Postado por OLB em 21/ago/2022 - Sem Comentários
Joyce Luz
Durante a campanha de 2018 e nos primeiros meses de governo, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), afirmou em diversos veículos de notícias[1] que não praticaria a “velha política”. De modo mais claro, anunciava que não recorreria à formação de uma coalizão de governo – entendida como a distribuição de pastas ministeriais para os partidos políticos situados no interior do Legislativo – para conseguir o apoio nas votações da sua agenda.
Contrariando as expectativas, o ano de 2019 se mostrou como um verdadeiro desafio para o presidente. Conforme os dados divulgados pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), Bolsonaro encerrou seu primeiro ano de mandato com uma taxa de sucesso legislativo de apenas 31%[2] – a menor taxa observada desde 1989. Se o presidente esperava construir a tão sonhada governabilidade somente na base do diálogo com parlamentares e partidos, a baixa aprovação das suas propostas no interior do Legislativo mostrou que seria preciso negociar com os atores políticos para construir uma maioria de apoio nessa arena.
Uma das medidas adotadas para resolver esse problema, e já apontada anteriormente pelo o OLB, mostrou que o distanciamento da “velha política” durou pouco. Em 2020, o presidente distribuiria o comando e cargos no interior dos ministérios para partidos e parlamentares pertencentes ao grupo do Centrão[3].
E, para além dos incentivos dados com a distribuição de cargos, outra medida adotada por Bolsonaro foi a de recriar a modalidade das emendas orçamentárias do relator-geral, as famosas emendas RP9. Dada a impositividade das emendas individuais, em vigor desde 2015, e a baixa margem para distinguir a liberação desses recursos entre quem apoia e quem não apoia o governo, a saída adotada pelo presidente foi a de voltar no tempo e devolver ao relator geral da peça orçamentária o poder de, ao longo do ano orçamentário, alocar receitas em rubricas já presentes na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Alvo do escândalo de corrupção, conhecido como “Anões do Orçamento”, a retomada das RP9 chama a atenção e preocupa os especialistas, dado que essas emendas não possuem limite de recursos e nem de quantidade. Assim como acontecia até 1995, o relator geral da LOA ganhou o poder de alocar recursos de forma ilimitada e sem necessidade de autorização prévia do Poder Executivo ou do Poder Legislativo.
Essas emendas compõem hoje o elemento central do “Orçamento Secreto” – denunciado pelo Jornal “O Estado de São Paulo”. Nesse esquema, o relator geral tem como principal responsabilidade e atribuição usar seu poder para elaborar emendas com base na indicação de parlamentares para a alocação de recursos em obras e em municípios específicos. Sem limites de valores e de quantidades, as RP9 passaram facilmente a ser usadas como moeda de troca para a formação de maiorias de apoio ao governo no interior do Congresso.
O adjetivo “secreto”, no entanto, provém do fato de que o relator geral, ao propor as RP9 não precisa identificar as localidades para alocação dos recursos, bem como os parlamentares que serão beneficiados pela sua indicação. Na identificação das emendas de relator a única informação que existe é a de que elas pertencem à categoria de emendas RP9, sem, contudo, apontar quem serão os beneficiados com o dinheiro. E apesar das sucessivas tentativas da oposição e até do Supremo Tribunal Federal (STF) de garantir maior transparência a essas emendas, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada para o exercício financeiro de 2023 (PLN 5/2022) garantiu a manutenção do seu caráter secreto. A única vitória da oposição foi a retirada do trecho da proposta que previa que essas emendas fossem impositivas, assim como as individuais.
Só para o ano de 2023 a LDO reservou o equivalente a 19 bilhões de reais para a execução das emendas de relator. Valor este que equivale à soma dos valores reservados para a liberação das emendas individuais e de bancada. Para lançar luz sobre a aprovação e execução das emendas orçamentárias, o OLB preparou um raio-x das dessas emendas durante o governo do Presidente Jair Bolsonaro (PL) até agora.
Após a sua recriação, as emendas de relator geral, RP9, passaram a ser a modalidade de emendas orçamentárias com os maiores valores aprovados na LOA. Ao longo dos anos, os valores aprovados para tais emendas chega a ser, em média, até 3,5 vezes maior do que o valor aprovado para as emendas de bancada e 1,8 vezes maior do que os recursos aprovados para as tradicionais emendas individuais. Como mencionado anteriormente, para 2023, a expectativa é a de que as emendas RP9 atinjam os 19 bilhões de reais em valores aprovados.
A diferença entre as modalidades das emendas diminui quando observamos os valores executados. Desde 2020, as emendas de relator passam a ter os maiores valores liberados pelo Executivo. No entanto, em 2021 e 2022 a diferença para as emendas individuais passa a ser menor, de aproximadamente 50 milhões e 300 milhões, respectivamente. A maior diferença é quando comparamos os valores das emendas de bancada. As RP9 são até 2 vezes mais executadas que as emendas de bancadas.
Fonte: SIOP e OLB
*Os valores executados para 2022 foram considerados até o dia 12/07/2022.
As emendas individuais, até a recriação das emendas de relator, eram aquelas com maior proporção de execução. Desde 2020, no entanto, elas passaram a representar parcelas menores do total de recursos, devido ao protagonismo das emendas de relator geral que passaram a abarcar parcelas semelhantes. Destaca-se, também, a queda das parcelas destinadas para as emendas de bancada. Entre os anos de 2019 e 2022, tais emendas sofreram uma queda de 11% da parcela dos recursos executados. O gráfico 3 traz essas informações.
Gráfico 3. Porcentagem de recursos liberados na LOA para as diferentes modalidades de emendas orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022
Fonte: SIOP e OLB
Dada a impossibilidade, advinda do componente “secreto”, de identificar os parlamentares beneficiados, bem como as localidades atendidas com as emendas orçamentárias de relatores, o STF determinou, em junho de 2021, que os integrantes do Congresso Nacional (deputados federais e senadores) divulgassem os valores e os municípios por eles indicados, beneficiados com as emendas de relatores. Até junho deste ano, no entanto, somente 66,7% dos Deputados Federais cumpriram a determinação. Dos quase 30 bilhões de reais aprovados para essa modalidade de emenda, apenas 10,9 bilhões de reais foram até agora mapeados e identificados.
Desse total, 82% foram indicados por parlamentares pertencentes ao Centrão, mas o fato é que a falta de transparência ainda compromete a total e completa identificação dos valores e parlamentares beneficiados com as emendas de relator. A vantagem comparativa do Centrão também pode ser observada na execução das emendas individuais orçamentárias – modalidade esta em que o parlamentar obrigatoriamente deve informar os valores e indicar as localidades para aporte de recursos. Desde 2019, parlamentares ligados ao grupo do Centrão possuem os maiores valores e as maiores parcelas de recursos em emendas executadas. Eles chegam a executar até 2 vezes mais suas emendas do que os parlamentares de outros partidos.
Em média, 68% de todas as emendas individuais executadas foram de indicação de partidos do Centrão ao longo dos anos de 2019 e 2022.
Um parlamentar que pertence ao Centrão recebe, em média, até 1,5 vezes mais recursos do que um parlamentar cujo partido não compõe esse grupo.
[1] https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/reportagem/bolsonaro-e-diplomado-e-prega-ruptura-com-a-velha-politica-nao-mais-a-corrupcao/
https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-a-cadeira-presidencial-e-como-a-criptonita-para-o-super-homem/
[2] Os dados, bem como a metodologia usada pelo OLB, podem ser visualizados no nosso site: https://olb.org.br/monitor/
[3] Para saber mais sobre a relação do Centrão com o atual governo de Jair Bolsonaro, basta acessar o relatório produzido pelo OLB sobre o tema: https://olb.org.br/ciencias-sociais-articuladas-o-centrao-na-camara-e-o-governo-bolsonaro/
Postado por OLB em 01/jul/2022 - 1 Comentário
Joyce Luz, João Feres Jr.
Quem aqui se lembra do episódio polêmico que marcou as eleições para a prefeitura de São Paulo em 1985? Naquele ano, Fernando Henrique Cardoso e Jânio Quadros disputavam a cadeira de prefeito da maior capital brasileira. As pesquisas de intenção de votos na época apontavam que Fernando Henrique seria o candidato vitorioso da disputa. Convencido por tais resultados, o até então candidato posou para fotos na cadeira de prefeito um dia antes da realização do pleito. Para sua infelicidade, contudo, Jânio Quadros venceu a eleição e ainda desinfectou a cadeira, na qual passaria os próximos três anos sentado, em resposta à provocação de seu oponente.
Esse episódio foi apenas um, entre tantos outros, em que os resultados das pesquisas de intenção de votos divergiram dos resultados das urnas. Nas eleições de 2018, um dia antes da realização do primeiro turno, Ibope e Datafolha divulgaram os resultados de suas pesquisas para presidente. No Ibope, o candidato Jair Bolsonaro (PSL à época) tinha 36% dos votos e Haddad (do PT) aparecia com 22%. Já o Datafolha trazia o atual presidente com 40% das intenções de voto e o petista com 25%. Mas o que se constatou na apuração final das urnas foi Bolsonaro com 46,03% e Haddad com 29,28% dos votos. Dessa vez os institutos de pesquisa acertaram o vencedor, mas erraram as previsões por valores muito superiores às margens de erro que declaram em seus relatórios de pesquisa.
Há dias atrás, a jornalista Mônica Bergamo noticiou que a corretora XP Investimentos, que vinha realizando pesquisas de intenção de voto para presidente periodicamente, cancelou a divulgação dos resultados de pesquisa já registrada no TSE devido à forte pressão de bolsonaristas. Os resultados mostravam o candidato petista muito à frente na preferência dos eleitores, inclusive quando os entrevistados foram inquiridos sobre a honestidade dos candidatos [1].
Ano eleitoral e as pesquisas que medem as intenções de voto voltam a ganhar espaço na mídia. Semanalmente nos deparamos com matérias sobre pesquisas apontando que candidato A tem x% das intenções de voto, candidato B tem y%, C tem z%, e por aí vai. Quão precisas são essas pesquisas? O quanto elas realmente transmitem a percepção dos eleitores? Por que nos deparamos com pesquisas que apresentam resultados frequentemente diferentes? Essas são algumas das inquietações que os eleitores e o público em geral têm quando se deparam com essas informações.
Para além da corrida eleitoral deste ano, na última semana de maio os senadores voltaram a discutir o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/21, também conhecido como novo código eleitoral — já aprovado pelos deputados federais, ainda em setembro do ano passado. Dentre as várias mudanças propostas no código, está previsto que os institutos de pesquisas passem a informar o percentual de acertos das pesquisas realizadas pela empresa nas últimas cinco eleições. Se a proposta for aprovada no Senado, as regras já passariam a valer para as pesquisas que estão sendo realizadas este ano.
Com este cenário em vista e sabendo que a quantidade de pesquisas tende a aumentar, quanto mais próxima fica a data de realização das eleições, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) organizou alguns pontos e dicas importantes para que os eleitores saibam interpretar os resultados das pesquisas de intenção de votos.
Pesquisas de intenção de votos são importantes elementos de informação em cenários marcados pela incerteza e pela polarização eleitoral. No Brasil, há quase 5 meses da realização das eleições, ainda não sabemos ao certo quais serão os candidatos à Presidência da República. Só nos últimos dois meses assistimos à desistência de duas importantes figuras políticas que concorreriam ao cargo, Sérgio Moro e João Dória. E ainda não está consolidada a chamada terceira via, que se autodefine como opção à polarização entre petistas e bolsonaristas. Nesse panorama, as pesquisas nos ajudam a entender melhor a movimentação das preferências em diferentes e possíveis cenários eleitorais.
Mas é preciso pontuarmos aqui que os resultados das pesquisas, como abordamos na introdução, podem conter um bom grau de imprecisão. Para elucidar melhor essa questão, as figuras 1 e 2 apresentam os resultados das pesquisas de intenção de voto no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, para o cenário Lula X Bolsonaro. Cada ponto colorido do gráfico representa a porcentagem de intenção de votos para os candidatos divulgada por diferentes institutos de pesquisa.
Destaca-se como exemplo as intenções de voto para o candidato Lula, reportada pelas pesquisas de abril deste ano. Enquanto o Poder Data e o instituto Ideia apontam que Lula teria entre 47% e 48% das intenções de voto para presidente, a Genial Quaest e o IPESPE registram uma intenção de 55% e 53,5%, respectivamente. A diferença entre os resultados das pesquisas, para o mês de abril, varia de 6 a 8 pontos, valores estes muito acima da margem de erro esperada de 2 ou 3 pontos percentuais, para cima ou para baixo. Em outras palavras, dada a grande variação dos resultados e a margem de erro declarada pelos institutos de pesquisa, somos forçados a concluir que é impossível que todos estejam certos em suas estimativas.
O mesmo acontece com os resultados reportados para o candidato Jair Bolsonaro. Enquanto o IPESPE divulgou em suas pesquisas do mês de abril que o candidato teria 33,5% das preferências dos eleitores brasileiros, o instituto Ideia trouxe Bolsonaro com 39%. A diferença entre os resultados reportados ultrapassa 5 pontos, ou seja, mais uma vez ultrapassa a margem de erro declarada.
Essas diferenças entre os institutos e resultados divulgados, no entanto, indicam que as pesquisas de intenção de votos são ruins ou que não são confiáveis? Não! Tais diferenças nos mostram que devemos ficar atentos às informações complementares que os institutos são obrigados a divulgar a cada nova rodada de pesquisas. O OLB separou aqui 5 pontos importantes de serem levados em conta no momento da leitura e interpretação dos resultados das pesquisas.
Resultados divergentes entre as pesquisas e entre o resultado real das eleições podem, muitas vezes, ser explicados pela margem de erro. Como o intervalo de confiança, a margem de erro é uma das estatísticas mais importantes dos resultados de uma pesquisa eleitoral. Sua interpretação é, também, bastante simples. Tomemos como exemplo as pesquisas de intenção de voto realizadas pelo instituto PoderData no mês de abril para o segundo turno das eleições de 2022.
Conforme os gráficos 1 e 2, o instituto apontou que o candidato Lula tinha 47% das intenções de voto, contra 38% de Bolsonaro. O PoderData, por sua vez, utiliza uma margem de erro de 3 pontos para mais ou para menos. Logo, devemos interpretar que se a pesquisa tivesse sido realizada com base em toda a população brasileira, e não apenas com base em uma amostra, a intenção de votos que esperaríamos encontrar para o candidato Lula estaria entre 44% e 50%, ao passo que o candidato Jair Bolsonaro estaria entre 35% e 41% das intenções de voto.
Pesquisas nas quais a população inteira é consultada sobre suas intenções de voto não existem. A dificuldade de tempo e aplicação dos questionários, bem como a dificuldade financeira imposta, fazem com que os institutos de pesquisa recorram, então, à seleção de amostras da população para aplicarem seus questionários e extraírem seus resultados. Com a seleção de amostras, o uso da margem de erro torna-se obrigatório. Isso porque, a margem de erro é a estatística responsável por capturar as eventuais diferenças e erros aleatórios que possam existir entre a amostra selecionada e a população real.
Com a finalidade de diminuir a diferença entre os resultados das pesquisas dos institutos, bem como entre elas e o resultado real das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a adotar a Resolução 23.364/2011. Dentre as principais mudanças da legislação está a determinação de que os institutos de pesquisa devem informar ao tribunal a margem de erro de suas pesquisas antes de irem a campo fazer as entrevistas.
Matematicamente, quanto maior a margem de erro de uma pesquisa, menor será a confiança de que os resultados extraídos da amostra estejam próximos aos valores reais observados na população. Contudo, ainda que os institutos de pesquisa brasileiros apresentem margens de erro diferentes entre si, como mostra o gráfico 1, a diferença de resultados entre elas supera, em alguns casos, as margens de erro reportadas. É o caso, por exemplo, das últimas pesquisas divulgadas pelo DataFolha e pelo PoderData. Enquanto o DataFolha divulgou que o candidato Lula teria 58% das intenções de voto no segundo turno, podendo este valor variar entre 54% e 60%, com a margem de erro de 2 pontos, o PoderData estimou que Lula teria 50% dos votos, variando entre 47% e 53%, com a margem de erro de 3 pontos. Como não há intersecção entre os intervalos, é pouco provável que as duas pesquisas correspondam às preferências reais da população.
Apesar da maior transparência imposta pela legislação do TSE, a exigência de os institutos de pesquisa terem de registrar a margem de erro pré-estabelecida antes de ir a campo é um problema. Em termos práticos, toda e qualquer dificuldade encontrada durante a realização das entrevistas não é capturada pela margem de erro reportada e usada para o cálculo dos resultados. Além disso, como abordaremos adiante, os erros de uma pesquisa dependem muito dos métodos de seleção e abordagem dos entrevistados.
Do ponto de vista da ciência da estatística, o cálculo da margem de erro de uma pesquisa só é possível quando a amostragem é probabilística. Neste tipo de seleção, todos os participantes têm as mesmas chances de serem escolhidos para compor a amostra. Como nenhum instituto brasileiro faz pesquisa eleitoral com amostragem probabilística dos participantes, as margens de erro informadas obrigatoriamente pelos institutos ao TSE não têm rigor estatístico. Isso não quer dizer que os resultados obtidos nas pesquisas não possam se aproximar da real distribuição de preferências eleitorais da população, mas que não há parâmetros científicos estritos para julgar os resultados a não ser a comparação final com os resultados das urnas, e mesmo esse é imperfeito.
A deficiência da margem de erro como parâmetro confiável de avaliação dos resultados das pesquisas faz aumentar a importância de os institutos divulgarem o processo de coleta e de composição de suas amostras. Isso porque, a depender do processo escolhido, a pesquisa pode deixar de fora dos dados, e das análises subsequentes, importantes parcelas da população.
Outra preocupação dos institutos de pesquisa com relação às amostras selecionadas deve ser o componente da estratificação. No Brasil, questões de território, bem como questões sociais atreladas à raça, gênero, escolaridade, renda, etc. importam para a composição de uma amostra que seja a mais fiel possível ao perfil da população.
É por este motivo que muitos institutos de pesquisas se preocupam com o que chamamos estratificação. As grandes empresas, como o IPEC (antigo Ibope), Datafolha, IPESPE e Quaest, utilizam, por exemplo, a amostragem aleatória estratificada por cotas. Primeiro, há a divisão da quantidade de entrevistados pelos municípios e regiões do país, para em seguida, ser realizada as devidas divisões por renda, idade, escolaridade, cor/raça ou gênero, de forma a reproduzir as proporções da população para as categorias selecionadas. Em termos práticos, a estratificação por cotas significa fazer, por exemplo, que se numa cidade a população feminina é de 60% e a masculina é de 40%, a amostra selecionada deverá ter a mesma proporção de mulheres e homens na pesquisa.
A técnica de abordagem da amostra selecionada também interfere, e muito, nos resultados das pesquisas. A depender da técnica escolhida, parcelas específicas da sociedade podem ser subrepresentadas ou mesmo excluídas das análises. Pesquisas feitas por telefone, por exemplo, tendem a deixar de fora a parcela da população que é mais pobre e não possui telefone ou que, muitas vezes, tem mais dificuldade para compreender os questionamentos, interagir com robôs ou mesmo responder aos questionamentos por esse meio. Por outro lado, nas pesquisas realizadas em domicílios, entrevistadores podem enfrentar dificuldades de acesso. Por exemplo, parte da classe alta brasileira mora em condomínios de alto-padrão que não permitem a entrada de “desconhecidos”. Da mesma forma, moradores de comunidades também podem deixar de ter suas opiniões coletadas por conta do difícil acesso às periferias.
Todos esses fatores precisam ser levados em conta na hora da análise e da interpretação dos resultados das pesquisas. Abaixo, colocamos no quadro 1 um resumo das principais técnicas de coleta das amostras, seus principais pontos positivos e negativos e os institutos de pesquisas que costumam aplicá-las.
Técnica de Coleta | Explicação | Pontos Positivos | Pontos Negativos | Institutos que usam |
---|---|---|---|---|
Ponto de Fluxo | Entrevistados são abordados em pontos específicos a cidade. | Processo de coleta é mais rápido do que a pesquisa em domicílio | Possível ausência de entrevistados que possam representar grupos específicos; problemas de viés associado ao entrevistado querer responder ao questionário sem necessariamente ter sido escolhido/ abordado pelo entrevistador. | DataFolha e Ideia |
Telefone | Entrevistas são realizadas por telefone, às vezes por robôs. | Menor custo e mais fácil do indivíduo aceitar ser entrevistado. | Exclusão da parcela da sociedade que não tem telefone, geralmente a população mais pobre; exclusão daqueles que não atendem as chamadas. | IPESPE, Futura, Ideia, Paraná Pesquisas e PoderData |
Domiciliar | Entrevistas são realizadas em domicílio. | Maior probabilidade de entrevistas com indivíduos que precisam fazer parte da amostra. | Maior custo; exclusão de determinadas parcelas da população. Exemplos: ricos que moram em condomínios que não permitem a entrada de entrevistadores e pobres que moram em localidades de difícil acesso. | IPEC, MDA, Paraná Pesquisas e Quaest |
Fonte: OLB
É preciso aqui ressaltar que em todas essas técnicas ainda podemos ter o problema associado ao viés do entrevistador. Não são raros os casos em que os entrevistadores tentam, de alguma forma, interferir ou interferir na resposta dos indivíduos. No último mês, por exemplo, a empresa de pesquisa Genial Quaest relatou que cinco entrevistas realizadas por um integrante de sua equipe de pesquisa foram descartadas, após a suspeita de que as normas de neutralidade na aplicação dos questionários não foram cumpridas. Esse é um caso raro de publicação desse problema, que a maioria dos institutos simplesmente não relata.
As pesquisas de opinião também podem apresentar importantes diferenças em seus resultados a depender do modo como o questionário é construído. A simples ordem de apresentação das perguntas pode alterar a resposta do participante. Por exemplo, há diferença entre coletar a intenção de voto do entrevistado sem lhe oferecer lista de nomes de candidatos, chamada intenção de voto espontânea, e coletar sua intenção a partir de uma lista predeterminada de candidatos, denominada intenção de voto estimulada.
As perguntas sobre intenção espontânea acabam por exigir que os respondentes tenham conhecimento prévio dos possíveis candidatos e isso nem sempre acontece. Muitos brasileiros e brasileiras desconhecem quem são os candidatos até as vésperas das eleições. Quando questionados pelas pesquisas, tais eleitores, muitas vezes, podem fornecer nomes de políticos que não necessariamente são candidatos ou podem fornecer nomes mais célebres, ou mais divulgados pela mídia — o que nem sempre pode corresponder a sua real intenção de voto.
Quando se pretende medir a intenção de voto estimulada e a pesquisa é realizada pessoalmente (ponto de fluxo e domiciliares), o modelo geralmente adotado para a pergunta é o uso de um disco circular, como mostra a figura 3. Neste disco, todos os nomes dos candidatos ocupam espaços iguais, aumentado a probabilidade de que o entrevistado visualize todos os nomes. Datafolha e IPEC costumam adotar essa técnica.
Já nas pesquisas realizadas por telefone, com a impossibilidade de apresentação de uma lista de candidatos ou de um disco, os institutos de pesquisa optam por ler os nomes de forma aleatória ou em rodízio a cada entrevista. Os respondentes, por sua vez, precisam, ainda, selecionar teclas de números específicos em seus telefones para informar as opções desejadas. Com esta técnica, por exemplo, os entrevistados podem ter dificuldade de se lembrar de todas as opções e acabar optando pela que mais memorizaram e não necessariamente pela que realmente desejavam escolher. Institutos como FSB e IPESPE adotam essa estratégia.
Ainda, é preciso aqui destacar que a depender de como são abordados ou das perguntas que antecedem as opções de voto, entrevistados podem optar por omitir suas reais preferências ou até mesmo escolher outras opções de resposta. Nas eleições de 2018, por exemplo, o instituto Vox Populi foi muito criticado por influenciar a escolha dos eleitores ao informar na pesquisa no texto da própria pergunta sobre intenção de voto, que Fernando Haddad (ex-candidato à Presidência da República) era o “Candidato do Lula”.
As pesquisas de intenção de votos não podem ser tomadas como preditivas dos resultados das eleições. As pesquisas retratam as intenções de voto para determinado candidato em determinado momento do tempo. Assim, se os resultados apresentados em um mês divergem dos resultados apresentados no mês seguinte, é preciso levar em conta a dinâmica dos acontecimentos políticos.
Por fim, como o próprio nome diz, pesquisas de intenções de voto medem as intenções dos eleitores que, por sua vez, podem mudar de opinião, levados por fatores que analistas e observadores nem sempre conhecem totalmente. Os questionários dessas pesquisas são, contudo, sempre limitados, por razões práticas e orçamentárias. Para além das intenções de voto e seu cruzamento com variáveis demográficas básicas como região de residência, idade, sexo, renda, escolaridade, ideologia/preferências pretéritas (nem sempre utilizadas) e raça (raramente utilizada) eles não são feitos com o fito de explorar questões contextuais do momento que possam estar influenciando as preferências.
Como toda atividade humana, as pesquisas de opinião estão sujeitas à malícia motivada por interesses particulares. Os resultados podem ser manipulados de várias maneiras, algumas delas comentadas acima, como na formação da amostra, na operação das entrevistas, na composição do questionário, etc, e também na divulgação dos dados. Esses podem ser divulgados em sua totalidade ou seletivamente, ou ainda totalmente ocultados. Mesmo a manipulação de resultados dentro da margem de erro, ou seja, por poucos pontos percentuais, pode ter grandes consequências para o resultado de uma eleição. Como prevenir que esses problemas aconteçam?
A única resposta possível, ao nosso ver, é mais e melhor regulação pública dessa atividade. As eleições são elemento fundamental da democracia representativa. Se seus resultados não são justos, ou seja, são distorcidos ou manipulados, todo o sistema democrático é colocado em risco. A regulação da atividade de pesquisa eleitoral é, portanto, assunto de suma relevância. O TSE tem feito um esforço meritório para regular essa atividade, mas como o contexto político, comunicacional e os parâmetros tecnológicos estão em constante mudança, é preciso constante atualização.
É saudável que instituições e agentes com claros interesses políticos e financeiros no resultado eleitoral patrocinem e divulguem pesquisas? Os institutos de pesquisa podem ser contratados por administrações de políticos para os quais trabalharam no período de campanha? Os institutos deveriam atingir metas de acerto em relação aos resultados finais da eleição, ou seja, os que erram fragorosamente devem ser punidos? Essas são questões ainda não respondidas.
Postado por OLB em 24/jun/2022 - Sem Comentários
Joyce Luz
No dia 9 de março, artistas, representantes da Sociedade Civil, lideranças de importantes movimentos sociais e de Organizações Não Governamentais (ONGs), ligadas à área de meio-ambiente, se reuniram em Brasília para o chamado “Ato pela Terra”. Organizado pelo cantor e compositor Caetano Veloso, o ato teve por objetivo reunir pessoas e organizações para protestar contra o chamado “Pacote da destruição”, em tramitação no Congresso Nacional.
O “Pacote da destruição” é atualmente composto por seis projetos de lei listados e classificados pelo “Movimento 342 Amazônia” e outros diversos atores como danosos aos interesses socioambientais. Em nota anterior, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) apresentou detalhadamente o conteúdo e impacto de cada um destes seis projetos.
Abaixo colocamos, de maneira sumarizada, a identificação e resumo das propostas.
Projeto | Resumo | Proposto por | Em análise |
---|---|---|---|
PL 2159/2021 | Flexibiliza as regras e permissões para o licenciamento ambiental. | Câmara | Senado |
PL 2633/2020 | Flexibiliza as regras para a regularização fundiária | Câmara | Senado |
PL 510/2021 | Flexibiliza as regras para o desmatamento aumentando as áreas para regularização fundiária e extinguindo a necessidade de vistoria | Senado | Senado |
PL 490/2007 | Flexibiliza as regras que versam sobre as demarcações de terras indígenas (PL do Marco Temporal) | Câmara | Câmara |
PL 191/2020 | Regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas | Poder Executivo | Câmara |
PL 6299/2002 | Flexibiliza as regras para a aquisição de agrotóxicos | Senado | Senado |
Dentre os seis projetos do pacote, quatro encontram-se em análise no Senado Federal, enquanto outros dois estão na Câmara dos Deputados. Em meio a inúmeros pedidos para que os projetos fossem barrados e em resposta aos manifestantes, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu ter cautela na análise dos projetos de lei que estão tramitando na casa e ainda ressaltou a necessidade de diálogo e de pontos de convergência para que tais propostas não sejam confundidas com a grilagem de terra e o “passe livre para o desmatamento e a violação ambiental”.
Na contramão do Senado, no entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ignorou os manifestantes. No mesmo momento em que o ato acontecia, negociou com os demais deputados e deputadas federais as condições necessárias para aprovação do requerimento de urgência de autoria do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), para ao PL 191/2020 – projeto que libera a mineração em terras indígenas. O pedido foi aprovado e agora aguarda a deliberação direta no plenário da casa. A principal consequência para o processo como um todo é que com a urgência aprovada, as comissões permanentes, bem como os parlamentares em plenário, perdem tempo e poder de análise do impacto do projeto para o país.
Após as mobilizações e trabalhos para a aprovação da PEC dos Precatórios (PEC 23/2021), que garantiu a maior vitória do governo frente ao eleitorado, o Auxílio Brasil, tanto o Congresso Nacional, quanto o Presidente da República parecem empenhados em encerrar o último ano da atual legislatura cumprindo a promessa, feita ainda em campanha, de aprovar uma agenda ambiental marcada pelo retrocesso e destruição de importantes garantias alcançadas desde 1988.
Com o objetivo de expor e denunciar o avanço dessa pauta, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou os principais andamentos e desdobramentos dos projetos no interior do Congresso Nacional na atual legislatura para identificar o comportamento dos nossos parlamentares frente ao pacote da destruição e tecer considerações sobre o que se pode esperar daqui para frente para os projetos que ainda estão sendo analisados tanto no interior da Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal.
Dos seis projetos que compõem o “Pacote da Destruição”, três deles já passaram pela análise e aprovação dos Deputados e agora esperam a análise dos senadores. São eles o PL 2159/2021 (PL do Licenciamento Ambiental), o PL 233/2020 (PL da Grilagem) e o PL 6299/2002 (PL dos Agrotóxicos).
A primeira característica que une e explica o avanço desses três projetos na Câmara dos Deputados, na atual legislatura, é a aprovação do pedido de tramitação em urgência, requerida pelos líderes partidários. A partir da aprovação de um pedido como este, todo e qualquer projeto é automaticamente retirado do interior das comissões para ser votado em plenário. O projeto ganha em termos de prioridade de votação, mas perde muito em tempo hábil de análise dos impactos de seu conteúdo, dado que os relatores das comissões permanentes são obrigados a encerrarem seus pareceres e a os emitirem em plenário, instantes antes de acontecer a votação.
Uma vez em plenário, esses projetos ainda são passíveis de serem modificados pelos parlamentares através da apresentação de emendas, cabendo também aos relatores a decisão sobre o acolhimento ou não destas. No que se refere aos três projetos citados acima, somente as emendas dos parlamentares ligados ao grupo do Centrão foram aprovadas pelos relatores em plenário. As emendas apresentadas pelos demais partidos, em sua maioria pela oposição, foram todas rejeitadas.
No entanto, esse quadro não espanta e pode ser explicado pela presença exclusiva de relatores do Centrão escolhidos para proferirem seus pareceres favoráveis às propostas e às suas respectivas emendas em plenário. A estreita relação dos relatores do PP, do PL e do Solidariedade com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), bem como com o governo resultou não só na agilidade na tramitação dos projetos, bem como na sua aprovação.
No plenário da Câmara dos Deputados, a adesão ao projeto que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental, ao projeto da grilagem e ao projeto que também flexibiliza as regras para aquisição e distribuição de agrotóxicos no país foi massiva. Mesmo com a realização de audiências públicas que trouxeram para o debate importantes grupos da sociedade civil contrários à proposta, ambos os três projetos foram aprovados por mais de 71% dos parlamentares da casa, em placares idênticos que marcaram 290 votos favoráveis contra 115. Novamente, os partidos do centrão foram os que tiveram mais parlamentares votando favoravelmente às propostas, e de forma coesa.
Os únicos dois projetos do pacote que ainda estão sob a análise dos deputados e deputadas são: o PL 490/2007, que altera a sistemática de demarcação de terras indígenas e consolida a tese do marco temporal, e o PL 191/ 2020, que libera a mineração em terras indígenas.
O PL 490/2007 está tramitando em regime ordinário e está pronto para ser votado no plenário da Casa. Tanto a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), quanto a Comissão Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), sob a relatoria dos deputados Wladir Neves (PSDB-MG) e Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), respectivamente, ofereceram pareceres favoráveis à proposta. Somente a relatora, deputada Iriny Lopes (PT-ES), da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) apresentou parecer contrário à proposta.
Já o PL 191/2020 foi o projeto que obteve o pedido de urgência, de origem do líder do governo Ricardo Barros (PP-PR), aprovado no mesmo dia em que manifestantes realizavam o “Ato pela Terra”. A julgar pelos pareceres apresentados e pelo rito de tramitação dos demais projetos já aprovados, a expectativa é a de que o cenário favorável à aprovação de ambas as propostas se mantenha.
Além dos projetos que versam sobre o licenciamento ambiental, sobre a grilagem e sobre a aquisição e distribuição de agrotóxicos, o Senado Federal ainda deve concluir a análise do PL 510/2021 que flexibiliza as regras para o desmatamento aumentando as áreas para regularização fundiária e extinguindo a necessidade de vistorias.
Apesar das promessas do Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de seguir com cautela na análise de tais propostas, a tendência é a de que os projetos, na verdade, também não encontrem resistência para serem aprovados no Senado.
Atualmente, todos os quatro PLs do “Pacote da Destruição” que se encontram na casa (PL 2159/2021; PL 2633/2020; PL 6299/2002 e o PL 510/ 2021) estão ainda na fase de análise pelas Comissões de Meio Ambiente (CMA), de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Constituição e Justiça (CCJ). Não há, até o momento, nenhuma decisão mais substantiva a respeito destas propostas.
Somente a título de realizar um exercício preditivo, o OLB analisou a composição partidária de cada uma das comissões acima citadas e do plenário do Senado. Comparando tal composição com o comportamento que os partidos políticos apresentaram na aprovação destas propostas na Câmara dos Deputados, o esperado, como mostramos no gráfico 3, é que estes projetos também sejam aprovados no Senado Federal.
Como apresentamos anteriormente no gráfico 2, a maioria dos partidos que hoje integram a CA, a CRA, a CCJ e o próprio plenário do Senado votaram majoritariamente a favor da aprovação das propostas do pacote. Ao assumirmos que partidos políticos são atores unitários, o esperado é que o mesmo comportamento apresentado por esses atores na Câmara, se repita, também, no Senado Federal.
Em um olhar mais detalhado sobre a tramitação destes projetos no Senado, a ocupação das atuais relatorias das comissões parece confirmar ainda mais o diagnóstico a favor da aprovação das propostas. O PL 510/2021 e o PL 2633/2020, por exemplo, estão tramitando conjuntamente. As matérias encontram-se na CA e na CRA, onde o relator designado, senador Carlos Fávaro (PSD- MT), já apresentou parecer favorável às propostas.
Já o PL 2159/2021 aguarda no interior da CRA o parecer da relatora e senadora Katia Abreu (PP-TO). A expectativa é a de que a relatora também emita parecer favorável à proposta que flexibiliza as regras e permissões para o licenciamento ambiental. Atualmente a senadora faz parte da bancada ruralista – defensora dos interesses do agronegócio no país e já declarou que, segundo ela, haveria um excesso de burocracias e de regras no processo de licenciamento que atrapalhariam o desenvolvimento do agronegócio no país.
Por fim, o PL 6299/2002 que trata sobre as regras de aquisição e distribuição dos agrotóxicos retornou recentemente para análise dos senadores e ainda não está sendo analisado por nenhuma comissão. A expectativa é de que a CMA e a CRA analisem a proposta. O atual presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA), no entanto, se diz preocupado com a alta probabilidade de aprovação. Compondo a minoria e oposição no interior da CMA, Jaques acredita que a maioria dos membros da comissão serão favoráveis à proposta.
Postado por OLB em 24/maio/2022 - 2 Comentários
Debora Gershon
O número de pessoas que se autodeclaram evangélicas no Brasil aumentou muito a partir das últimas décadas do século XX. Atualmente, representam aproximadamente 30% da população brasileira e 24% do eleitorado nacional. Na Câmara dos Deputados, a bancada evangélica (agrupamento informal, e por vezes volátil, de parlamentares em torno dessa identidade religiosa) também cresceu de forma expressiva, embora, na prática, seja difícil estimar esse crescimento com precisão. Geralmente associa-se à bancada parlamentares que se autodeclaram evangélicos, que ocupam cargos em instituições religiosas e que votam de forma alinhada ao grupo em questões relativas à religião e aos costumes. Pela primeira vez, em 2018, o eleitorado evangélico teve voto extremamente concentrado em um único candidato à presidência – Jair Bolsonaro –, com impacto significativo na sua vitória eleitoral. Agora em 2022, os pré-candidatos à presidência vêm desenhando estratégias específicas de aproximação com esse público, na expectativa de, se não garantir o mesmo apoio concentrado de 2018, evitar que seus competidores o façam. Todos esses fatores têm feito crescer o interesse pela análise do comportamento da bancada evangélica no Congresso, sendo muitas as especulações sobre sua adesão ao governo e seu desempenho legislativo nesses últimos três anos.
Com o objetivo de trazer luz a essas questões, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou dados da atual legislatura, mas não com foco na bancada evangélica tal qual mencionada acima e sim na Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. Diferentemente da bancada, a Frente é um órgão formalmente registrado, que requer adesão deliberada de deputados e deputadas federais e concordância com regras e propósitos específicos definidos quando da sua constituição. A opção pela análise do comportamento da Frente na Câmara, no entanto, também não é isenta de problemas. Alguns deles são examinados na próxima seção. Nas seções seguintes, apresentamos as características básicas da Frente, seu grau de coesão comparativamente ao da Casa, sua capacidade de produção legislativa e sua agenda prioritária. Uma síntese dos resultados está registrada na seção final, intitulada Pontos de Destaque.
A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional é uma frente parlamentar mista, atualmente composta por 181 deputados/as e 8 senadores. Foi fundada formalmente em 2003, embora a articulação de grupos evangélicos dentro da Câmara e do Senado remonte à Constituinte. Nem todos os membros da Frente, contudo, declaram-se evangélicos. Segundo dados coletados pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) e disponibilizados na plataforma Religião e Poder, os(as) evangélicos(as) representam somente 46% dos parlamentares membros, enquanto os católicos representam 43%. Os demais vinculam-se a outras religiões. É bom lembrar que a criação de frentes parlamentares requer a participação de um terço do Congresso, razão pela qual muitos dos que as compõem não tem uma atuação consistente do ponto de vista temático – integram-na para comunicar um interesse na agenda ao seu eleitorado e, fundamentalmente, para não se transformarem em elemento de veto da iniciativa. Há alguns estudos que retratam o baixo grau de institucionalização das frentes parlamentares no Brasil, com participação nula ou pouco ativa de grande parte dos seus membros. A existência de mais de 340 frentes registradas na Câmara é, por si só, dado relevante para entendimento desse cenário. Estudiosos do tema fazem alerta semelhante no que toca à Frente Evangélica, em particular, indicando que a defesa dos projetos alinhados à comunidade evangélica é, verdadeiramente, feita por um grupo de parlamentares bem menor. Ou seja, a composição da Frente não permite supor automaticamente o alto nível de engajamento de todos os seus membros, dado que dificulta o trabalho de avaliar seu impacto no processo legislativo. Corrobora com essa afirmação o fato de que 70 deputados (39%) da Frente Evangélica (FPE) também compõem a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FPMA) e 85 deputados (46%) a Frente Parlamentar Católica (FPC).
Além disso, os próprios evangélicos que compõem a FPE não conformam um grupo homogêneo, com interesses idênticos, pois pertencem a diferentes correntes religiosas e/ou a diferentes pólos de uma mesma igreja. Desde o início de 2019, essas diferenças têm se evidenciado em disputas pelo controle da presidência, hoje exercida pelo deputado Sóstenes Cavalcante (DEM/RJ).
Essas ressalvas, sem dúvida, tornam limitada a tarefa de entender a agenda dos evangélicos na Câmara a partir da avaliação do impacto político-legislativo da Frente Parlamentar Evangélica. Por outro lado, não é desprezível que um parlamentar a constitua, especialmente na atual legislatura, dados o seu crescimento, a sua visibilidade e, particularmente, a importância do voto evangélico. Esses fatores aumentam o “custo” de um engajamento na Frente de caráter meramente protocolar e permitem um ensaio sobre o efeito que ela produz no conjunto do processo legislativo. As seções seguintes apontam nessa direção, sem perder de vista as limitações de um trabalho dessa natureza.
A Frente Evangélica é hoje composta majoritariamente por homens. Mulheres representam 16,7% do total de membros, proporção equivalente aos 15% do total de cadeiras na Câmara por elas ocupadas. A desigualdade de gênero, portanto, está replicada na Frente, embora nela a sobrerrepresentação masculina seja um pouco menor.
Dos 23 partidos hoje representados na Câmara, 19 compõem a Frente Evangélica – o pluripartidarismo da Frente é, desde a Constituinte, estratégia da bancada evangélica para aumentar a adesão da Câmara a temas afeitos ao grupo. O PL – partido com o maior número de cadeiras da Câmara – é também aquele que empresta mais parlamentares à Frente. Dos 41 membros do partido na Frente, 51% se identificam com ela do ponto de vista religioso. O Republicanos e o PSD – que representam a sexta e a quinta bancadas da Casa, respectivamente – destacam-se em seguida. Embora a Frente não seja essencialmente conservadora, parlamentares filiados a partidos situados mais à esquerda do campo político, a exemplo do PT, PSB e do PDT, somam apenas 9 dos 181 deputados que a compõem.
A despeito das ressalvas com relação ao tratamento da Frente Evangélica enquanto bloco monolítico de atuação, os dados indicam que o seu grau de coesão, medido pelo índice de Rice, é significativamente maior do que aquele verificado na Câmara em geral, 0,77 contra 0,58. O índice de Rice varia de 0 (quando 50% do grupo vota de um jeito e 50% de outro) a 1 (quanto todos os parlamentares analisados votam da mesma maneira). Isso significa que os parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara têm posições bastante semelhantes nas votações nominais da atual legislatura, ainda que não seja possível precisar se essa coesão é de fato impactada pela participação na Frente ou se resulta, exclusivamente, de outras variáveis, a exemplo do posicionamento e da disciplina dos partidos que a integram.
A adesão dos deputados da Frente às preferências governamentais também é maior do que a da Câmara em geral – 77% contra 66%, respectivamente. A composição partidária da Frente, todavia, parece determinante para esse resultado. Os três partidos que compõem a base mais fiel do presidente Bolsonaro – PL, Republicanos e PP – somam 45% dos seus membros e representam o núcleo mais estruturado e coeso do Centrão, que vem prestando apoio mais forte ao governo do que o restante da Casa, desde o primeiro ano da atual legislatura.
Do ponto de vista do desempenho legislativo, a Frente Parlamentar Evangélica tem desempenho inferior ao conjunto da Câmara. Sua taxa de sucesso legislativo, que indica a proporção de proposições aprovadas do total de apresentadas no período, é de 0,27%, enquanto a taxa de sucesso na Câmara é de 1,15%[1]. Esse quadro se reproduz para todos os temas de que tratam os projetos movimentados, segundo classificação proposta pela própria Câmara, exceto para o tema “política, partidos e eleições”, em que a Frente apresenta taxa de sucesso de 1,31% e a Câmara de 0,96%. A título de ilustração, vale dizer que na atual legislatura 418 projetos foram apresentados sobre o assunto, dos quais 153 (37%) assinados por membros da Frente Evangélica. Apenas 4 foram aprovados.
A maior parte dos projetos apresentados pela Frente, no entanto, versa sobre temáticas majoritariamente tratadas também na Câmara de forma geral: “saúde”, “finanças públicas e orçamento”, “administração pública” e “direitos humanos e minorias”. Ou seja, há coincidência entre as agendas de parlamentares integrantes e não integrantes da Frente na atual legislatura e participação expressiva dos seus membros na autoria dos projetos aprovados sobre grande parte desses temas. Do total de matérias aprovadas na Câmara sobre “finanças e orçamento”, por exemplo, 44% são assinadas por membros da Frente Evangélica. Nos temas “administração pública” e “direitos humanos”, esses percentuais são de 31% e 19%, respectivamente. O tema “saúde” é uma exceção, porque, apesar do grande volume de propostas sobre o assunto iniciadas por parlamentares da Frente, apenas 6% das leis efetivamente contaram com a sua iniciativa.
Se observada, por outro lado, a participação da Frente apenas no total de proposições legislativas apresentadas por tema, desconsiderado o seu desfecho no plenário e/ou nas comissões (quando a votação é terminativa nesses espaços), três temas se destacam: “direito penal e processual penal” (48%), “defesa e segurança” (48%) e “processo legislativo e atuação parlamentar” (49%). Isso significa que, independentemente da aprovação desses projetos, a Frente Evangélica dá impulso a essa agenda. Os dois primeiros temas são aparentemente mais afeitos à Frente Parlamentar de Segurança Pública do que à Frente Parlamentar Evangélica, mas há uma interseção de 128 membros entre ambas. O último tema dialoga com a intenção manifesta desta legislatura de mudar alguns dos ritos do processo legislativo. Durante a presidência de Arthur Lira (PP), vale lembrar, foi aprovada uma grande reforma regimental, com redução dos poderes de veto e barganha da minoria.
Cabe ainda observar o desempenho legislativo da Frente com relação à chamada “pauta de costumes”. No final de 2020, um boletim do OLB já indicava o avanço pouco expressivo dessa pauta no Congresso a partir da análise das votações nominais de projetos classificados pela própria Câmara nos temas “defesa e segurança”, “direitos humanos e minorias” e “arte, cultura e religião”. Para identificar o ímpeto legislativo da Frente Evangélica sobre o assunto, analisamos o conjunto de proposições apresentadas e aprovadas sobre esses três temas específicos em separado. Foram 4.879 projetos apresentados, 41% dos quais iniciados por parlamentares membros da Frente. No tema “defesa e segurança”, a Frente assinou 47% das propostas, nos temas “direitos humanos e minorias” e “arte, cultura e religião”, 39%.
À semelhança do quadro observado em 2020, no entanto, a “pauta de costumes” não avançou na Câmara do ponto de vista absoluto – somente 62 dos 4.879 propostos foram efetivamente aprovados (1,27%), dos quais 4 de autoria da Frente Evangélica. Essa taxa de sucesso, contudo, é idêntica à verificada no tema “saúde”. Ou seja, do ponto de vista relativo, o dado não é desprezível, ainda que a agenda aprovada não possa ser creditada à Frente Evangélica em particular.
Para avaliar a agenda de interesse dos parlamentares que constituem a Frente Evangélica, analisamos também os seus discursos (na tribuna) sobre alguns dos temas relevantes para a sociedade brasileira nos últimos anos: Meio Ambiente e Amazônia em particular, Direitos Humanos e Agricultura/Pecuária. A tribuna é um espaço dedicado à comunicação política dos parlamentares de grande importância no processo legislativo, na medida em que revela agendas, forma opiniões dentro e fora da Casa e contribui para a conexão entre eleitos e eleitores. O índice de ativismo de tribuna (IAT) é uma métrica desenvolvida pelo OLB para analisar justamente a intensidade do engajamento parlamentar no debate temático. O IAT varia entre 1 (menor ativismo no tema) e 10 (máximo de ativismo no tema) e não informa valência (positiva ou negativa). Parlamentares que não discursaram sobre os assuntos destacados não têm nota de IAT.
Em primeiro lugar, é importante notar que a média do IAT é baixa na Câmara para os quatro temas supracitados na atual legislatura. O tema “direitos humanos” é, dentre os quatro, aquele ao qual os parlamentares da Câmara, em geral, e da Frente Evangélica, em particular, dedicam mais atenção em seus discursos. Ou seja, a Frente Evangélica se sobressai marginalmente no assunto com relação aos demais deputados e deputadas federais, embora não seja possível dizer, com os dados levantados, se esses discursos são uma resposta à pandemia de Covid-19 e ao cenário de desigualdade estrutural no Brasil ou se versam sobre questões próprias da chamada “pauta de costumes”. Essa mesma relação se reproduz nos temas “meio ambiente” e “Amazônia”, em que as médias de IAT da Câmara e da Frente Evangélica se aproximam, com pequena vantagem para a Frente. O inverso se verifica na temática Agricultura e Pecuária, embora 100 dos 181 parlamentares da Frente Evangélica também componham a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Agricultura e Pecuária | Amazônia | Direitos Humanos | Meio Ambiente | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
nota |
N |
nota |
N |
nota |
N |
nota |
N |
|
Evangélicos |
4,28 |
99 |
2,97 |
22 |
4,77 |
124 |
4,14 |
91 |
Câmara dos Deputados |
4,35 |
337 |
2,82 |
66 |
4,75 |
379 |
4,12 |
306 |
Dos parlamentares da Frente que discursaram sobre Direitos Humanos, a maior parte trata dos subtemas “segurança e justiça” (em alinhamento com o grande volume de proposições apresentadas sobre o assunto), “pessoa com deficiência”, “criança e adolescente”, “direitos amplos” (categoria na qual se enquadram uma série de direitos difusos e amplos, tais quais o direito à vida, à liberdade etc) e “mulher” (subtema com a segunda maior nota de IAT, ou seja, com o segundo maior grau de engajamento dos parlamentares). Outros temas geralmente associados à pauta potencial da Frente Evangélica, a exemplo de “cor e raça” , “sexo e gênero” e “liberdade religiosa” foram mencionados por apenas 36, 30 e 13 parlamentares membros, embora, neste último caso, a média do IAT tenha sido a terceira maior.
[1] É sempre bom lembrar que a taxa de sucesso legislativo de deputadas e deputados federais é geralmente muito baixa, dado o volume de projetos aprovados e o poder de agenda do presidente da República.
[2] Dados do Iser.
Postado por OLB em 25/mar/2022 - 1 Comentário
Joyce Luz e Debora Gershon
O ano de 2022 é o último da legislatura marcada pelo maior número de mulheres na história da Câmara dos Deputados. No entanto, mesmo com 77 deputadas federais, número duas vezes maior que a média observada desde a redemocratização, a atuação das mulheres no interior do Legislativo ainda enfrenta obstáculos e parece limitada a poucas esferas de poder. Em boa medida, tais obstáculos estão diretamente relacionados ao fato de que as mulheres não ocuparem postos-chaves das principais instâncias decisórias da Câmara dos Deputados.
Na história de nosso país, a exclusão das mulheres tem sido a regra no âmbito dos trabalhos legislativos. Desde a promulgação da Constituição de 1988, há mais de 34 anos, nenhuma mulher ocupou o cargo de maior poder e influência na Câmara: a presidência da mesa diretora.
No interior das comissões – órgãos de suma importância para a produção e análise das políticas públicas – o padrão da exclusão feminina se repete. São poucas as mulheres que conseguem ocupar o cargo de presidente de comissão. Mesmo com mais mulheres eleitas na última legislatura, essa realidade não se alterou. Em 2021, além da deputada Bia Kicis (PSL-RJ), que ocupa a presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), somente outras 5 mulheres alcançaram posto semelhante. São elas Aline Sleutjes (PSL-PR), Elcione Barbalho (MDB-PA), Rejane Dias (PT-PI), Professora Dorinha (DEM-TO) e Carla Zambelli (PSL-SP), a maioria, deputadas ligadas a partidos de direita e com pautas conservadoras.
Mas não é somente no quesito da ocupação de posições de poder no interior da Câmara que as mulheres encontram obstáculos, o mesmo se dá quanto a sua participação no processo legislativo. Deputados homens têm obtido, ao menos nos últimos dois anos, resultados superiores quando comparados às mulheres no que toca à apresentação e aprovação de projetos de lei. Enquanto em 2020, os homens aprovaram 1,3 vezes mais projetos do que as mulheres, em 2021 a taxa de sucesso dos homens é duas vezes maior do que a das mulheres.
Em suma, ainda que o número efetivo de representantes mulheres na Câmara dos Deputados tenha aumentado desde a última legislatura, os dados coletados pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) revelam que na arena legislativa as representantes mulheres enfrentam ainda muitos obstáculos para se colocarem em pé de igualdade com seus colegas do sexo masculino.
Postado por OLB em 08/mar/2022 - Sem Comentários
Debora Gershon e Júlio Canello
O presidente Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 com uma narrativa de enfrentamento da “velha política” e, por extensão, do chamado Centrão – uma agremiação com pouca identidade ideológica, marcada por fisiologismo e alinhamento à direita do campo político do Congresso, hoje constituída por PP, PL, Podemos, PROS, PSD, PTB, Republicanos, Solidariedade, Avante e Patriota, que totalizam 209 cadeiras na Câmara. As críticas de Bolsonaro ao Centrão, contudo, não resistiram à necessidade de distensionamento das relações entre o Executivo e o Legislativo. Já em meados de 2020, o presidente rendeu-se à tentativa de montagem de uma coalizão de governo, distribuindo ao Centrão ministérios e postos de segundo escalão.
Essa aproximação formal, no entanto, não foi motivada por uma suposta baixa adesão da Câmara às preferências do Planalto. Em linhas gerais, o governo Bolsonaro, desde o seu início, vem mantendo taxas expressivas de apoio na Casa, ainda que menores do que as verificadas em governos anteriores, a despeito da enorme dificuldade em definir e coordenar uma agenda legislativa propositiva e autônoma. A agenda do governo é negativa e defensiva desde 2019 e mantém essas características ainda hoje.
Sem agenda consistente, a coalizão montada depois de 1 ano e meio de mandato parece ter sido mais uma resposta eficiente (ou suficiente) às crises provocadas pelo governo em diferentes frentes: a) ambiental, com aumento vertiginoso do desmatamento e destruição paulatina do sistema de licenciamento e fiscalização; b) humanitária, dado o fracasso do Planalto na coordenação e no combate à pandemia de Covid-19; e c) política-criminal, com envolvimento da família Bolsonaro em casos de corrupção, aproximação com milícias e ameaças às instituições democráticas por meio da propagação de fake news, partidarização do Exército e incitamento ao fechamento/invasão do Supremo Tribunal Federal.
A tentativa do governo de fidelizar o Centrão pode ser lida como uma estratégia assertiva de contenção de danos, que ganha força em 2021 com a eleição de Arthur Lira (PP) — aliado do presidente Bolsonaro — à presidência da Câmara. O engavetamento de centenas de pedidos de impeachment e a resistência à abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) desfavoráveis ao governo falam a favor dessa tese, assim como a derrota do voto impresso, das reformas tributária e administrativa e de grande parte das privatizações. Mesmo com Lira na presidência da Câmara, imprimindo alto grau de centralismo aos trabalhos, não houve ganhos expressivos e sistemáticos para uma eventual agenda legislativa do Planalto.
Para avaliar melhor essa interpretação, nos debruçamos sobre os dados da atuação do Centrão dentro da Câmara desde 2019. A partir de conceitos operacionais como governismo, sucesso legislativo e natureza da agenda aprovada, buscamos respostas para as seguintes perguntas: como o Centrão se comporta nas votações da Câmara? Ele apoia o governo mais do que o conjunto da Casa? Isso mudou (e como) ao longo da legislatura? Qual é o sucesso efetivo do presidente na aprovação de sua agenda e qual é o desempenho dos projetos de parlamentares do Centrão relativamente ao conjunto dos deputados? Qual é a agenda priorizada pela Câmara e aquela emplacada pelo Centrão? A seguir, comentamos os resultados.
Do início de 2019 ao final de 2021, a taxa média de apoios[1] da Câmara ao governo Bolsonaro ficou em torno de 70%, com algumas quedas bruscas antes do segundo semestre de 2020. Comparando ao apoio médio geral, o Centrão apresenta taxas mais elevadas. Esse resultado é provavelmente produto do perfil conservador dos(as) parlamentares da atual legislatura e também da presença da oposição entre os demais partidos. Além disso, esse grupo aumentou seu apoio ao governo, entre 2019 e 2020, de 85% para 89%. O aumento é pouco expressivo, mas denota comportamento inverso ao dos demais partidos.
É importante, no entanto, ressaltar três questões. Em primeiro lugar, antes da adesão mais formal ao governo, o Centrão já apoiava a agenda do presidente em patamares superiores aos demais. Em segundo, a adesão formal ao governo não mudou expressivamente a taxa média de apoio desse grupo. A menor oscilação verificada a partir de junho de 2020 também pode ser observada no padrão do apoio dos demais partidos. Por fim, nem mesmo a eleição de Arthur Lira (PP) resultou em mudança positiva e expressiva desse quadro, afastando a hipótese de que a presidência de Rodrigo Maia (sem partido) estivesse reduzindo o efeito da entrada do Centrão no governo no que diz respeito ao apoio geral em votações. Ao contrário, essa taxa cai marginalmente na presidência de Arthur Lira, se comparada à de 2020.
Quando o foco é o alinhamento geral entre parlamentares, consideradas também as votações sem orientação do governo, o resultado é similar. A distribuição dos(as) deputados(as) em uma escala de notas de 0 a 10 (a partir da aplicação de algoritmos[1] já testado pela ciência política), em que 10 representa maior proximidade ao governo e vice-versa, revela que o número de parlamentares moderadamente governistas (nota 8) e de centro (nota 5) diminuiu com a saída do ex-presidente da Câmara. Com Lira, há aumento do número de deputados com notas 9 e 10, por um lado, mas também de parlamentares com nota 2, por outro. Isso não significa que a Câmara, em geral, atuou mais fortemente em favor do governo, mas é um indicador de que os parlamentares estão relativamente mais distantes entre si, mais polarizados.
E esse aumento da dispersão no polo à direita do alinhamento (notas mais altas), decorre, em grande parte, do deslocamento de parlamentares do Centrão. No período pré-Lira, a média das notas desse grupo ficou em 7,83. Já na atual presidência da Casa, saltou para 8,21.
Além disso, foram especialmente alguns partidos do Centrão que aumentaram seu comportamento pró-governo sob a gestão do aliado de Bolsonaro. PP, PL e Republicanos se tornaram partidos mais governistas e com alto grau de coesão. As três legendas, juntas, controlam cerca de R$150 bilhões do orçamento de 2022 e ocupam posições de destaque no governo.
A taxa de sucesso legislativo do presidente é outro indicador relevante para avaliar o avanço da agenda do governo na Câmara. Enquanto a taxa de apoio mede a adesão dos parlamentares à posição governamental em cada votação, não importando de quem é autoria do projeto, a taxa de sucesso mede o êxito do governo na transformação dos projetos de sua autoria em norma jurídica.
Mais especificamente, o indicador mostra o percentual de projetos de lei ordinária, de lei complementar e medidas provisórias do Executivo que foram exitosos ao longo do governo, por ano de apresentação da matéria.
A tendência esperada, em condições normais, é que a taxa de sucesso seja decrescente, por dois fatores: um cronológico (projetos de primeiro ano têm mais tempo para aprovação do que os de último) e outro político (a “lua de mel” no início do governo e as disputas eleitorais no fim).
As taxas alcançadas por Bolsonaro desde 2019 não estão entre as melhores. Os resultados superam os do segundo, e breve,mandato de Dilma Rousseff e se aproximam da presidência provisória de Temer, mas são menores que aqueles observados nos governos Lula e Dilma I, especialmente em 2019. O primeiro ano de Bolsonaro somente é melhor que Dilma II. Ainda que o desempenho em 2020 tenha melhorado, tal padrão não parece ter se mantido em 2021, mesmo com a entrada do Centrão no governo e com a gestão de Arthur Lira (PP) na Câmara, outro sinal de que o apoio desse grupo parlamentar ao governo não se dá tanto na direção de avançar uma agenda legislativa do presidente.
O sucesso legislativo também pode ser medido em relação ao desempenho dos parlamentares. Embora a fórmula para o cálculo da taxa seja a mesma, os resultados são substancialmente diferentes dos alcançados pelo Executivo, devido ao maior poder de agenda do presidente, que decorre de sua posição institucional, das regras do processo legislativo e dos recursos políticos a sua disposição (que incluem cargos e orçamento, mas não só). A consequência é que, em geral, enquanto as proposições do executivo são mais discutidas e aprovadas, é raro que deputados, individualmente ou mesmo em grupo, consigam emplacar os projetos que apresentam, transformando-os em lei. Por conta disso, a comparação relevante para analisar o espaço do Centrão na produção legislativa é relativa ao conjunto dos deputados.
Na atual legislatura, o percentual de projetos de iniciativa de parlamentares aumentou em 2020 e decaiu em 2021. Padrão semelhante ocorreu quanto às proposições do Centrão, mas com diferenças dignas de nota. O salto ocorrido no segundo ano do governo, época das tratativas para a entrada do Centrão na base de apoio de Bolsonaro, foi mais expressivo – sua taxa de sucesso passou de 0,7% para 2,05%, enquanto outros deputados só aprovaram 0,82% dos seus projetos nesse mesmo ano. E, apesar da diminuição em 2021, o desempenho do Centrão seguiu superior à média de todos os parlamentares.
Esse quadro, contudo, não é exclusivo da atual legislatura. Embora em 2020, o grupo tenha alcançado a sua maior taxa de sucesso desde 2003, de lá para cá o Centrão tem obtido sucesso legislativo sistematicamente maior do que o do restante da Casa, exceto em alguns anos durante os governos Lula. Isso nos permite dizer que, nas últimas duas décadas, as chances de um projeto de iniciativa de parlamentares virar lei é maior se o autor (ou um dos autores) pertencer a um partido do Centrão.
Resta-nos avaliar se os temas que compõem as agendas do governo e do Centrão foram similares ou não, de 2019 a 2021. Como as taxas anuais de sucesso já indicavam, o governo não tem emplacado significativamente sua agenda em termos numéricos. Até agora, apenas 34% das proposições apresentadas entre 2019 e 2021 se tornaram lei. O desempenho relativo do Planalto foi melhor em temas com poucos projetos, como turismo, Direito Civil e Processo Civil e estrutura fundiária. Em termos absolutos, o maior número de matérias aprovadas está nos temas Administração Pública (33), Finanças Públicas e Orçamento (32), Saúde (27), Economia (20) e Trabalho e Emprego (16). Mesmo no tema com maior número de projetos apresentados, Finanças Públicas e Orçamento, a taxa de aprovação foi relativamente baixa (28%).
Na Câmara, a agenda aprovada em maior número inclui proposições relativas à Finanças Públicas e Orçamento, embora o tema Saúde também tenha sido proeminente. Se considerados os 7 temas de maior relevância para o governo e para a Câmara, há apenas uma diferença mais significativa: o governo investiu mais em Economia enquanto a Câmara priorizou Direitos Humanos e Educação. Fora isso, ambos avançaram legislação relativa às Finanças Públicas e Orçamento, Saúde, Administração Pública, Trabalho/Renda e Previdência. Governo e Câmara, portanto, aprovaram agendas sobre temas bastante semelhantes. Outro ponto que merece destaque, para além do sucesso legislativo geral do Centrão, é a proeminência do grupo na autoria de praticamente todos os temas cujas proposições, entre aquelas apresentadas por deputados, foram transformadas em lei.
Apesar da retórica da campanha em 2018, não houve, na Câmara, desde o início do governo, oposição entre Bolsonaro e os partidos do Centrão. Ao contrário, o Centrão tem garantido apoio sistemático ao executivo nas votações, em patamar bastante superior ao oferecido pelos demais partidos. Isso, contudo, não é uma singularidade do governo Bolsonaro e também não resulta da eleição de Arthur Lira (PP) para a Mesa Diretora. O efeito de estabilização no apoio em votações se dá antes de sua ascensão ao comando da Casa e o alinhamento mais estreito com o governo, depois disso, se destaca em algumas bancadas particulares, incluindo a do PP. Ou seja, para o avanço da agenda legislativa presidencial, a entrada do Centrão no governo de fato não representou mudanças importantes. O sucesso legislativo do presidente é baixo e assim permaneceu até o final de 2021.
Por outro lado, o aumento da distribuição de recursos e cargos ao Centrão a partir de 2020 parece ter repercutido na sua capacidade de aprovar projetos de autoria de seus parlamentares, comparativamente aos demais deputados. Embora essa diferença seja relativamente pequena, o fato de o Centrão não ter maioria da Casa (209 entre 513 parlamentares) torna o achado relevante. Mais importante que isso, contudo, é que o Centrão aumenta, em 2020, o seu próprio desempenho com relação ao ano de 2019. Na arena legislativa, esse parece ter sido o principal efeito do ganho de mais espaço no Planalto.
Do ponto de vista da natureza da agenda, governo e Centrão seguem, aparentemente, na mesma direção. Os temas mais priorizados por ambos são praticamente os mesmos, com poucas exceções. Além disso, o nível de apoio oferecido ao governo em votações desde 2019 também sugere relativa convergência de interesses sobre políticas públicas, ao menos quando consideradas as preferências manifestas do Planalto e formalmente apresentadas em proposições legislativas.
No âmbito do processo legislativo, para além das retóricas e narrativas de campanha voltadas ao eleitor, o governo Bolsonaro e o Centrão, majoritariamente, nunca estiveram em lados realmente opostos. A maior distribuição de recursos para o grupo, a partir do segundo semestre de 2020, manteve tudo como estava. O ganho para o governo foi ter se mantido de pé.
[1] A taxa considera somente votações nominais com orientação do líder do governo e com diferença entre maioria e minoria dos votos de pelo menos 10%.
[2] W-nominate, que extrai dimensões latentes a partir dos dados de votação. Utilizamos a dimensão com maior poder explicativo, usualmente interpretada, para o caso brasileiro, como sendo governo-oposição. Parlamentares com padrões de votação similares receberam scores similares. Quanto maior a diferença nos padrões de votação, maior a distância entre os scores.
Postado por OLB em 22/fev/2022 - Sem Comentários
Joyce Luz, João Feres Júnior e Debora Gershon
No último dia 21 de janeiro o Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), sancionou a Lei Orçamentária de 2022 (LOA 2022) – PLN 19/2021. A proposta originalmente elaborada pelo Executivo chegou para análise e alterações do Legislativo ainda no final de agosto. Após mais de 3 meses e meio de tramitação no interior do Congresso Nacional, a Comissão Mista de Orçamento (CMO), sob o comando da Senadora Rose de Freitas (MDB-ES) e com a relatoria-geral atribuída ao Deputado Hugo Leal (PSD-RJ), devolveu a LOA de 2022 para a sanção presidencial.
Durante a tramitação da proposta, houve muitos pontos e acontecimentos que impactaram não só o conteúdo da proposta orçamentária, como também a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, por exemplo, aumentou as receitas disponíveis do governo e abriu margem para a criação do Auxílio Brasil — novo programa de transferência de renda anunciado pelo Governo Federal ainda em 2021. Ao mesmo tempo, o corte efetuado pelo Legislativo de cerca de 50% do orçamento, planejado para as receitas do Ministério da Economia, desagradou ao presidente e à equipe econômica.
A última polêmica envolvendo o Orçamento da União, previsto agora para 2022, foram os vetos em áreas importantes para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida no país frente à manutenção de algumas despesas e gastos “supérfluos” do Presidente da República na peça orçamentária. Com um total de vetos às receitas, que ultrapassa os 3 bilhões de reais, os Ministérios do Trabalho e da Educação foram os que mais sofreram com os cortes. Como já apurado pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), enquanto o Ministério do Trabalho perdeu mais de 1 bilhão de reais de sua receita, o Ministério da Educação perdeu algo em torno dos 800 milhões de reais – as subáreas mais atingidas foram a educação básica, o fundo de desenvolvimento da educação e o fomento às pesquisas.
Diante desse cenário e incentivado, sobretudo, pelos recentes cortes na Educação, o OLB analisou a evolução das despesas[1] e investimentos do governo nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia de 2000 a 2022, levando em conta não só o orçamento em sua totalidade, mas também o montante destinado a investimentos, melhorias e criação de novas políticas públicas.
O foco das análises recai sobre o Ministério da Educação (ME) e sobre o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), tendo em vista que os dois ministérios abrigam as duas principais agências responsáveis pelo fomento à pesquisa no Brasil, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no ME, responsável pelos programas de Pós-Graduação de todo o país, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal entidade que promove o financiamento de pesquisas no país, no MCT.
O presente relatório está dividido em três seções principais. A primeira analisa o Orçamento da União em sua totalidade e as verbas especificamente destinadas a investimentos. A segunda apresenta dados e interpretações do orçamento e dos investimentos no Ministério da Educação e na CAPES. A terceira, por sua vez, trata de análise semelhante à da segunda, mas com foco no Ministério da Ciência e Tecnologia e no CNPq.
Cabe aqui registrar que todos os valores de receita foram corrigidos pela inflação acumulada[2] no período. A principal fonte oficial de extração dos dados utilizada foi a plataforma do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP)[3].
O valor aprovado para o orçamento de 2022 é o maior desde 2000, atingindo 4,73 trilhões de reais, conforme observado no Gráfico 1. Este valor é bastante superior à média anual da série de 3,61 trilhões de reais.
O valor total do orçamento, contudo, é pouco elucidativo das prioridades dos governos. É preciso olhar sua distribuição pelo Grupo de Natureza das Despesas (GND). O GND é uma classificação do orçamento cuja finalidade é identificar e agrupar por semelhança os objetos de gasto governamental. Há 7 grupos de despesa, de acordo com a classificação adotada pelo Governo:
Dentre esses 7 GNDs, o grupo “Investimento” e “Outras Despesas Correntes” são os únicos que permitem remanejamento das verbas e receitas alocadas. Os demais grupos comportam despesas obrigatórias, ou seja, não passíveis de cancelamento ou modificação ao longo da execução do ano orçamentário. Para este relatório, priorizamos a análise das receitas de investimentos, visto que elas garantem a melhoria e criação de novas políticas públicas.
Como apresentado no Gráfico 2, os dois grupos que mais recebem recursos no orçamento ao longo dos anos são os de Amortização da Dívida e de Outras Despesas Correntes. Na média, Amortização da Dívida ocupa 45% das receitas aprovadas, enquanto as Despesas Correntes ocupam 31%. O mais preocupante, no entanto, é o grupo de Investimentos que recebe, em média, apenas 2% dos valores aprovados para o orçamento.
Conforme mencionado anteriormente, o grupo de Investimento é o que mais permite ao Governo criar e melhorar políticas públicas. Essa rubrica é fundamental para benfeitorias e ampliação de políticas e obras nas áreas de Saúde, Educação, Habitação, Infraestrutura, Lazer, Transporte etc.
O Gráfico 3, revela que, desde 2016, esses valores vêm caindo vertiginosamente no Brasil. Após 8 anos de valores crescentes, durante os governos do PT, com pico de 139 bilhões de reais em 2013, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o valor aprovado para o grupo caiu para um patamar de aproximadamente 40 bilhões durante o Governo Bolsonaro, ou seja, foi reduzido a menos de um terço do maior valor da série.
Considerada como uma das prioridades de todos os governos, a área de Educação tem previsão para receber em 2022 aproximadamente 137 bilhões de reais –valor próximo ao pico da série, que é de 142 bilhões em 2014, atingido após anos consecutivos de crescimento expressivo. Vale ressaltar, no entanto, que o orçamento total da Educação em 2022, superior em 60 bilhões ao aprovado em 2021, apenas reverte o quadro de sucateamento observado desde 2015, aprofundado em 2020 e, particularmente, em 2021. Os dois anos marcam a eclosão e o agravamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, sem resposta à altura do Governo Federal na área.
Se considerarmos as parcelas destinadas ao Investimento, além disso, o quadro é ainda mais desanimador, como mostra o gráfico 5, a seguir. Novamente, observamos um padrão consistente de crescimento da proporção dos investimentos no orçamento total da Educação ao longo do segundo mandato do presidente Lula (2006-2010) e do primeiro mandato de Dilma Rousseff até 2015. Depois desse ano, há queda de 17% para 14% ainda na gestão da presidente. O governo Temer chega a diminuir os investimentos para 10% e no governo Bolsonaro essa parcela é reduzida a 8%.
O gráfico 6 apresenta os investimentos em termos absolutos. Nele, o tamanho da redução fica ainda mais evidente. De um pico de 21 bilhões em 2015, caímos para um valor seis vezes menor em 2022 – 3,5 bilhões.
Considerada uma Unidade Orçamentária (UO) pertencente ao Ministério da Educação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) depende para funcionar dos recursos do ministério. O gráfico 7 apresenta os valores aprovados para o orçamento da CAPES ao longo dos últimos 22 anos. Assim como observado no orçamento total do Ministério da Educação, os recursos destinados à CAPES começam a crescer durante os governos petistas, embora mais expressivamente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Depois de 2015, que corresponde ao pico da série histórica aqui analisada (8,54 bilhões), as receitas da agência entram em ritmo de queda, atingindo a marca de 1,9 bilhões de reais em 2021 –valor mais de 4,5 vezes menor do que o de 2015. Em 2022 o orçamento previsto para a agência subiu para 3,8 bilhões, mas este valor ainda é muito inferior aos mais altos da série.
O gráfico 8 apresenta os valores absolutos de investimento da CAPES nos últimos 22 anos. O destaque aqui é para as duas piores marcas já observadas na série e que acontecem sob o governo do presidente Bolsonaro: a) em 2021 a CAPES não recebeu nenhum recurso para a área de investimento; b) o recurso aprovado para 2022 é o menor valor já destinado para investimentos na Capes nesses 22 anos: parcos 8,11 milhões de reais.
Responsável por toda a área de pesquisa e tecnologia no país, o Ministério da Ciência e da Tecnologia possui orçamento cerca de 10 vezes menor que o Ministério da Educação. O gráfico 9 mostra que a receita aprovada para o órgão não ultrapassou o valor de 19, 4 bilhões de reais – melhor marca alcançada em 2017. O padrão da curva difere do observado nos gráficos do ME, contudo. Nota-se o mesmo crescimento ao longo dos governos do PT, mas ele continua sob Temer, ainda que com enorme variação, decaindo fortemente no governo Bolsonaro, com destaque para o ano pandêmico de 2021. Trata-se de um governo, portanto, que, a despeito da própria pandemia, não investe em ciência e tecnologia.
Além do baixo valor de receitas aprovado para este ministério ao longo dos anos, a parcela de investimentos também é baixa, como mostra o gráfico 10. O pico ocorreu em 2007, durante o governo Lula, com a tímida marca de 4%, e nos anos do governo Bolsonaro regrediu para uma média de 1,5% ao ano.
Ao considerarmos os valores absolutos destinados para investimentos em Ciência e Tecnologia, podemos observar crescimento em boa parte do governo petista, mas um padrão de queda que já começa em 2012 e vem até os dias de hoje. A queda de 2012 para 2021 foi de 3,34 bilhões para 240 milhões, ou seja, um valor quase 14 vezes menor. Para 2022 há um aumento no valor, mas bastante tímido.
O CNPq é a agência que financia a maior parte da pesquisa e desenvolvimento científico no país. Considerado como uma unidade orçamentária (UO) – tal como a CAPES –, o CNPq possui suas receitas vinculadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Como mostra o gráfico 12, diferentemente do padrão identificado em gráficos anteriores, a série temporal começa em patamares relativamente altos, no final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, permanece em patamar mais baixo ao longo dos dois governos Lula e passa por crescimento contínuo sob Dilma para cair estrepitosamente a partir da presidência de Temer. O governo Bolsonaro produziu o valor mais baixo da série em 2021, 540 milhões de reais –que corresponde a valor mais de cinco vezes menor que o pico de 2013, 2,77 bilhões. Em 2022 está previsto um gasto maior, mas que ainda assim será o segundo mais baixo da série.
Com a lupa no orçamento destinado a investimentos no interior do CNPq, observa-se que a quantidade de recursos alocados ao longo dos anos varia muito. De qualquer forma, a tendência geral é de queda no Governo Bolsonaro. Em 2020 a entidade recebeu apenas 9,9 milhões de reais, passando para 11,9 milhões em 2021 e chegando aos 16,67 milhões de reais agora em 2022 – valores bem inferiores à média de 48,72 milhões de reais para o período analisado.
[1] Somente foram considerados os valores aprovados (Dotação Inicial) do Orçamento da União
[2] O índice escolhido foi o IPCA (Índice de Preços do Consumidor), disponibilizado pelo Banco Central na seguinte plataforma: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/indicepreco
[3] https://www.siop.planejamento.gov.br/modulo/login/index.html#/
Postado por OLB em 20/dez/2021 - Sem Comentários
Debora Gershon e Joyce Luz
No dia 1 de fevereiro de 2021, o deputado Arthur Lira (PP-AL) foi eleito presidente da Câmara dos Deputados com o apoio público do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), esperançoso de uma relação menos conflituosa com o parlamento. A aproximação efetiva de Bolsonaro ao Centrão (do qual o PP faz parte), desde meados de 2020, foi fator fundamental para a vitória de Lira contra o deputado Baleia Rossi (MDB), candidato do ex-presidente da Casa, Rodrigo Maia (sem partido). Do ponto de vista econômico, as agendas de ambos eram bastante próximas às preferências do governo. Politicamente, contudo, Lira prometia maior alinhamento em pautas de interesse do presidente em troca de mais controle na distribuição de recursos e cargos, ainda que mantivesse o tom, enfatizado por Maia ao longo do seu mandato, de independência política do Legislativo frente ao Executivo.
A consagração da vitória de Arthur Lira (PP) à presidência da Casa, portanto, criou expectativas com relação à natureza da agenda legislativa do ano. Em linhas gerais, esperava-se maior avanço das reformas estruturais mirando o enxugamento da máquina pública – tão ao gosto da agenda liberal que une as forças à direita do espectro político e supostamente importantes para a agenda eleitoral do presidente Bolsonaro em 2022 –, avanço moderado de pautas políticas conservadoras e maior ímpeto legislativo para aumento da participação dos deputados na alocação de recursos orçamentários (tendo em vista o perfil dos partidos que compõem o Centrão). Isso mesmo diante do prolongamento do uso do Sistema de Deliberação Remota (SDR) da Câmara, instituído em decorrência da Covid-19, que impôs restrições institucionais formais à agenda do parlamento durante a pandemia, a exemplo da exigência de votação de projetos preferencialmente relacionados à crise sanitária. Em outras palavras, a despeito do SDR, a expectativa geral de alguns estudiosos e da mídia era a de uma produção da Câmara mais alinhada às preferências governamentais.
Depois de quase um ano de gestão, descobrimos que o prognóstico desenhado estava apenas parcialmente correto. A reforma administrativa foi praticamente engavetada, a tributária está em processo de aprovação a duras penas, com redução significativa do escopo das propostas iniciais, o Bolsa Família foi enterrado e substituído pelo programa Auxílio Brasil, cujo financiamento é ainda incerto, o voto impresso foi rejeitado e a participação do legislativo no planejamento orçamentário aumentou de forma significativa, discricionária e pouco transparente, a partir do uso deliberado das emendas de relator (o chamado “orçamento secreto”). É difícil mensurar, do ponto de vista qualitativo, se o saldo foi positivo para o Bolsonaro. Todavia, não faltaram esforços de Arthur Lira (PP) para dar prosseguimento às pautas mais caras ao governo e a seus aliados.
A gestão de Lira tem sido caracterizada por alto grau de centralização decisória, mesmo após a suspensão parcial do SDR, que resultou em maior concentração dos trabalhos legislativos nas figuras dos líderes e do presidente da Mesa, devido à suspensão do trabalho das comissões. Ao longo de sua gestão, Lira tem manejado o regimento interno de forma surpreendente, atropelando ritos, levando à votação projetos cujo teor não foi previamente compartilhado com os deputados, criando comissões especiais para encurtar o tempo de debate, substituindo comissões especiais por grupos de trabalho e amparando a aprovação de emendas de plenário em desacordo com as regras regimentais. O debate sobre a reforma eleitoral para 2022, que, ao fim e ao cabo, trará aspectos positivos para a competição em virtude da interdição da Câmara pelo Senado, é um exemplo nessa direção; a votação da PEC do Ministério Público é outro.
Além disso, Lira conduziu a Câmara à aprovação de uma nova reforma regimental ainda em maio de 2021. A Resolução 21/2021 modificou um conjunto de artigos legitimamente utilizados pela oposição para a obstrução das votações, alterando elementos centrais do debate e da deliberação (tempo das sessões, qualidade da comunicação, destaques e emendas). O resultado foi a eliminação de recursos protetivos e de barganha da minoria, com impacto negativo na amplitude da representação.
Para uma melhor avaliação quantitativa dos resultados da gestão de Lira ao longo de 2021, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) fez um balanço comparado do ano legislativo atual com o de 2020, considerando todas as proposições tramitadas no período. Visando garantir maior comparabilidade dos dados, optamos por um recorte temporal que se estende do início de fevereiro de 2020 ao final de outubro de 2021, já que, a partir de novembro deste ano, a Câmara voltou ao trabalho presencial pleno, com regras distintas daquelas previstas no SDR, em que não havia funcionamento das comissões e todo o trabalho legislativo estava sendo realizado de forma remota.
Analisamos, especificamente, o volume de matérias tramitadas, o volume e a natureza das proposições aprovadas, o tempo de tramitação das proposições e a taxa de apoio recebida pelo governo nas votações nominais na expectativa de captar diferenças específicas que marcaram as presidências de Rodrigo Maia (sem partido) e de Arthur Lira (PP).
O relatório se divide em sete sessões: panorama geral, proposições tramitadas por partido, distribuição das proposições movimentadas por tema, leis aprovadas em 2021, velocidade de tramitação, apoio ao governo e pontos de atenção.
No ano de 2021, 13.233 matérias tramitaram na Câmara contra 7.846 em 2020 – um crescimento de 68%. E isso mesmo levando em conta o fato de o recorte temporal definido não contabilizar os meses de novembro e dezembro de 2021.
Nos últimos dois anos, houve predominância absoluta de matérias tramitadas de iniciativa do Legislativo – de modo similar a outras sessões legislativas –, mas caiu, em 2021, a proporção de proposições movimentadas de autoria do Executivo. Em 2020, 2,4% do total de proposições tramitadas foram iniciadas pelo governo, contra 1,3% em 2021. Isso, no entanto, é provavelmente resultado direto do menor encaminhamento de projetos por parte do Executivo em 2021 (60 contra 130 em 2020).
É importante ressaltar que, dentre as proposições tramitadas no período, estão aquelas apresentadas nos anos de 2021, mas também outras iniciadas em 2019 e 2020 e até mesmo em legislaturas passadas. A proposta de reforma eleitoral votada na Câmara nos últimos meses, por exemplo, esteve amparada em projetos apresentados em 2011, 2015, 2019 e 2021. Essa é uma das razões pelas quais optamos por analisar matérias tramitadas no ano, mesmo que iniciadas em outros. Elas nos permitem traçar um quadro mais fidedigno da agenda negociada do Legislativo, tendo em vista que a tramitação de determinada proposta exige mais do que a sua apresentação, que pode ser um ato, inclusive, exclusivamente individual. Em 2021, a maior parte das proposições tramitadas foi iniciada em 2020. Em 2020, houve maior tramitação das propostas apresentadas no próprio ano.
Do ponto de vista dos tipos de projetos, considerados aqueles de maior importância no trabalho legislativo – Medida Provisória (MPV), Proposta de Emenda Constitucional (PEC), Projeto de Lei Ordinária (PL) e Projeto de Lei Complementar (PLP) – a sessão legislativa de 2021 se distingue significativamente da de 2020 para além do fato de que houve aumento do número de proposições tramitadas.
Em 2021, por exemplo, houve queda de 35% na tramitação de MPVs e aumento de 122% no número de PECs movimentadas – esse aumento é muito maior do que aquele verificado para PLs e PLPs (70% e 57%, respectivamente).
Quando avaliada a autoria dessas proposições, observa-se, naturalmente, que PT e PSL se destacam na autoria das proposições tramitadas. Isso porque são os partidos com maior número de assentos na legislatura, o que aumenta o volume total de projetos de iniciativa das bancadas, bem como sua capacidade de pressão sobre a pauta legislativa.
Se observada, no entanto, a proporção de projetos tramitados, considerado o tamanho de cada bancada, surpreende o baixo volume per capita de proposições tramitadas de alguns partidos do Centrão, com grande número de assentos, a exemplo do PL tanto em 2020 como em 2021. Partidos pequenos, ainda que excluídos aqueles cuja bancada não tem sequer 5 deputados, foram exitosos na movimentação de alguns dos projetos de sua autoria, a exemplo do Cidadania, do Podemos e do PCdoB.
A distribuição temática das proposições tramitadas na Câmara em 2021 é praticamente idêntica à de 2020. Dois fatores podem ser considerados a esse respeito. Em primeiro lugar, é bastante razoável supor que projetos tramitados em determinado ano continuem tramitando no seguinte. Do ponto de vista dos temas abordados, portanto, a diferença de um ano para o outro tende a ser marginal. Em segundo, a conjuntura socioeconômica nos dois anos é bastante semelhante. A concentração dos trabalhos legislativos em proposições relativas à Saúde, Direitos Humanos e Minoria e Finanças Públicas e Orçamento provavelmente responde ao quadro pandêmico enfrentado desde 2020. No ano passado, quase 58,5% das proposições tramitadas tratavam desses três temas. Em 2021, essa proporção caiu para 52,1%. A pequena queda, inclusive, na proporção de projetos financeiros e orçamentários movimentados em 2021 pode ser justificada pela exclusão metodológica dos projetos tramitados no mês de novembro, geralmente mais dedicado a tratar questões com impacto nas finanças e no orçamento da União.
Dentre as matérias movimentadas nos anos de 2021 e 2020, 71 e 61 foram transformadas em lei, respectivamente – uma ínfima parte do total de tramitadas em cada ano, ainda que haja reconhecimento de que a transformação de uma proposta em norma jurídica depende, também, de trabalho realizado no Senado e não exclusivamente na Câmara. Se consideradas somente as matérias aprovadas no plenário da Câmara, o resultado ainda assim é semelhante. Foram 153 em 2021 contra 140 em 2020.
Apesar da predominância do Legislativo na autoria das matérias examinadas, boa parte das leis aprovadas resultam de projetos iniciados pelo Executivo, devendo ser ressaltado que essa não é uma singularidade desta legislatura, mas um dado recorrente do período pós-redemocratização. No entanto, diferentemente do que se esperava no começo da gestão de Arthur Lira (PP), as leis aprovadas em 2021, comparativamente às de 2020, têm menor participação do governo – 23% contra 44%, uma queda significativamente maior do que aquela verificada na proporção de matérias movimentadas de sua autoria. Novamente, o quadro não é muito diferente quando avaliado o desempenho exclusivo da Câmara – ao contrário, a participação do governo diminui ainda mais.
Assim, a despeito da menor iniciativa legislativa do Executivo, a gestão de Lira não aumentou o “carimbo” do governo na agenda aprovada pelas duas casas. Há uma hipótese alternativa, cuja checagem permitiria compreender mais profundamente o cenário – a de que em legislativos presididos por aliados, parte da agenda governamental é aprovada por meio de projetos do próprio legislativo. De qualquer modo, enquanto a teoria política nos ajuda a entender que, em geral, o trâmite, não explícito, da agenda governamental requer capacidade de coordenação do Executivo, a conjuntura nos permite observar que, de 2020 para 2021, os avanços em termos de coordenação, pelo Planalto, da bancada governista na Câmara foram marginais.
Com relação aos tipos de proposições que viraram leis, observa-se pequeno acréscimo de Propostas de Emenda Constitucional (PEC), a despeito do grande aumento de proposições desse tipo tramitadas ao longo do ano.
Nesse caso, no entanto, a avaliação das proposições aprovadas no plenário da Câmara, mas não transformadas em lei revela esforço maior da Casa em mudar a Constituição. O resultado, portanto, pode indicar interdição do Senado, que não aprova as propostas encaminhadas pela Câmara ou, ao menos, não as aprova na mesma velocidade.
Os temas das novas normas jurídicas acompanham, em geral, a distribuição observada no total de matérias tramitadas, embora em 2021 tenha havido foco maior em Saúde e em 2020 em Finanças e Orçamento.
Em 2021, PT, PV, DEM, PP, PCdoB e PSB foram os partidos que mais assinaram proposições de iniciativa do Legislativo transformadas em lei. Em 2020, destacaram-se PP, PSDB, PSL, Cidadania, DEM e MDB. Nesses dois anos, contudo, há uma dispersão da autoria por diversos partidos.
Com o objetivo de verificar se a gestão de Lira (PP) resultou em tramitação mais célere das proposições legislativas, avaliamos também o tempo médio, medido em dias, observado entre o primeiro dia da movimentação dessas proposições no ano de referência e a sua primeira discussão no plenário. Ou seja, a despeito de um projeto ter tramitado em outras legislaturas, o ponto zero definido neste estudo é a sua primeira nova movimentação nos anos de 2020 e 2021 para análise do tempo médio de tramitação nesses dois anos, respectivamente.
Isso nos fornece uma proxy do ritmo do trabalho empreendido por Lira e por Maia, ainda que, para efeito de cálculo, não considere que proposições com tramitação mais avançada tendem a andar, de fato, mais rapidamente. Uma solução possível para esse problema seria incluir na análise apenas os projetos efetivamente iniciados em cada ano. Nesse caso, contudo, perderíamos de vista que a agenda prioritária anual da Câmara nem sempre dialoga com os projetos apresentados naquele ano. Não é usual que um projeto chegue ao plenário na mesma sessão legislativa em que foi apresentado.
Os resultados dessa investigação, consideradas as ressalvas que essa escolha metodológica exige, revelam pouca diferença no ritmo de tramitação de diferentes proposições entre 2020 e 2021. Na gestão de Lira (PP), na verdade, houve acréscimo do tempo médio de movimentação de propostas iniciadas por deputados e acréscimo marginal no tempo médio de andamento da agenda proposta pelo Executivo.
A avaliação do tempo médio de tramitação para cada tipo de proposição legislativa de maior interesse resulta em conclusão semelhante, destacando-se um tempo maior de tramitação das PECs, o que pode ter relação com o número mais elevado de propostas desse tipo tramitadas em 2021.
Para medir o apoio ao governo nas votações de 2021, comparativamente a 2020, optamos por selecionar somente os projetos em cuja votação nominal houve orientação de voto por parte da liderança do governista. Em seguida, analisamos, exclusivamente para esses casos, a proporção de apoio do plenário à preferência manifesta do governo.
Com essa opção, pretendemos analisar as proposições teoricamente mais caras ao Planalto, considerada a premissa de que votações mais importantes exigem, em geral, algum grau de coordenação. É importante ressaltar que, com essa escolha, não desconsideramos que possa ser estratégico para o governo não apresentar, em plenário, a sua posição formal quando há risco de derrota, mas também quando há certeza de vitória. Ainda assim, essa é uma proxy que apresenta três vantagens: inclui iniciativa na mensuração; não superestima o apoio conferido ao governo por considerar votações que, na verdade, não lhe são importantes, e não elimina do cálculo o apoio por ele recebido mesmo quando há votações mais consensuais, o que significa que consideramos que o governo pode receber apoio quase unânime da Casa como resultado da sua própria articulação.
De acordo com essa metodologia, a taxa de apoio ao governo na gestão de Lira foi de 74%, muito próxima à observada em 2020, durante o mandato de Rodrigo Maia (76%). Não houve, portanto, aumento sistemático no apoio ao governo em 2021, conforme esperado inicialmente, embora as taxas sejam bastante altas nos dois anos.
Também ao longo dos dois anos, há variação mensal dessa taxa de apoio ao longo do ano – de 68% a 83% em 2021 e de 69% a 99% em 2020. Em 2021, portanto, o cenário é, inclusive, sensivelmente pior para o Planalto, especialmente no mês de outubro.
Postado por OLB em 17/dez/2021 - Sem Comentários
Em 2022, a Lei Federal 12.711/2012, também conhecida como Lei de Cotas, completa 10 anos. A lei garante a reserva de 50% das vagas, em instituições de ensino superior e técnico vinculadas ao Ministério da Educação, a estudantes oriundos da escola pública. Essa reserva, por seu turno, se divide, meio a meio, entre estudantes de renda familiar per capita inferior a 1,5 salários-mínimos e superior a essa marca. Dentro de cada um desses subgrupos se aplica uma reserva de vagas para estudantes pretos, pardos e indígenas na proporção de sua participação na população da unidade federativa na qual a instituição é localizada. Além disso, estipulou revisão dessa regra após 10 anos. O prazo, portanto, se encerra em 2022, embora o Congresso Nacional esteja discutindo a possibilidade de prorrogar a política até 2032. A proposta está contida no substitutivo do relator, deputado Fábio Trad (PSD-MS), ao PL 1.788/2021, que tramita em caráter terminativo pelas comissões da Câmara e atualmente está aguardando parecer do relator na Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM).
O momento para discutir a revisão e a eventual prorrogação da lei de cotas não poderia ser mais desafiador. Os dez anos de sua vigência demonstraram cabalmente que as previsões catastróficas feitas pelos opositores dessas políticas, como o baixo desempenho acadêmico dos cotistas e o aumento do conflito racial nas universidades, entre tantas outras, eram infundadas. A política de fato resultou em uma efetiva e qualificada democratização do ensino superior brasileiro. Contudo, houve nos últimos anos um crescimento expressivo da direita no país e no Congresso e o tema das cotas têm o potencial de se tornar, mais uma vez, uma bandeira dessas forças políticas em seu esforço de se diferenciar da esquerda progressista.
Diante desse cenário, o OLB realizou uma análise sobre como o tema vem sendo tratado na Câmara dos Deputados, com o objetivo de melhor entender os desafios que a revisão da Lei 12711/21 enfrentará nessa casa. Para isso, levantamos as proposições indexadas com o termo “Lei de Cotas de Ingresso nas Universidades”, movimentadas na atual legislatura. A maior parte das proposições identificadas a partir desse critério foi apresentada em 2019 – primeiro ano da legislatura. Uma das proposições é mais antiga, data de 2015, e também foi inserida na amostra da análise. Contamos com a equipe de pesquisadores do GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa) para codificar o material de acordo com a valência e relevância e, adicionalmente, discriminamos a autoria de acordo com ideologia partidária.
Um total de 34 proposições sobre a Lei de Cotas foram apresentadas na Câmara dos Deputados entre 1989 e 2021. Destas, 19 são da atual legislatura e 30 sofreram alguma movimentação nesse mesmo período. Ou seja, apenas quatro proposições sobre a Lei de Cotas foram apresentadas e não foram movimentadas desde 2019. Por essa razão, elas foram retiradas do universo de análise deste relatório. Isso denota maior interesse da atual legislatura para legislar sobre o assunto, bem como seu ímpeto em tramitar as proposições de sua própria autoria.
Adicionalmente, a maioria absoluta das proposições movimentadas é muito relevante para o tema (17 das 30), enquanto apenas três foram classificadas com baixa relevância. Se considerarmos apenas as 19 proposições iniciadas na atual legislatura, 14 têm relevância alta, ao passo que outras quatro têm relevância média e apenas uma baixa. A relevância das proposições está relacionada com o intuito dos legisladores em reformar, abolir ou renovar a Lei 12.411/12.
Ao considerarmos a valência da proposta, a distribuição aparece mais equilibrada. Das 30 proposições, 12 (40%) apresentam teor favorável ao princípio da Lei de Cotas (apoiando o aprofundamento ou a manutenção da legislação) e 12 (40%), teor contrário (propondo extingui-la ou modificá-la em pontos centrais). Apenas seis são neutros. Esse resultado sinaliza uma disputa polarizada e acirrada entre perspectivas de revisão da legislação.
A polarização entre proposições favoráveis e desfavoráveis se mantém quando selecionamos apenas as proposições apresentadas na atual legislatura. São nove favoráveis versus sete desfavoráveis. Aqui, contudo, nota-se o esforço das bancadas favoráveis à Lei de Cotas em preservar e/ou avançar em relação às regras vigentes.
Por fim, ao cruzarmos as propostas segundo os critérios de relevância e valência, é possível observar que a maior parte tanto das propostas contrárias, quanto das favoráveis, é relevante para o tema. Em cada um dos casos, sete de 12 proposições (58%) foram classificadas com alta relevância.
Ao classificarmos os partidos dos autores das proposições segundo um critério ideológico, é possível observar como o conflito parlamentar se organiza com relação ao tema. Inicialmente, sublinhamos que tanto partidos de esquerda quanto os de direita se engajam na temática. Das 30 proposições movimentadas, 12 são de autoria de parlamentares de partidos de esquerda (40%) e 15 (50%) de parlamentares de direita, com ambos os campos apresentando projetos de alta relevância. Ou seja, desde que surgiu no Brasil, a partir do começo da década de 2000, a Lei de Cotas tem sido um marcador da divisão do espectro político-ideológico entre esquerda e direita.
Como vemos no gráfico abaixo, não é somente a concentração numérica das proposições que se concentra nos pólos, mas também a tendência a apresentar propostas que alteram significativamente a política em questão, ou seja, de alta relevância.
Se concentrarmos a análise na atual legislatura, esse padrão de disputa se repete. Cada um dos grupos de partido, o de direita e o de esquerda, apresentou nove proposições desde 2019.
Do ponto de vista da valência, das 12 proposições de autoria de partidos de esquerda, sete são favoráveis (58%) e três são contrárias (25%). Inversamente, das 15 proposições de autoria de partidos de direita, oito são contrárias (53%) e quatro são favoráveis (26%).
O recorte das proposições apresentadas na atual legislatura reforça ainda mais essa tendência. De sete proposições oriundas de partidos de esquerda, seis são favoráveis e nenhuma contrária. Das seis autoradas por partidos de direita desde 2019, todas são contrárias. Ou seja, a polarização entre proposições favoráveis e desfavoráveis à Lei de Cotas se alinha expressivamente ao posicionamento divergente de partidos de direita e esquerda, respectivamente.
Cabe notar que as proposições contrárias oriundas da direita se distribuem em uma variedade de partidos políticos, dentre eles o PSL, PRB, DEM e PSC. No campo da esquerda, destacam-se PT, PCdoB, PSB e PSOL.
Postado por OLB em 17/dez/2021 - Sem Comentários
Nos últimos seis meses, o Congresso tem se debruçado sobre propostas de reforma eleitoral. Como ocorre sistematicamente no Brasil em períodos pré-eleitorais, as revisões legais atendem principalmente ao cálculo político dos atuais mandatários, tendo em vista a competição nas urnas que se avizinha. Neste ano, contudo, o escopo das alterações propostas e as escolhas políticas que determinaram a forma e velocidade de sua tramitação na Câmara dos Deputados causaram espanto e apreensão. Cinco projetos dominaram a cena na casa: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 135/2019 (voto impresso); a PEC 125/2011 (mudanças no sistema eleitoral); o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/2021 (código eleitoral); e os Projetos de Lei (PL) 2522/2015 (federações partidárias) e 1951/2021 (reserva de vagas para mulheres na Câmara) – os dois últimos de autoria do Senado. Dessas cinco proposições, apenas uma não teve tramitação concluída, o PLP que cria o código eleitoral.
O presente relatório sintetiza as principais mudanças recentemente produzidas na legislação eleitoral e se debruça sobre o código eleitoral, já aprovado na Câmara, mas não no Senado, com os objetivos de identificar as principais questões nele propostas e de obter informações relevantes sobre um futuro posicionamento do Senado sobre o assunto. Para cumprir essa segunda tarefa, identificamos e analisamos todos os discursos e tweets de senadores e senadoras com menção ao termo “código eleitoral” e ao “PL 112/2021”. No primeiro caso (discursos), a coleta de dados se estendeu de primeiro de janeiro a final de setembro de 2021. No segundo, de primeiro de junho a final de setembro de 2021 – período de temperatura mais alta do debate na câmara baixa. O resultado desse estudo revela que, a despeito do ímpeto da Câmara e dos apelos do seu presidente, Arthur Lira (PP), para aplicação do novo código já em 2022 – o que exigiria sua aprovação até um ano antes das eleições – o Senado não mobilizou esforços sequer para discutir ou repercutir o assunto.
O relatório está dividido em quatro seções, além desta apresentação: reforma eleitoral aprovada, controvérsias na Câmara e contenção do Senado; principais mudanças previstas no código eleitoral; temperatura do debate sobre o código entre senadores(as); e pontos de atenção.
O debate sobre reforma eleitoral na Câmara foi eivado de controvérsias e o resultado pode ser lido como uma derrota pontual para dois presidentes – o do país, Jair Bolsonaro (sem partido), e o da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP).
Apesar dos muitos temas tratados – quase todos com grande impacto na estrutura da competição eleitoral brasileira – em prazos curtíssimos, sem qualquer transparência e participação social, o resultado não foi nem de longe aquele esperado pelo grupo político que conduziu os trabalhos com foco nas eleições de 2022.
O plenário da Câmara derrubou o voto impresso (PEC 135/2019), além do Distritão e do voto preferencial para presidente (partes da PEC 125/2011), enquanto o Senado manteve a atual proibição de coligações para cargos proporcionais, antes revertida no plenário da Câmara. Com a derrubada das coligações, a Câmara aprovou o projeto do Senado que permite a criação de federações partidárias (Pl 2522/2015) – coligações que exigem atuação parlamentar coordenada e reprodução da aliança em todos os níveis federativos e pleitos por, no mínimo, quatro anos. Diferente do voto impresso, a federação, no entanto, não era uma proposta defendida pelo governo. Pelo contrário, o presidente Jair Bolsonaro tratou de vetar a proposta, considerada uma saída para a sobrevivência de pequenas legendas de esquerda, como o PCdoB, mas o veto presidencial foi derrubado pelo Congresso.
Em 2022, portanto, serão poucas as novas regras eleitorais, nenhuma das quais abertamente desejada pelo governo. Os votos dados a candidatas mulheres ou a candidatos(as) negros(as) para a Câmara serão contabilizados em dobro para efeito de distribuição dos fundos partidário e eleitoral, não havendo dupla contagem caso o(a) candidato(a) preencha as duas condições (a regra valerá até 2030). Vale ressaltar que não houve aprovação pela Câmara da reserva de cadeiras para mulheres (projeto já aprovado no Senado), em função das divergências quanto ao percentual específico a ser reservado.
Outra mudança realizada diz respeito à fusão partidária. Pela nova regra, as sanções eventualmente aplicadas aos órgãos regionais e municipais do partido incorporado não serão estendidas ao partido incorporador.
Por fim, presidente e governadores eleitos em 2022 encerrarão os seus mandatos nos dias 5 e 6 de janeiro de 2027, respectivamente, passando a ser essas as novas datas de posse para os cargos citados. Ao fim e ao cabo, a proposta de reforma eleitoral tal como imaginada pelo grupo de Arthur Lira (PP-AL) foi completamente desidratada. Ainda assim, a dinâmica de trabalho da Câmara no debate sobre o código eleitoral colocou em risco a credibilidade do processo legislativo e, por conseguinte, à própria democracia, particularmente no que toca à condução feita pela presidência de Lira (PP-AL).
Já sem chances de ser aplicada nas eleições de 2022, pois ainda não apreciado pelo Senado, a proposta de novo Código Eleitoral (PLP 112/2021) foi aprovada no plenário da Câmara no dia 16 de setembro, na forma de substitutivo da relatora, Deputada Margareth Coelho (PP), com enorme atropelo do processo legislativo.
Não bastasse a mudança regimental recente que diminuiu de forma expressiva a capacidade da minoria intervir na agenda legislativa, alguns ritos formais, que emprestam previsibilidade e confiança ao processo, foram sumariamente descartados, a saber: a) admitiu-se regime de urgência ao projeto, a despeito da vedação regimental para matérias relativas a códigos; b) discutiu-se o projeto em grupo de trabalho, embora regimentalmente ele devesse ter sido debatido no âmbito de uma comissão especial; c) deturpou-se o processo de emendamento em plenário, com apresentação de emendas aglutinativas com texto novo, desconsiderada a regra de que emendas dessa natureza (as quais, por sinal, não podem mais ser apresentadas pela minoria desde a reforma do regimento interno da Câmara) devem ser usadas exclusivamente para aglutinar textos já existentes, com redação semelhante às emendas originárias; d) e optou-se pela nova votação (e aprovação), via emenda, de matéria rejeitada ao longo da própria votação do projeto.
Remetido ao Senado, no dia seguinte a essa conturbada aprovação, o projeto aguarda parecer na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), sem que haja qualquer sinalização de que será votado pelos(as) senadores(as) no curto prazo.
O Senado tem operado uma certa contenção de matérias polêmicas aprovadas na Câmara, onde o apoio ao Planalto é mais forte. Além de ter vedado o retorno das coligações partidárias aprovado na Casa, conforme mencionado anteriormente, rejeitou também a Medida Provisória (MPV) 1045/2021, transformada em uma danosa minirreforma trabalhista por deputados e deputadas federais, e recentemente devolveu ao governo a MPV 1062/2021, que dificultava a remoção de conteúdos sensíveis de redes sociais. Espera-se que o código eleitoral seja mais um exemplo nessa direção e que seja modificado nos pontos que pioram o processo eleitoral.
O novo Código Eleitoral chegou ao Senado com 898 artigos, divididos em 23 livros, que tratam, dentre muitos temas, de normas eleitorais, estrutura do sistema eleitoral, partidos políticos, direitos e deveres dos eleitores, organização e fiscalização das eleições, financiamento de campanha, campanhas, propaganda política, pesquisas eleitorais e crimes eleitorais. A proposta tem por objetivo reunir todas as leis e resoluções eleitorais em um mesmo compilado, mas também altera, de forma expressiva, um conjunto de regras vigentes. Das mudanças pretendidas, destacam-se aquelas relativas ao financiamento e fiscalização de partidos políticos, elegibilidade e quarentena eleitoral, caixa dois, pesquisas eleitorais, propaganda partidária e regulação das eleições via Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
No que diz respeito ao financiamento público partidário, o novo Código flexibiliza o uso de recursos e a fiscalização de gastos. Atualmente, as verbas do fundo partidário são utilizadas exclusivamente para manutenção da estrutura do partido. Com o novo Código, poderão ser usadas para quaisquer despesas de interesse das legendas, de acordo com a deliberação da sua direção.
Do ponto de vista da fiscalização das contas, há expressivo esvaziamento do papel da Justiça Eleitoral, uma vez que se permite às legendas contratar auditoria privada para avaliação de suas contas em substituição ao TSE. Além disso, a nova proposta reduz o valor das multas em caso de rejeição de contas, diminui o prazo para prescrição de processos sobre o assunto (de 5 para 3 anos) e revoga a inelegibilidade decorrente dessa rejeição. Há também mudanças em outros fatores que hoje tornam um candidato/político inelegível. Políticos cassados ou que renunciam ao mandato para evitar cassação, por exemplo, hoje são inelegíveis por oito anos. Se aprovado o novo código sem alteração, essa sanção será extinta. Do mesmo modo, candidatos condenados após deferimento de suas candidaturas poderão permanecer na disputa. Trata-se, portanto, de um afrouxamento da Lei do Ficha Limpa, aplicada no Brasil desde as eleições de 2012.
Há novidade, ainda, no que diz respeito aos critérios de elegibilidade. A partir de 2026, integrantes das forças de segurança e do judiciário – particularmente juízes, policiais, militares e membros do Ministério Público – terão que cumprir uma quarentena antes das eleições – precisarão deixar os seus cargos quatro anos antes de ingressar na carreira política. Nas eleições de 2018, vale ressaltar, as forças de segurança aumentaram expressivamente a sua participação na Câmara, motivo pelo qual esse trecho do novo código foi objeto de idas e vindas em plenário. Ao fim, a matéria foi aprovada e representou derrota pouco usual da chamada “bancada da bala” e êxito da tese de que a “militarização e a judicialização” da política trazem riscos importantes à democracia.
Sobre caixa dois, o Código o qualifica como crime, estabelecendo pena de 2 a 5 anos de reclusão, mas também permite que tal pena seja descartada na dependência do valor em questão.
Destacam-se ainda mudanças relativas a pesquisas eleitorais e propagandas políticas. O novo código proíbe a divulgação de resultados das pesquisas nas 72 horas antecedentes às eleições, sob a justificativa de que tais resultados podem influenciar o pleito – um enorme retrocesso na tarefa de garantir informação ao eleitor. Além disso, está prevista a obrigação para empresas e institutos de divulgar suas taxas de acerto, uma medida vaga e estranha aos métodos das pesquisas de opinião, que não têm natureza preditiva. No que toca a propagandas políticas, há retomada das inserções partidárias dos partidos em TV e rádios em período não eleitoral e permissão para manifestação de apoio a candidatos em templos, igrejas e universidades.
Por fim, o novo código impõe restrições à regulação das eleições pelo TSE, passando a exigir que a aplicação das resoluções do Tribunal respeite o mesmo princípio da anualidade eleitoral imposto ao Congresso. Embora, nos últimos anos o TSE tenha assumido uma postura vanguardista, reduzindo, por exemplo, a assimetria entre brancos e negros e homens e mulheres na competição política, a nova proposta devolve ao parlamento uma tarefa que lhe é exclusiva – a de legislar – inclusive com o objetivo de reduzir as incertezas em períodos eleitorais.
Exemplo da distância que hoje separa as agendas da Câmara e do Senado, o tópico do código eleitoral mobilizou muito pouco os senadores até agora. De janeiro a setembro de 2021, somente 4 discursos sobre o assunto foram proferidos na casa. Nos últimos 3 meses, 31 postagens foram feitas no Twitter dos senadores e senadoras, das quais 22 de um único partido – Podemos. O senador Álvaro Dias (Podemos) foi responsável por 20 desses 22 tweets.
Das 31 postagens de senadores(as), apenas 4 (duas do PSD e duas do MDB) são meramente informativas, sem juízo de valor sobre a votação do código na Câmara. As demais tecem críticas focadas nas seguintes questões: flexibilização da Lei da Ficha Limpa, flexibilização das regras de distribuição de recursos aos partidos, mudança no sistema de prestação de contas, e , majoritariamente, quarentena para magistrados se candidatarem às eleições. O senador Álvaro Dias é um dos autores do mandado de segurança impetrado contra a tramitação do código sob a alegação de descumprimento do devido processo legislativo (debate em comissão, sem regime de urgência). É ele também um entusiasta da candidatura à presidência da República, pelo seu partido, do ex-juiz e ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro.