de emenda à Constituição, além de substitutivos e emendas da Câmara dos Deputados. Para avaliar a dinâmica política e a agenda do Senado na pandemia, comparamos seu comportamento neste período de funcionamento excepcional com o período pré-pandemia. Analisamos os seguintes aspectos da produção legislativa: tema e destino das matérias decididas, grau de consenso em plenário e apoio ao governo em votações nominais, sempre em comparação com a experiência legislativa anterior. O resultado é a figura de um parlamento que priorizou o debate sobre a crise de Covid-19, em coordenação com a Câmara, mas que reduziu sua aderência às propostas e posições governamentais.

1. Os temas do Senado no período remoto

Das 650 proposições sobre as quais o Senado se debruçou de 2019 para cá, 186 (28%) foram apresentadas durante a pandemia de Covid-19, enquanto outras 464 foram iniciadas antes de março. Destas, no entanto, 47 foram decididas já pelo SDR.

Se analisados esses projetos de acordo com a classificação temática proposta pelo próprio Senado, nota-se que, na atual legislatura, o debate esteve centrado em projetos de natureza social, antes e durante a pandemia, com leve variação positiva depois de março, o que representa atenção específica a proposições de impacto possivelmente mais direto sobre a vida da população em período de crise.

Proposições de natureza econômica também se destacam de forma geral, embora particularmente mais durante o período de Covid-19, possivelmente pelas mesmas razões. É indício, portanto, de que as restrições previstas no SDR para votação prioritária de projetos relacionados à situação de emergência pública foram majoritariamente observadas pelo Senado, tanto quanto o foram pela Câmara, a despeito do fato de ter havido, no Senado, maior centralidade do presidente da Casa na condução dos trabalhos, em detrimento de espaços colegiados.

Tabela 1. Projetos decididos no Senado, por tema geral.

Destinação

Pandemia

Pré-Pandemia

Administrativo

14 (6%)

40 (9%)

Social

86 (38%)

145 (34%)

Econômico

66 (29%)

80 (19%)

Honorífico

1 (<1%)

51 (12%)

Jurídico

41 (18%)

100 (24%)

Orçamentário

16 (7%)

4 (1%)

Não identificado

4 (2%)

2 (<1%)

Total

228

422

Analisados por subtemas, e desconsiderados aqueles de menor frequência, observamos que, assim como na Câmara, o tópico de maior interesse dos(as) senadores(as) foi a saúde, seguido por política econômica e assistência social. Isso indica que houve mudança explícita no foco da atenção dos parlamentares como resposta à crise sanitária. Os principais subtemas tratados anteriormente eram Homenagem Cívica, Família e proteção a crianças, adolescentes e mulheres, além de Direito civil e processual civil.

Tabela 2. Projetos decididos no Senado, por tema específico.

Destinação

Pandemia

Pré-Pandemia

Saúde

26

19

Política econômica e sistema financeiro

23

6

Assistência social

19

4

Crédito Extraordinário

16

4

Defesa do consumidor

12

13

Tributação

11

15

Direito civil e processual civil

11

29

Educação

9

19

Trânsito

8

11

Trabalho e emprego

6

13

Família, proteção a crianças, adolescentes, mulheres e idosos

6

29

Administração pública: órgãos públicos

5

17

Direitos humanos e minorias

4

15

Organização político-administrativa do Estado

3

11

Direito penal e processual penal

3

21

Minas e energia

2

10

Meio ambiente

2

19

Desenvolvimento regional

2

10

Previdência social

1

14

Data comemorativa

1

13

Data comemorativa

1

13

Homenagem cívica

0

38

Outros (menos de 10 por tema em cada período)

58

92

Quanto ao processo legislativo, há uma diferença significativa entre os dois períodos analisados, principalmente pela suspensão das comissões. Enquanto 130 matérias foram aprovadas por essas instâncias colegiadas até março, apenas 11 o foram depois desse mês, e, mesmo assim, antes da vigência do SDR. Esse é um dos elementos que denotam o prejuízo relativo causado pelo processo de deliberação remota à qualidade das deliberações, na medida em que as comissões são espaços privilegiados de debate e participação, que contribuem para uma tomada de decisão mais bem informada por parte do parlamentar. A proporção de matérias aprovadas no período (41%) é, no entanto, praticamente idêntica ao período pré-pandemia (42%), cabendo ressaltar que os dois intervalos de tempo não são comparáveis em termos absolutos, uma vez que não têm o mesmo número de meses.

É importante também chamar a atenção para o crescimento de proposições que foram prejudicadas (ou seja, com tramitação inviabilizada) ou que perderam eficácia (MPV com prazo esgotado). No primeiro caso, as próprias regras impostas pelo SDR, formalizadas em ato da Comissão Diretora (ATC 07/2020), são justificativas plausíveis. No segundo, as desavenças entre Senado e o Planalto a respeito de como reagir à pandemia são uma hipótese explicativa potente.

Tabela 3. Projetos decididos no Senado, por decisão.

Destinação

Pandemia

Pré-Pandemia

Aprovada pelo Plenário

93 (41%)

176 (42%)

Aprovada por Comissão

11 (5%)

130 (31%)

Rejeitada pelo Plenário

1 (<1%)

3 (1%)

Rejeitada por Comissão

5 (2%)

19 (5%)

Perda de Eficácia

32 (14%)

24 (6%)

Prejudicada

52 (23%)

7 (2%)

Retirada

33 (14%)

62 (15%)

Revogada/Transformada em Indicação

1 (<1%)

1 (<1%)

Total

228

422

Do ponto de vista do destino das proposições, variável relevante para avaliação do caráter eventualmente terminativo da tramitação de um projeto no Senado, cabem algumas observações. Em comparação com o período pré-pandemia, a partir de março de 2020 houve maior proporção de proposições arquivadas, menor volume de projetos remetidos à Câmara e proporção semelhante de projetos encaminhados à sanção/promulgação. Mais uma vez, os dados falam a favor da tramitação de uma agenda estritamente urgente e com maior grau de acordo entre as casas legislativas, tendo em vista que uma proposição que não retorna à Câmara não foi modificada pelo Senado.

Tabela 4. Projetos decididos no Senado, por destinação.

Destinação

Pandemia

Pré-Pandemia

Sanção/Promulgação

54 (24%)

111 (26%)

Câmara

50 (22%)

195 (46%)

Arquivamento

124 (55%)

116 (27%)

Total

228 (100%)

422 (100%)

2. Consenso e conflito entre parlamentares: o que mudou na pandemia

Para além de um panorama mais agregado dos projetos decididos na atual legislatura, a análise das votações nominais no plenário do Senado revela facetas importantes do comportamento de parlamentares e partidos no período. Um primeiro aspecto geral dessa dinâmica é o número total de votações realizadas nominalmente. Para compararmos o desempenho desse governo com anteriores, consideramos apenas as votações realizadas até o fim do mês de agosto do segundo ano de cada mandato presidencial (excluído o de Michel Temer, por ter se iniciado já no fim do segundo ano).

Tabela 5. Votações nominais no plenário do Senado, por governo.

Governo

N. de votações

Bolsonaro

153

Dilma II

109

Dilma I

83

Lula II

64

Lula I

118

Diferentemente das informações ofertadas pela Câmara dos Deputados, não há, para o Senado, registro sistematizado e amplamente acessível das votações simbólicas, ou seja, daquelas em que não há manifestação individual de posicionamento ou participação do parlamentar. A informação seria importante, pois enquanto as votações nominais são reservadas a temas que geram maior polêmica, a votação simbólica é indicativa de maior grau de consenso na matéria. Vale sublinhar que o número de votações nominais sob o governo de Bolsonaro é o maior entre os períodos examinados.

Com base nas votações nominais, calculamos uma medida para avaliar o consenso em plenário no período inicial de cada um dos governos analisados. O indicador representa a diferença absoluta entre votos sim e votos não (e outros) sobre o total de votos. Quanto mais próximo de 1, maior é o consenso em torno da posição majoritária. Quanto mais próximo de 0, maior é a divisão no plenário. A figura seguinte mostra um resumo dos dados. Os pontos coloridos ao longo das retas representam o grau de consenso nas votações, bem como indicam a dispersão desses valores, ou seja, se estão concentrados ou não. Quanto maior for o ponto, mais vezes um determinado valor esteve presente nos dados. Os círculos de cor preta mostram as médias dessa variável em cada governo. É importante notar que quanto mais à esquerda está o círculo, menor é o grau de consenso em votações nominais no período analisado, e vice-versa.

Figura 1

O governo Bolsonaro teve o maior grau médio de consenso em votações no Senado se comparado aos governos de Dilma e de Lula. Entretanto, de maneira distinta do que se observa na Câmara, há uma grande proporção de casos unânimes em todos os governos, ainda que, mesmo assim, o atual se destaque (o que se revela pelo tamanho dos pontos na extremidade direita do gráfico). Ou seja, o Senado tende a ter um comportamento mais consensual, mas o teve de forma especialmente alta no presente governo.

Se comparadas as votações antes e durante a pandemia na legislatura atual, não há diferença expressiva quanto ao grau médio de consenso alcançado em plenário. Houve um pequeno aumento dessa medida de 80,2% para 80,9% após a adoção do SDR, além de crescimento do quórum médio de senadores votantes (de 65 para 74), o que reforça o cenário de diminuição do conflito na casa. Esse padrão, no entanto, é distinto do observado na Câmara, já que lá a crise de Covid-19 resultou em aumento do dissenso.

Figura 2

Mesmo com alto grau de consenso, há diferenças significativas entre o comportamento dos Senadores. Medimos a distância entre o posicionamento dos parlamentares nas matérias que contaram com algum grau de dissenso. Com isso é possível olhar com maior precisão o padrão de conflito no Senado. Em geral, no Brasil esse conflito ocorre entre uma maioria governista e uma minoria oposicionista. Contudo, nem sempre esse é o caso. Nesta seção, medimos o distanciamento do posicionamento dos parlamentares entre si. Na próxima, avaliamos de maneira mais específica se as mudanças no conflito parlamentar durante a pandemia podem ou não ser associados a mudanças na relação entre Senado e governo.

Para medir o posicionamento e alinhamento dos senadores nas votações, utilizamos um algoritmo consolidado na ciência política, o WNominate. Em primeiro lugar, descartamos as votações unânimes e aquelas em que não houve sequer 2% de parlamentares contrários à posição majoritária, sobrando 67 votações nominais para essa parte da análise. Também foram excluídos os senadores que votaram menos de 15 vezes. Finalmente, o algoritmo diferencia votos e votações por ordem de importância e retorna um ranking que nos permite posicionar os parlamentares. Neste boletim, utilizamos uma escala que varia de 0 a 10. Quanto mais próximos de polos opostos, mais dois parlamentares apresentam posicionamentos contrários entre si. Os resultados obtidos com esse algoritmo e escala posicionaram os senadores da oposição em valores mais próximos de 0, assim como aqueles que compõem a base do governo com valores mais próximos de 10.

Na figura abaixo, nota-se que durante a pandemia há uma redução dos Senadores situados entre as posições 9 e 10 (mais próximo ao governo) e, de maneira concomitante, verifica-se um aumento da frequência no intervalo entre 3 e 6 (mais próximo à oposição). Em termos agregados, o percentual de senadores com posicionamento acima de 7 caiu de 61%, antes da pandemia, para 38%, após a crise. Em outras palavras, o que podemos observar é que se desfez um quadro de maioria parlamentar (entre 7 e 10) que se impunha sobre uma minoria (entre 0 e 3), e houve uma aproximação geral entre os parlamentares, em torno de posições médias (de 4 a 6). Ou seja, na pandemia, o comportamento dos senadores que antes compunham um bloco majoritário mais propenso a negociar com o governo se desfez, dando lugar a um comportamento mais próximo da oposição.

Figura 3

Em termos partidários, a figura seguinte mostra o alinhamento do Senado, pré e pós pandemia. Os pontos representam as posições estimadas para cada senador(a). As faixas denotam a distribuição de cada bancada, ordenada conforme a média do partido. A linha tracejada indica a mediana da maioria no plenário, por volta da nota 8.

Figura 4

No período pré-pandemia, PSC, PSL, DEM e Republicanos destacam-se como agremiações com posições à direita da mediana do plenário, enquanto PT, Rede, PSB e PDT destacam-no extremo oposto. Com a crise de Covid-19, não há grandes mudanças nesse cenário. A mediana segue praticamente no mesmo ponto, com pequena redução na quantidade de parlamentares com nota inferior a 7. O alinhamento dos partidos também segue na mesma direção, com poucas mudanças na dispersão intrapartidária e aumento da dispersão em partidos de diferentes matizes ideológicas, como Rede, PDT e PROS.

Ou seja, embora o padrão de conflito tenha permanecido o mesmo na casa, notamos maior dispersão em alguns partidos, e pequenos deslocamentos em outros, o que pode representar uma diminuição marginal na disciplina ou coesão dos partidos. Isso pode ter contribuído para o quadro geral de distensionamento entre os parlamentares durante a pandemia, conforme se mostrou na figura 2. Acreditamos que as razões para isso estão na postura mais crítica adotada pelo bloco majoritário do Senado em relação ao governo, e a consequente aproximação dos parlamentares minoritários ao posicionamento médio da casa.

3. Posicionamento crítico e redução do apoio ao governo

Com o objetivo de melhor entender a aproximação entre parlamentares nas matérias polêmicas e, ao mesmo tempo, avaliar a qualidade da relação entre os poderes durante a pandemia, também observamos se houve mudanças na taxa média de apoio ao governo na casa. Medimos esse apoio a partir da proporção de votos coincidentes com aquele do líder do governo no Senado, já que não há registro sistematizado da orientação de lideranças na casa. Na ausência de voto do líder, utilizamos o vice-líder como referência e, finalmente, o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Quando nenhum desses três senadores participou, a votação não foi considerada. Também foram excluídas as votações consesuais e aquelas em que o percentual de votos “sim” foi maior do que 90%. Assim, essa parte da análise contou com 54 votações nominais, entre as 153 ocorridas no período.

Figura 5

Até a pandemia, as médias de apoio ao governo se mostraram relativamente estáveis, em patamar seguro para aprovação de sua agenda (na casa dos 75%). Durante a crise sanitária, no entanto, com a implantação do SDR, houve redução desse indicador (faixa dos 60%). As taxas passaram a oscilar mais, com vários casos em que o Executivo não obteve apoio sequer da metade dos parlamentares votantes, o que denota uma mudança significativa com relação ao padrão anterior.

Tabela 6. Apoio médio ao governo em votações nominais no Senado (%), antes e durante a pandemia.

Período

Média

Pré-pandemia

74,7%

Pandemia

59,3%

Para melhor avaliar o conflito entre Senado e governo durante a pandemia, analisamos mais detidamente o percentual de votações em que a taxa de apoio ao governo foi inferior a 50%. Houve um salto muito significativo do indicador antes e durante a pandemia, de 4,5% para 37,5%, o que revela a fragilidade da posição política do governo na casa e de sua capacidade de articulação no plenário. Em quase 40% das votações, a partir de março 2020, o governo foi minoritário.

Tabela 7. Votações nominais no Senado com apoio ao governo inferior a 50%, antes e durante pandemia.

Período

%

N. total de votações analisadas

Pré-pandemia

4,5%

22

Pandemia

37,5%

32

A última figura desta seção compara o apoio prestado ao governo pelos principais partidos da atual legislatura. Houve redução em praticamente todas as bancadas relevantes de centro-direita, inclusive nas que integram a base do governo, com maior variação média no DEM, partido do presidente da casa. Apenas no PT houve algum crescimento no apoio médio ao governo, provavelmente em razão de seu patamar inicial muito baixo. O partido, ainda assim, continua a apresentar a menor taxa de governismo dentre as 7 legendas observadas.

Figura 6

Conclusão

A pandemia de Covid-19 trouxe enormes desafios ao Congresso Nacional, que rapidamente deu respostas efetivas e de grande importância à sociedade, sem que os trabalhos das duas casas legislativas tenham sido descontinuados, ainda que a custo de inúmeras perdas sob o ponto de vista do controle e da participação social no processo legislativo. Quando comparado ao período anterior, o trabalho legislativo mudou em pontos sensíveis durante a pandemia.

No Senado, o quadro geral do período pode ser assim resumido: a) agenda majoritariamente relativa à pandemia, com foco em temas de saúde, num evidente deslocamento de esforços anteriormente dirigidos a proposições de menor relevância e impacto sociais; b) provável aumento do grau de acordo com a Câmara dos Deputados, na medida em que grande parte das votações apreciadas pelos Senadores não retornou à casa legislativa iniciadora; c) manutenção do grau de consenso entre os parlamentares em comparação ao período não pandêmico de atividades da legislatura; e d) redução expressiva da taxa de apoio ao governo após implantação do SDR, embora sem grandes mudanças na distribuição de partidos governistas e oposicionistas.

Assim, em que pese a instituição de um processo legislativo com déficits ainda maiores de participação e transparência, o que observamos como resultado não foi maior adesão ao governo, como era de se esperar no caso de o Legislativo apresentar um comportamento exclusivamente fisiológico. Na verdade, o afastamento do Senado em relação ao governo foi ainda mais expressivo do que o verificado na Câmara, onde também se verificou uma queda na taxa de apoio ao governo durante a pandemia.

Assim, aproximação entre governo e o centrão, verificada no mesmo período, não resultou em adesão cega do Congresso à agenda do Planalto. Essa constatação é importante e revela uma dinâmica mais complexa da política brasileira do que a impressão de primeira vista. É preciso sublinhar, nesse sentido, que a decisão de Bolsonaro estruturar uma coalizão majoritária no Congresso veio apenas após sucessivas derrotas no Legislativo, já no segundo ano de governo. Ainda assim, uma costura sólida requer mais que apenas a distribuição de cargos na máquina pública, exigindo também habilidosa liderança política tanto no Planalto quanto nas casas legislativas.

Por fim, e principalmente, a pandemia abriu um conflito aberto entre presidentes e governadores, que assumiram posições opostas na coordenação da crise sanitária. Esse conflito, que também teve reflexo na Câmara, impacta sobremaneira o Senado, que tem por delegação justamente representar as unidades estaduais. Em outras palavras, mesmo em momento de funcionamento excepcional e de representação política prejudicada, o Senado mostrou-se muito sensível aos interesses dos estados, a ponto de adotar postura mais crítica que a da Câmara, em clara inversão do padrão observado no primeiro ano de mandato, quando os senadores propiciaram o governo com um mínimo de estabilidade face ao ânimo mais crítico e conflitivo de deputadas e deputados. Superada a pandemia, é possível que o Senado volte ao padrão comportamental anterior, desde que as ações do governo sejam menos danosas e contraditórias com o que preferem os entes federados.

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Adesão da Câmara à chamada “Pauta sobre costumes”

Postado por OLB em 16/set/2020 - Sem Comentários

A câmara vota majoritariamente a favor das preferências governamentais

Por Debora Gershon, Fernando Meireles e João Feres Júnior

Apresentação

Com um índice de renovação de mais de 50%, a Câmara assumiu novo perfil em 2019: grande número de profissionais liberais e empresários eleitos, redução expressiva da bancada sindicalista, crescimento da bancada de segurança (ou da bala) e fortalecimento político da bancada evangélica. Essa nova legislatura criou expectativas de avanço da agenda liberal-conservadora no parlamento e de acirramento dos debates em torno de uma pauta rígida de costumes, que garantiu, em 2018, considerável soma de votos a Bolsonaro.

Desde o início de 2019, são muitas as evidências do avanço da agenda liberal do governo, ainda que com perdas significativas impostas ao Executivo, especialmente pela Câmara. A pauta econômica é destaque dentre as legislações aprovadas, e a despeito da polarização das votações entre esquerda e direita, o governo manteve taxa de apoio parlamentar maior que 70% – a menor dos últimos 20 anos, mas ainda assim suficiente para manter o governo em posição confortável.

Esse apoio ao governo, contudo, não foi concedido em cenário de parceria e cooperação. Sem coalizão legislativa estruturada até aqui, decisão aparentemente revista com o movimento de aproximação ao Centrão, Bolsonaro e seus aliados têm protagonizado conflitos recorrentes com os poderes legislativo e judiciário. Os dissensos se acumulam desde o início da legislatura, sem grandes períodos de remissão, o que coloca dúvidas sobre a real extensão do governismo parlamentar. Não há muita clareza, por exemplo, sobre como deputados e deputadas se posicionam em questões não relativas à economia, mais próximas da pauta de costumes que foi objeto de campanha do presidente.

Com o objetivo de melhor entender o comportamento da Câmara nessa pauta, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou votações nominais da atual legislatura de proposições classificadas em três temas específicos: “defesa e segurança”, “direitos humanos e minorias” e “arte, cultura e religião”. São 46 votações nominais enquadradas nesses temas. Nossa pergunta central é se o perfil conservador da Câmara garante sustentação das preferências governamentais nos três temas, que seriam os mais próximos a uma pauta de costumes, ou se o grau de polarização observado na casa, somado a outras variáveis conjunturais, gera quadro diverso.

Perfil da agenda de costumes de 2019

Em primeiro lugar, vale ressaltar o pequeno avanço da pauta de costumes na agenda legislativa de 2019 a 2020. As 46 votações nominais – número suficiente para identificação do padrão de votação dos parlamentares – referem-se a apenas 9 proposições/projetos. Se esse número é pequeno, por um lado, a quantidade de votações nominais ocorridas ao longo da tramitação desses projetos, por outro, pode ser indicativa do maior esforço para construção de consensos.

Das 9 matérias, 6 foram transformadas em lei e 5 dizem respeito à segurança pública. Em segurança, estão enquadrados o pacote anticrime, além de projetos que versam sobre terrorismo, criação de polícias, posse de armas de fogo e mudanças na legislação penal. Há um projeto que trata dos direitos de populações atingidas por barragens e outros três mais genéricos sobre cultura, esporte e saúde.

Dentre as razões possíveis para o pequeno volume de projetos, destacamos duas: a Câmara privilegiou pautas econômicas em 2019, tendo passado boa parte do ano em torno da aprovação da reforma da previdência e do orçamento impositivo. Em 2020, a pandemia de Covid-19 dominou a pauta.

Plenário vota majoritariamente conforme preferência governamental

Para análise do apoio dos parlamentares ao governo nessas 46 votações empregamos um algoritmo que diferencia votos dados de acordo com a importância que tiveram em determinadas votações, excluídas as votações consideradas consensuais (ver seção de metodologia, abaixo). A partir disso, classificamos os parlamentares em um continuum que vai de 0 a 10, em que notas mais próximas de 10 indicam maior adesão à posição governista.

No gráfico a seguir, é possível observar que a maior parte do plenário tendeu a votar seguindo as preferências governistas nos três temas analisados, conforme demonstrado pelo pico da figura 1. À esquerda, em que se situa a oposição, há um pequeno grupo dissidente e isolado.

Figura 1.

Partidos de centro e de direita votaram com o governo

Para inferir as posições dos partidos nas mesmas votações, utilizamos um modelo de regressão linear, cujo resultado pode ser visto no gráfico abaixo, em que as linhas horizontais indicam o grau de disciplina ou coesão partidária de cada bancada. Linhas maiores representam bancadas menos disciplinadas. De acordo com os dados, há clara contraposição do PSOL à maioria governista. Rede, PT, PCdoB e PSB também têm notas médias menores, o que denota posição contrária ao governo, destacando-se o PT como a única bancada, à esquerda, altamente disciplinada. Do conjunto de partidos com preferências diferentes das governamentais, a Rede é o que vota de forma menos coesa.

No extremo oposto do gráfico, PSL e NOVO despontam como os partidos com posições mais governistas nos temas analisados, embora suas médias não estejam muito distantes daquelas obtidas por partidos tradicionais, como PSDB, ou do chamado Centrão, como PP e PSD. Ou seja, de forma idêntica ao quadro demonstrado na figura 1, o padrão de votação dos partidos de centro está mais próximo do padrão de voto observado nos partidos localizados mais à direita do que à esquerda do espectro político-ideológico partidário.

Figura 2.

Parlamentares do PSL foram os mais fiéis ao governo

Finalmente, a figura 3 exibe o posicionamento individual dos parlamentares nas votações analisadas. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) e o deputado Carlos Jordy (PSL-RJ) têm as maiores notas estimadas, sendo, portanto, os parlamentares mais fiéis às propostas governamentais. Marcelo Freixo (PSOL-RJ) e, em seguida, Alessandro Molon (PSB-RJ) destacam-se na oposição. Aécio Neves (PSDB-MG) é um dos representantes que mais informam o posicionamento médio do plenário no período, o qual, como apontamos acima, está bem mais próxima da posição governista do que da oposição.

Figura 3.

Conclusão

A despeito de ter grande importância nas falas do presidente, a agenda de costumes avançou pouco de 2019 a julho de 2020. A Câmara não foi ativamente mobilizada para tratar de temas consistentemente defendidos pelo governo, tais como o endurecimento da legislação contra aborto, a “despartidarização” do ensino e o combate a políticas de equidade de gênero, entre outros. A crise econômica enfrentada pelo Brasil, a pandemia de Covid-19 e a própria posição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, contrária a uma agenda de costumes mais radical, podem ser fatores que explicam o pequeno espaço até então ocupado por essa agenda no Congresso. Embora não haja perspectivas concretas de mudança desse cenário no curto prazo, a alternância da presidência da Câmara e a aproximação entre governo e Centrão podem contribuir para mudar essa situação.

A despeito do avanço modesto da posição governista, no entanto, as mais de 40 votações nominais sobre o tema mostram um quadro interessante. Em primeiro lugar, revelam a força da bancada da segurança, que, em meio ao protagonismo da agenda econômica, conseguiu pautar e aprovar matérias que flexibilizam o porte e a posse de armas. Em segundo, permitem constatar que ao menos parte dessa pauta conta com apoio majoritário dos parlamentares, à revelia de uma pequena oposição. Tal resultado, se não conclusivo pelas razões já expostas, sugere maior cuidado na afirmação comum de que o apoio da Câmara ao governo é fruto da simples coincidência entre suas agendas econômicas.

Metodologia

Para analisar o posicionamento dos parlamentares em votações nominais de matérias sobre defesa, cultura e direitos humanos, coletamos informações sobre 46 votações nominais (i.e., aquelas nas quais parlamentares têm seus votos registrados em plenário) desde fevereiro de 2019. Em uma segunda etapa, excluímos votações que não tiveram conflito, isto é, votações nas quais não houve sequer 2% de parlamentares que votaram contrariamente à maioria vencedora – procedimento comum para evitar que votações unânimes entrem no cômputo do governismo. Ao final, a amostra que analisamos contém 36 votações.

Com os dados organizados, implementamos o algoritmo W-nominate, que extrai dimensões latentes a partir dos dados de votação. Nesse processo, o algoritmo encontra quais dimensões explicam a maior parte da variação nos resultados das votações. Em nossa aplicação, utilizamos a dimensão com maior poder explicativo, a qual interpretamos, com base em em testes adicionais, como sendo governo-oposição. Parlamentares com padrões de votação similares receberam scores similares, enquanto outros com históricos de votos divergentes foram posicionados com maior distância. Para facilitar a exibição dos resultados, transformamos os scores do w-nominate para o intervalo de 0 a 10.

Para selecionar as proposições dos temas que analisamos, recorremos à classificação temática de proposições elaborada pelo setor de documentação da Câmara dos Deputados, disponível no repositório de Dados Abertos da casa.

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Mapa do Agronegócio no Congresso

Postado por OLB em 13/ago/2020 -

por Debora Gershon, Fernando Meireles, Leonardo M. Barbosa

Apresentação

Desde o início da gestão do presidente Bolsonaro, os temas “Meio Ambiente” e “Amazônia” têm ocupado grande espaço nos debates políticos e nas mídias nacional e internacional, não apenas porque ações assertivas de preservação ambiental são cada vez mais urgentes mundo afora, mas também porque o governo brasileiro tem sistematicamente emitido sinais contrários às agendas ambiental e climática. Em favor de uma suposta maximização dos ganhos do agronegócio brasileiro, o governo desconsidera que a questão ambiental é hoje fator determinante para a própria estabilidade e crescimento do setor.

Em agosto de 2019, as queimadas na Amazônia levaram o Brasil ao centro do debate internacional. Em junho de 2020, houve novo crescimento das queimadas – 20% a mais com relação ao mesmo mês do ano anterior. Internamente, contudo, a questão ambiental tem estado na pauta desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Especialistas, ativistas e organizações não governamentais, logo no início do mandato, enfrentaram tentativas de extinção do Ministério do Meio Ambiente, cortes orçamentários no ICMBio e no IBAMA, redução de unidades de conservação ambiental, bloqueio de verbas destinadas a políticas de combate a mudanças climáticas, dentre outras ações do gênero. Em janeiro de 2020, Bolsonaro reativou o Conselho da Amazônia e transferiu sua gestão do Ministério do Meio Ambiente para a Vice-Presidência, sem muitos resultados concretos do órgão, a não ser a proibição das queimadas no bioma amazônico por 120 dias a partir de meados de julho. Recentemente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, considerou a pandemia de Covid-19 uma oportunidade para avanço do projeto de desregulamentação e simplificação de regras infralegais da área.

Os problemas dessa agenda, entretanto, não se resumem às decisões do Executivo. O setor ruralista tem representação historicamente forte no legislativo brasileiro e avessa à legislação ambiental. Ao mesmo tempo, há poucas informações sistematizadas sobre o Congresso que permitam identificar o interesse individual, a agenda e o posicionamento de cada parlamentar sobre o assunto. Com o objetivo de contribuir para diminuir essa lacuna, o Observatório do Legislativo Brasileiro fez um mapeamento inicial do agronegócio na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Este boletim prioriza os seguintes aspectos: a) patrimônio e ocupação; b) participação de proprietários rurais em comissões e frentes; c) produção legislativa e ativismo parlamentar sobre o tema.

1. Proprietários rurais concentrados no Senado e em partidos de centro-direita

Identificar parlamentares vinculados direta ou indiretamente ao agronegócio não é tarefa simples, e detectar a propriedade de terras por deputados e senadores cumpre um primeiro papel essencial nessa direção. Para isso optamos por três caminhos: a) identificar o exercício de atividades relacionadas ao agronegócio por meio das autodeclarações de ocupação realizadas no momento do registro das candidaturas junto ao TSE; b) identificar a existência e o tamanho de propriedades rurais em nome dos parlamentares nas declarações patrimoniais constantes do mesmo órgão; e c) identificar propriedades rurais em nome de parlamentares na base fornecida pelo Incra. Nos três casos, há problemas. Nas autodeclarações de ocupação, é muito comum que deputados e senadores se autoidentifiquem como políticos em exercício do cargo x ou y, sem que haja referência a sua atividade pregressa à vida política. Já nas declarações patrimoniais, extraídas das estatísticas dos pleitos de 2014 e 2018, há imprecisões e lacunas que subestimam a magnitude do vínculo com o setor e a intensidade da defesa de seus interesses. Na base da Incra, os proprietários são identificados por nome e não CPFs, o que torna mais difícil a tarefa de excluir homônimos. Ainda assim, os dados revelam informações instigantes.

Somente 7 dos 513 deputados federais se autodeclararam no exercício de atividades relacionadas à agropecuária. No Senado, esse número é de apenas 1. No que se refere às propriedades no campo, no entanto, de 10% a 16% dos deputados têm propriedades rurais declararam, quando observados os dados do TSE e do Incra, respectivamente. Segundo levantamento feito pelo Ruralômetro[1] em 2014, esse percentual era de 55% no início da última legislatura, não estando claro se o cenário atual retrata queda significativa da representação desse perfil ou se há aumento importante na subnotificação. No Senado, para o qual não há dados comparativos na ferramenta do Ruralômetro, esse percentual é hoje de 25%, ou seja, 1 a cada 4 senadores possui bens rurais. Se incluídos os dados do Incra, essa proporção sobe para 35%.

Além disso, o Senado supera a Câmara no que se refere ao valor das propriedades listadas. O valor médio no Senado é R$ 1.98 milhões, enquanto na Câmara é quase 3,5 vezes menor, R$ 0.57 milhões. Nas duas casas, boa parte dos proprietários possui mais de uma propriedade rural.

Tabela 1. Congressistas por posse de propriedade rural

Fontes Posse?

Câmara

Senado

Proprietários Câmara (%)

Proprietários Senado (%)

TSE Sim

57

21

11%

26%

Não

434

58

85%

72%

Sem inf

22

2

4%

2%

TSE + Incra Sim

83

28

16%

35%

Não

408

51

80%

63%

Sem inf

22

2

4%

2%

No que se refere à distribuição partidária, utilizados os dados do TSE, obtidos por CPF do parlamentar, cinco partidos de centro e centro-direita reúnem sozinhos 60% dos proprietários rurais do Congresso – MDB, PSD, PP, PL e DEM. Quando observado o percentual de proprietários por partido, observamos novamente a prevalência desses partidos. No MDB e no DEM, inclusive, o percentual de proprietários supera 20% de suas bancadas no Congresso.

Figura 1.

2. A bancada ruralista nas comissões: Senado novamente se destaca

A propriedade de bens rurais não implica necessariamente defesa formal de interesses do agronegócio e a defesa de tais interesses não é monopólio dos congressistas que possuem propriedades rurais. Uma primeira forma de avaliar a atuação política dos parlamentares sobre o tema é identificar quais comissões e frentes impactam o setor, nas duas casas legislativas, em virtude dos temas de que tratam; se congressistas com propriedades rurais ocupam predominantemente esses espaços; e qual o perfil dos deputados não proprietários que coabitam esses órgãos/associações.

Na Câmara dos Deputados, observamos a composição das comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). Nelas, não há sobrerrepresentação dos proprietários rurais, apenas 6 de 69 parlamentares do total dessas comissões são proprietários (8,6%), em contraste com os parlamentares proprietários na casa, cerca de 11% (TSE). Já no Senado, o papel dos proprietários rurais é bastante relevante nas duas comissões mais importantes para o setor – a Comissão do Meio Ambiente (CMA) e a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Quase 50% dos senadores proprietários ruralistas ocupam cadeiras nesses órgãos, o que é indício de que a posse de propriedade rural entre senadores pode estar relacionada com atuação mais propositiva e influência maior dos ruralistas na legislação sobre o setor e assuntos correlatos.

Tabela 2. Membros de comissões de interesse específico (IE) do agronegócio por posse de terra

Proprietários rurais

Câmara

Senado

(IE)

Outras

(IE)

Outras

Sim

6

51

10

11

Não

59

375

21

37

Sem inf

4

18

0

2

3. O tamanho e a importância da FPA na produção de informação e tomada de decisão

Tão importantes, nesse caso, quanto as próprias comissões são as frentes parlamentares constituídas para tratar do tema. As frentes não têm papel estruturalmente definido na avaliação das proposições, mas cumprem ao menos duas tarefas interdependentes de suma importância: garantem visibilidade ao tema que lhes dá origem e ajudam a organizar em coalizões os apoiadores das posições defendidas.

No primeiro ano da atual legislatura, o número de frentes criadas (mais de 300) foi 4 vezes maior que a média das frentes instituídas no primeiro ano das legislaturas coincidentes com Lula I, Lula II, Dilma I e Dilma II. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), no entanto, que aqui nos interessa, não é nova. Data da Constituinte (entre 1987 e 1988) a criação desse grupo de parlamentares dedicado à defesa dos interesses do setor, que, desde então, tornou-se uma das principais frentes temáticas no Congresso. É a maior frente parlamentar mista atualmente existente, reunindo quase 50% dos membros de cada casa – 246 deputados e 39 senadores. O tamanho é suficiente para fazer avançar proposições de interesse e barrar iniciativas contrárias ao setor.

Figura 2.

Como membros da FPA, destacam-se partidos como PP e MDB, que, conforme dito anteriormente, abrigam boa parte dos proprietários rurais. PSL e Novo, no entanto, que reúnem poucos proprietários rurais, também se destacam na composição da frente. A força da FPA parece advir, portanto, em boa medida, de sua grande capacidade de atrair parlamentares não proprietários, ao menos se considerado exclusivamente o perfil de seu patrimônio declarado, conforme gráfico a seguir.

Figura 3.

Outro dado relevante é a presença de membros da FPA nas comissões que impactam o setor, aquelas relacionadas à agropecuária e meio ambiente anteriormente citadas. Na Câmara, onde cada parlamentar pode integrar no máximo até duas comissões permanentes, a sobrerrepresentação de membros da FPA nos órgãos que legislam sobre agronegócio é evidente. Dos deputados que ocupam vagas nas duas comissões, 43 pertencem à frente e 26 não. Dito de outro modo, 62% dos membros das comissões pertencem à FPA. No Senado, há equiparação na proporção de vagas ocupadas por membros e não membros da FPA nas duas comissões correlatas, mas 40% dos membros da FPA ocupam cadeira em uma delas. Ou seja, a despeito do fato de que as regras de funcionamento do Senado facultam aos senadores integrar até seis comissões permanentes simultaneamente, o que reduz a necessidade de priorização de um único tema sobre o qual atuar, senadores da FPA mantêm forte atuação nas duas comissões.

Tabela 3. Membros de comissões de interesse específico (IE) do agronegócio por pertencimento à FPA

FPA

Câmara

Senado

Específicas

Outras

Específicas

Outras

Sim

26

241

16

26

Não

43

203

15

24

4. O impacto da FPA na produção legislativa em temas afeitos ao agronegócio

Para investigar o impacto da atuação de grupos potencialmente ligados ao agronegócio na produção legislativa, analisamos, inicialmente, a autoria de proposições apresentadas nas áreas de agropecuária e meio ambiente, nas duas casas legislativas, considerados os seus tipos mais relevantes – Projetos de Lei, Proposta de Emenda Constitucional e Projetos de Lei Complementar. Dado que há lacunas nas informações sobre ocupação profissional e propriedades rurais, optamos pela identificação da incidência dos parlamentares da FPA, comparativamente aos demais, na autoria de propostas sobre os temas, não importando, para esta fase da pesquisa, se as propostas foram ou não transformadas em norma jurídica. O resultado é revelador.

Na Câmara, 48% das proposições relativas à agropecuária e ao meio ambiente são de autoria de membros da FPA – proporção idêntica ao percentual de deputados que participam da Frente. No Senado, no entanto, o impacto da Frente na definição de propostas sobre os temas é muito mais expressivo. 70% das propostas nas duas áreas foi apresentada por senadores da FPA, o que significa potencial impacto da frente na agenda ambiental indicativa que circula no Casa.

Figura 4.

5. Índice de ativismo de tribuna

Por fim, buscamos analisar o esforço empreendido pelos congressistas para formação de opinião e construção de consensos nos temas Meio Ambiente e Uso do Solo. A tribuna é, nesse sentido, elemento fundamental, motivo pelo qual o OLB criou um índice novo, chamado Índice de Ativismo na Tribuna (IAT). O indicador varia entre 0 (nenhum ativismo na tribuna sobre o tema) e 10 (máximo de ativismo na tribuna sobre o tema). Sua metodologia baseia-se na análise de discursos parlamentares, procurando neles palavras-chave relativos ao tema[2]. É importante frisar, entretanto, que a análise de engajamento não tem qualquer valor de valência. O que o índice revela não é a posição de determinado parlamentar, se favorável ou contrária à agenda em questão, mas o quanto ele se engaja no tema a despeito de seu posicionamento.

Na Câmara, 207 parlamentares (40%) tiveram alguma pontuação no índice, a maior parte deles (66%) com menos de 5 pontos, o que denota um engajamento baixo do conjunto da casa. Apesar disso, 23 parlamentares obtiveram nota acima de 7 (de médio a alto engajamento), destacando-se a presença significativa, nesse conjunto, de membros da FPA (13), mas também de filiados a partidos de esquerda (principalmente do PT), com posição provavelmente contrária à do primeiro grupo. É importante notar, ainda, que poucos deputados com nota acima de 7 fazem parte das duas principais comissões que discutem o tema. Ou seja, lideranças mais engajadas na tribuna não tomam decisões no âmbito das comissões.

Figura 5. Deputados e deputadas com IAT acima de 7 por pertencimento à FPA e a comissões de interesse do agronegócio

No Senado, 20% dos parlamentares têm nota acima de 7. Há maior presença de parlamentares com propriedade de terra nesse conjunto e participação mais ativa desse senadores e senadores nas comissões que discutem Meio Ambiente e Agropecuária.

Figura 6. Senadores e senadoras com IAT acima de 7 por pertencimento à FPA e a comissões de interesse do agronegócio

Nas duas casas, há clara predominância de parlamentares bem posicionados no IAT oriundos de estados com forte relação com o tema da agricultura ou pertencentes à Amazônia legal.

Figura 7. Congressistas com IAT acima de 7 por estado de origem

Conclusão

Mensurar o quanto os interesses do agronegócio brasileiro estão representados no Congresso e refletidos na sua agenda requer análise conjugada de uma série de variáveis relativas ao perfil político-partidário do parlamentar e às suas atividades legislativas. Neste estudo do tema na atual legislatura, o OLB fez um primeiro mapeamento de algumas dessas variáveis. A despeito dos limites observados nos dados consultados, há alguns achados importantes. A pequena parcela de deputados e senadores que declaram possuir propriedades rurais concentra filiados a partidos de centro-direita. O Senado é a instituição que tem maior proporção dos proprietários, ¼ da casa, garantindo sobrerrepresentação dos mesmos em comissões permanentes dedicadas a temas relativos à agropecuária e ao meio ambiente.

São os dados de composição e atuação da FPA, contudo, que mais revelam o possível impacto do agronegócio no Congresso. Cerca de 50% dos deputados e senadores da atual legislatura compõem a Frente, que controla as comissões sobre o tema na Câmara e tem participação importante em comissões correlatas no Senado. Os membros da FPA também possuem índice de ativismo de tribuna mais elevado nos temas Meio Ambiente e Uso do Solo comparativamente aos demais congressistas. Os mais engajados no levantamento desses temas em seus discursos são parlamentares oriundos de estados em que agropecuária tem peso relevante.

Outros dados serão agregados a este primeiro mapeamento sobre o peso do agronegócio no Congresso, mas, até então, pode-se afirmar que o setor tem capilaridade suficiente nas duas casas legislativas, especialmente, no Senado, para pender a balança da agenda ambiental do Legislativo em seu favor.

Metodologia

As análises apresentadas neste boletim foram feitas a partir de dados coletados de diferentes fontes oficiais. Do Repositório de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, extraímos as seguintes informações:

  • lista de Deputados titulares na Câmara;
  • lista de Senadores titulares no Senado;
  • filiação partidária atualizada dos congressistas;
  • lista de ocupantes de comissões permanentes nas duas casas legislativas;
  • discursos proferidos em Plenário;
  • proposições (PL, PEC, MPV e PLP) apresentadas e tramitadas na Câmara dos Deputados desde 2019;
  • classificação das proposições por tema, realizada pelo Setor de Informação da Câmara, e por autoria.

Como forma de identificar parlamentares com propriedades rurais, recorremos às declarações de bens realizadas pelos congressistas no momento do registro de suas candidaturas junto ao TSE em 2018 (e em 2014 para senadores cujos mandatos terminam em 2022). Organizamos essas informações de forma a manter apenas ocorrências que diziam respeito aos seguintes tipos de propriedades declaradas: fazendas, glebas, imóveis rurais, áreas rurais, áreas de loteamento, terrenos agrícolas e propriedades rurais. Feito isso, contabilizamos as ocorrências de propriedades por congressista e deflacionamos os valores declarados de cada uma pelo IPCA de maio de 2020 (usando os indexadores fornecidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada). Do TSE, também extraímos informações como escolaridade, sexo e ocupação profissional declarada de cada congressista.
As proposições legislativas consideradas em nossas análises foram Projetos de Lei, Medidas Provisórias, Projetos de Lei Complementar e Propostas de Emenda à Constituição. Coletamos dados de proposições como essas apresentadas desde 2019 até o final de maio de 2020. Para agrupá-las nas áreas de interesse do agronegócio, utilizamos as classificações desenvolvidas pelos setores de documentação da Câmara e do Senado: no primeiro caso, consideramos os temas Agricultura, pecuária, pesca e extrativismo, meio ambiente e desenvolvimento sustentável e estrutura fundiária; já na câmara alta, consideramos os temas agricultura, pecuária e abastecimento, política fundiária e reforma agrária, meio ambiente. Como informações sobre a tramitação das proposições são disponibilizadas em estruturas e formatos diferentes em cada casa, o banco de dados final foi sistematizado para permitir a análise da produção legal do Congresso.
Finalmente, para realização dos cruzamentos entre bases de dados, utilizamos IDs únicos para cada parlamentar extraídos do TSE (no caso, o código sequencial de candidatura), da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; e também número de CPF dos parlamentares, disponível tanto nos repositórios do TSE quanto da Câmara. Na ausência de dados atualizados sobre a frente mista pela agropecuária, extraímos a composição da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) a partir do website do grupo na internet, utilizando os nomes dos parlamentares para identificar os pertencentes à frente. A base final foi consistida para checar a validade das informações.
________________
[1] Plataforma criada pela ONG Repórter Brasil.
[2] As palavras usadas na busca e análise foram: propriedade agrícola, reserva indígena, fundiário, fundiária, desmatamento, reserva ambiental, fronteira agrícola, inca, proteção ambiental, fazenda, gleba, imóvel rural, lote rural, área rural, loteamento, terreno agrícola, propriedade rural, agropecuária, pecuária, extrativismo, agricultura

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