Postado por OLB em 24/set/2021 - Sem Comentários
Passados quase três anos de mandato, sucessivas pesquisas eleitorais mostram um forte desgaste de Jair Bolsonaro no eleitorado. Diante desse cenário, restam ao presidente poucas cartas na manga para reverter esse cenário até outubro de 2022, quando muito provavelmente tentará a reeleição. Uma delas é a tentativa de reformular o programa Bolsa Família – uma das marcas mais características dos governos petistas e a que muitos atribuem a resiliente popularidade do ex-presidente Lula – de modo a ampliar o número de famílias beneficiárias e o valor a elas destinado. O entorno do presidente acredita que o programa poderá não apenas minar o apoio eleitoral de seu principal adversário, como aumentar a popularidade do atual mandatário, de modo a torná-lo mais competitivo em 2022.
Com esse intuito, o Planalto editou a Medida Provisória (MPV) 1061/21, instituindo novo programa social, denominado Auxílio Brasil. A medida exata dos efeitos do novo programa, no entanto, ainda depende de algumas variáveis cruciais. A mais importante delas é o valor orçamentário a ser destinado ao novo programa, que, por seu turno, depende do destino da reforma tributária e do projeto de emenda constitucional (PEC) dos precatórios, com os quais o governo conta para liberar espaço no orçamento.
Apesar do evidente aspecto eleitoreiro, o Auxílio Brasil surge no momento em que o tema da renda mínima volta a ser discutido em muitos países, na esteira dos danos sociais provocados pela pandemia da Covid-19 e do diagnóstico de que o avanço da desigualdade pode estar na raiz das crises políticas sofridas mesmo em países tidos até há pouco como democracias consolidadas. No Brasil, o novo programa foi formulado principalmente no âmbito do Ministério da Economia, sob a liderança do ministro Paulo Guedes, diante da inoperância das pastas sociais do gabinete de Bolsonaro.
O objetivo deste relatório é apresentar em linhas gerais a MPV 1061/21 e analisar como o tema tem repercutido na Câmara dos Deputados.
O programa Auxílio Brasil foi instituído pela MPV 1061/21 e, como o Bolsa-Família, é um programa de transferência de renda mediante condicionalidades. O novo programa inclui o benefício da primeira infância, o benefício da composição familiar e o benefício de superação da extrema pobreza. Como no Bolsa-Família, estão previstos benefícios a famílias em condição de extrema pobreza e, em alguns casos, em condição de pobreza. Para que as famílias sejam incluídas nessa segunda categoria, no entanto, elas devem ter em sua composição gestantes ou membros com idade entre 0 e 21 anos incompletos. Nesse sentido, o novo programa distingue-se do Bolsa-Família, no qual apenas famílias em condição de pobreza com adolescentes entre 0 e 17 anos estariam elegíveis. As definições de extrema pobreza (renda mensal de até R$ 89,00 por pessoa) e de pobreza (renda mensal entre R$ 89,00 e R$178,00) permanecem as mesmas. As condicionalidades entre os dois programas também são bastante semelhantes, e incluem acompanhamento de saúde e frequência escolar mínima para seus beneficiários, tendo em vista, principalmente, o desenvolvimento infantil.
Além dos benefícios básicos – que constituem o núcleo do programa, o Auxílio Brasil prevê também:
A MP 1061 também cria o Programa Alimenta Brasil, que substitui o atual Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) criado em 2003 para incentivo à agricultura familiar, sem aparente mudança de escopo. A nova faceta do programa retrata parcialmente a narrativa de que o Bolsa-Família não propiciava “portas de saída”. Ainda não está claro, no entanto, como o novo acompanhamento funcionará, nem os detalhes de sua operacionalização. A promessa do governo, no entanto, é aumentar o valor do auxílio em pelo menos 50%.
Com o intuito de analisar como o novo programa do governo Bolsonaro, alardeado desde o final de 2020, tem repercutido na Câmara dos Deputados, levantamos os discursos proferidos em plenário, de fevereiro até o final de agosto de 2021, em que eram mencionados os termos “auxílio brasil”, “renda cidadã”, “renda mínima” e “bolsa família”. Os discursos foram divididos em dois grupos. O primeiro, envolve todos os quatro termos. O segundo, mais restrito, inclui apenas os dois primeiros, que referem-se especificamente a programas desenhados, ou imaginados, pelo governo Bolsonaro.
Quando consideramos o conjunto geral de discursos, ou seja, aqueles que contém pelo menos um dos quatro termos pesquisados, vemos que há uma ligeira concentração de discursos nos meses de março e agosto. Março foi o mês em que foi instituído o auxílio emergencial deste ano, por meio da MPV 1039/2021, após longa demora na aprovação da Lei Orçamentária Anual. O mês de agosto, por sua vez, é precisamente aquele em que o novo programa foi lançado, por meio da MPV 1061.
Quando consideramos apenas os termos “renda cidadã” e “auxílio brasil”, mais diretamente associados a programas imaginados pelo governo Bolsonaro, o número de discursos cai consideravelmente. O Renda Cidadã, que não chegou a sair do papel, foi definitivamente descartado pelo governo em dezembro de 2020 – o que pode ter impacto nesse resultado. Os poucos discursos levantados se concentram no mês de agosto em função do Auxílio Brasil. Vale ressaltar que, embora o novo plano surja como uma promessa importante do governo, ele parece ter mobilizado menos os parlamentares do que o problema do auxílio emergencial, ou o tema da renda mínima de modo geral.
Ao analisarmos a distribuição por partido, notamos uma avassaladora predominância de discursos proferidos por parlamentares do PT, tanto naqueles envolvendo todos os termos (gráfico 3), quanto naqueles específicos dos programas do atual governo (gráfico 2). No primeiro caso, o partido é responsável por quase metade dos discursos, seguido de muito longe pelo PSL. No segundo, por mais da metade. O destaque obtido pelo PT é muito significativo, mesmo considerando que o partido seja detentor da segunda maior bancada eleita. Isso se verifica mesmo no campo da esquerda: são 66 discursos petistas contra 7 do PCdoB e 7 do PSOL.
Embora o governo pareça empenhado em viabilizar o programa Auxílio Brasil no ano de 2022, inclusive por razões eleitorais, não temos indicação de que a base bolsonarista considere o programa uma prioridade, ao menos no Congresso. Uma pesquisa mais extensa sobre o tema teria de incluir, também, uma análise das redes sociais dos parlamentares apoiadores do presidente. No entanto, é digno de nota que o PT domine os discursos sobre o tema, indicação de que ele continua a ser prioritário na agenda política do partido. Podemos pontuar, ainda, dois aspectos eleitorais que ajudam a explicar esse protagonismo petista. É de se esperar um esforço das lideranças partidárias em recuperar uma memória positiva dos governos Lula, já tendo como perspectiva a campanha do ex-presidente em 2022. Além disso, é possível também que o partido esteja reagindo às iniciativas do governo, de modo a preservar sua imagem na pauta da renda mínima.
Postado por OLB em 24/set/2021 - Sem Comentários
Postado por OLB em 18/ago/2021 - 1 Comentário
A um ano das eleições de 2022, o Congresso debate a toque de caixa uma série de proposições que, em conjunto, sinalizam para uma das maiores mudanças no sistema político-eleitoral do Brasil desde 1988. Mudanças de regras eleitorais a um ano do pleito não são fato raro na história recente do país. Pelo contrário, constitui prática comum dos parlamentares a alteração dos parâmetros que regem os pleitos de modo a melhor acomodar seus interesses. Desta vez, no entanto, o escopo das mudanças, a variedade de temas abordados, a pressa e a falta de transparência contribuem para aumentar consideravelmente o risco de retrocesso institucional da democracia brasileira. As propostas não apenas são muito mal elaboradas e contraditórias entre si, como também operam para diminuir a transparência, a fiscalização sobre os atuais mandatários e a institucionalização do sistema partidário.
Neste relatório apresentamos brevemente as proposições a respeito do tema que hoje tramitam nas duas casas legislativas e têm alguma chance de aprovação antes de outubro – prazo máximo para que as mudanças tenham efeito já nas próximas eleições. Na próxima seção, apresentamos as duas propostas em tramitação na Câmara dos Deputados. Em seguida, lançamos o olhar para o Senado, onde, de modo mais discreto, quatro proposições foram aprovadas recentemente, tendo sido, em seguida, remetidas também para a Câmara. Por fim, apresentamos uma análise dos discursos proferidos por deputadas e deputados sobre temas caros às propostas de reforma eleitoral que estão na mesa. Com isso, esperamos não apenas dar maior clareza às matérias em jogo, como também avaliar quais delas parecem despertar maior interesse dos parlamentares.
A proposição com mudanças de maior abrangência é a proposta de emenda à Constituição (PEC) 125 de 2011. Seu objetivo original era o de reduzir a abstenção eleitoral, ao vedar a realização de eleições próximas a feriados nacionais. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) e seu grupo, no entanto, se valeram dessa proposição para encurtar a tramitação do conjunto de propostas que pretendiam fazer avançar, com enorme custo para a transparência do processo legislativo. No substitutivo oferecido pela relatora Renata Abreu (Podemos-SP) à comissão especial em que tramita atualmente a matéria, a finalidade original figura apenas como item marginal, no artigo 8. A peça condensa ideias díspares e muitas vezes desconexas. Dentre as mudanças propostas, a de maior impacto, indubitavelmente, é a mudança no sistema eleitoral brasileiro.
A relatora propôs inicialmente o fim do sistema proporcional em lista aberta, vigente no país desde 1945, e sua substituição pelo sistema distrital misto, em que metade da Câmara seria eleita em distritos uninominais, permanecendo a outra metade eleita pelo sistema atual, que é proporcional. Entretanto, usando o argumento de que essa mudança requer enorme esforço logístico por parte da Justiça Eleitoral (o que, de resto, deveria depor contra a injustificada pressa para se aprovar matéria), a relatora acabou por revelar a verdadeira intenção de seu grupo político, propondo a adoção, em 2022, do sistema de voto único intransferível – vulgo “distritão”, defendido há alguns anos pelas principais lideranças do “Centrão” no Congresso. Por essa proposta, as cadeiras seriam preenchidas não de maneira proporcional pelos partidos, mas simplesmente pelos parlamentares mais votados em cada estado, com a ressalva de que está em debate, no âmbito da comissão especial, uma espécie de nova cláusula de barreira, que exigiria um percentual mínimo de votos dos partidos para eleição de seus candidatos – é um meio de caminho que complexifica e descaracteriza o “distritão” sem resultados efetivos do ponto de vista da representação proporcional. A proposta tem sido severamente criticada por especialistas e organizações de todos os campos políticos[1].
Dentre outras medidas presentes no substitutivo de Renata Abreu, destacam-se ainda: a) mudanças na cláusula de barreira, que considerará, se aprovada a proposição, também o desempenho do partido no Senado, b) exigência de que os votos em mulheres contarão duas vezes mais do que os votos em homens na distribuição dos recursos do fundo partidário, valendo ressaltar que isso não resulta, necessariamente, em maior destinação de recursos às candidaturas femininas; c) simplificação da apresentação de projetos de lei de iniciativa popular; d) exigência do princípio da anterioridade de decisões judiciais, que passariam, portanto, a cumprir o prazo mínimo de um ano antes de valerem para as eleições. Essas propostas, as principais delas com potencial efeito degradante sobre a democracia brasileira, compartilham do fato de terem sido elaboradas de maneira apressada, sem amplo debate público.
A outra proposição de grande envergadura em processo acelerado de tramitação na casa é o projeto de lei complementar (PLP) 112/2021, que institui um código eleitoral em substituição às diversas leis eleitorais hoje em vigor. Também essa proposta traz inúmeros pontos polêmicos, discutidos quase que exclusivamente no âmbito do grupo de trabalho coordenado pela deputada Margareth Coelho (PP-PI). A matéria será votada diretamente em plenário. As mudanças que têm suscitado mais críticas são as seguintes: a) pesquisas eleitorais passariam a necessitar de um índice de acerto do instituto nos últimos cinco pleitos e sua divulgação só pode ser feita até a antevéspera das eleições; b) diversos dispositivos que limitam a capacidade de fiscalização da Justiça Eleitoral e diminuem as obrigações de prestação de contas de dirigentes partidários; c) cotas de gênero nas candidaturas não avançam em comparação à proporção de mulheres hoje com assento na Câmara dos Deputados, ao passo que não é feito menção a cotas raciais; d) não há qualquer previsão de cotas para negros no financiamento eleitoral ou nas cadeiras dos parlamentos, assunto no qual a regulação judicial das eleições já havia avançado; e) a cassação de mandatos pela Justiça Eleitoral é dificultada, enquanto alguns crimes eleitorais são transformados em infrações cíveis, à exemplo do transporte de eleitores para a urna; f) as resoluções do TSE passam a precisar ser adotadas com ao menos um ano de antecedência para que possam ser aplicadas nas eleições – note-se que o ponto é similar ao defendido no substitutivo da deputada Renata Abreu .
Por fim, outro tema que agita o cenário político na Câmara em razão da militância aberta do presidente da República e de seus apoiadores nas duas casas legislativas é a adoção do voto impresso. Desde ao menos 2018 Jair Bolsonaro levanta dúvidas, até agora infundadas, sobre a segurança das urnas eletrônicas, mas o tópico esquentou nos últimos meses, depois de consolidada a possibilidade de Lula (PT) se candidatar e aparecer como favorito em todas as pesquisas de opinião. A ideia foi apresentada na Câmara por meio da PEC 135/2019 e tem baixíssima chance de prosseguir. Em todo caso, envolveu intensa mobilização contrária do TSE e de seu presidente, o ministro Luís Roberto Barroso.
Como se pode notar, tanto na (PEC) 125/2011 como no (PLP) 112/2021 figura a intenção de limitar o papel desempenhado pela Justiça Eleitoral, bem como sua capacidade de regulação da vida partidária. Ainda não está claro o que os defensores da reforma julgam prioritário e o que deverá sofrer maior ou menor resistência nas respectivas comissões especiais, no Plenário da Câmara e, por fim, no Senado, onde também precisam ser aprovadas antes de outubro para terem validade já em 2022. De qualquer modo, é de se esperar alguma revisão do papel institucional hoje cumprido pelo TSE.
Diferentemente da Câmara, que avança tardiamente uma agenda ampla e controversa, cujo grau de receptividade na casa ainda não está claro, o Senado Federal aprovou quatro proposições no primeiro semestre de 2021 que alteram o sistema eleitoral brasileiro de maneira bem mais pontual. As mudanças ainda precisam ser aprovadas na Câmara dos Deputados e sancionadas pelo presidente, mas são indicativas das matérias que encontram respaldo entre senadoras e senadores. Também é uma maneira de se avaliar em que pontos as agendas de Senado e Câmara são díspares ou se reforçam.
A PEC 18/2021, em sua versão original, buscava regular (mas também restringir) o emprego do fundo eleitoral pelos partidos para apoiar candidaturas femininas, tendo em vista a resolução do TSE de 2019 que obrigou a distribuição proporcional desses recursos entre gêneros. No entanto, o substitutivo finalmente aprovado em plenário limitou os efeitos da PEC sobre outras ações judiciais e propostas legislativas, tendo por efeito principal a anistia aos partidos que não aplicaram corretamente esses recursos nas eleições de 2020, liberando para eles, portanto, o uso do fundo eleitoral em 2022. O projeto de lei (PL) 1951 de 2021 versa sobre o mesmo tema, desobrigando os partidos de destinar valor proporcional do fundo eleitoral a candidaturas femininas, para além dos 30% previstos em lei.
As outras duas proposições aprovadas são o PL 783/2021 e o PL 4572/2019. Enquanto o primeiro dispõe sobre o cálculo das sobras eleitorais e explicita o fim das coligações em eleições proporcionais (que já não foram permitidas nas eleições de 2020), o segundo reinstitui a propaganda partidária (diferente da propaganda eleitoral), proibida desde 2017. Essas últimas duas mudanças, vão ao encontro do fortalecimento dos partidos políticos, diferentemente do que se pretende com a proposta do “distritão”, em debate na Câmara. A PEC 18/2021 e o PL 1951/2021, entretanto, tratam de temas mais próximos aos objetivos de deputados e deputadas federais ao limitar a influência do TSE nas eleições, em particular no tocante à cota de candidaturas femininas, conforme a decisão do Tribunal em 2019.
Parte da polêmica em torno dos projetos de reforma política e eleitoral resulta da variedade de temas que ela envolve, e da dificuldade de se avaliar o que realmente mobiliza os parlamentares e conta com chances de aprovação. Com o objetivo de avaliar o nível de engajamento dos(as) deputados(as) federais no debate sobre a reforma política almejada por parte da Câmara, o OLB analisou todos os discursos proferidos entre fevereiro e julho de 2021 com menção a algumas palavras e expressões representativas do assunto. Foram desconsideradas as manifestações a respeito do fundo eleitoral, já que elas foram feitas principalmente no âmbito da discussão orçamentária provocada pela votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021, não envolvendo, portanto, mudanças institucionais de maior fôlego.
O resultado aponta para um engajamento extremamente baixo dos(as) parlamentares na discussão de uma reforma de grandes proporções, que também passa ao largo da escuta da sociedade civil. Foram identificados apenas 75 discursos, a maior parte deles tipificados como “Breves Comunicações”. Há também um volume expressivo de discursos do tipo “Comissão Geral”, sendo importante esclarecer que os discursos assim classificados foram feitos quando da recepção, pela Casa, do presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, que apresentou em junho de 2021 o seu posicionamento com relação ao voto impresso. O mês de junho, em função disso inclusive, figura como aquele de maior frequência de discursos no período. Ou seja, além do pequeno volume de manifestação parlamentar sobre um assunto de significativo impacto no sistema eleitoral e político-partidário brasileiro, quase 30% das exposições foram realizadas em evento pontual, marcado pela presença do presidente do TSE na Câmara dos Deputados.
Os partidos do campo da esquerda (PT, PSB e PSOL) são aqueles que reúnem o maior número de parlamentares autores dessas proposições. Na legislatura atual, esses três partidos também foram os que mais se destacaram, seguidos pelo PDT e pela Rede. Quando, no entanto, dividimos a Câmara ems dois conjuntos mais amplos de partidos, de centro-esquerda e centro-direita, notamos que 64% dos autores pertencem a partidos da centro-direita. Ou seja, o tema não é exclusivo da esquerda, sendo disputado por legendas ideologicamente distintas, o que pode sinalizar maior risco à flexibilização de direitos conquistados ao longo de mais de 30 anos de vida democrática no país. Vale ressaltar que a presença da centro-esquerda cresce quando observados apenas os projetos iniciados nos anos de 2019 e 2020 (74%) – retrato, provavelmente, do grande número de medidas propostas para enfrentamento à pandemia e, possivelmente, de uma postura defensiva em relação à agenda do atual executivo.
Deputados e deputadas federais do PT foram os que mais discursaram (22) sobre assuntos pertinentes à reforma política. O PSL destacou-se em seguida, embora bem atrás do PT, com apenas 8 discursos. Cabe ressaltar que as manifestações sobre o assunto foram majoritariamente de deputados e deputadas do Sudeste e do Sul, que responderam por 60% do total de discursos.
O voto impresso foi o tópico mais abordado nos discursos analisados no período, o que provavelmente decorre do debate realizado na Comissão Geral com o ministro Barroso. Dos 75 discursos, 45 (60%) trataram especificamente desse tema, a despeito do enorme volume de alterações no sistema político-eleitoral proposto nos dois espaços formais abertos para discussão sobre reforma política na Câmara: a comissão especial da PEC 125/2011, sob a relatoria da deputada Renata Abreu (Podemos), e o grupo de trabalho instituído para criar o código eleitoral, sob a relatoria da deputada Margareth Coelho (Progressistas).
A maior parte dos discursos sobre voto impresso, no entanto, apontou rejeição à proposta (58%), muito em função da própria quantidade de discursos do PT, que se manifestou de forma expressiva e coesa sobre o assunto. Cabe ressaltar que, apesar da predominância do PT na oposição ao voto impresso, outros partidos também manifestaram posicionamento semelhante, à esquerda e à direita, a exemplo do PSOL, do PCdoB, do PSB e da Rede, de um lado, e do PL, do Republicanos, do Avante e do Cidadania, por outro.
Entre os 30 discursos que não fizeram qualquer menção ao voto impresso, três tópicos se destacaram: código eleitoral, distritão e reforma política, esse último reunindo intervenções de conteúdo mais amplo sobre o assunto.
Quase todos os discursos centrados na discussão do código eleitoral demonstraram apoio explícito aos trabalhos do grupo dedicado a criá-lo. Os partidos que se dedicaram a esse tema foram PP, PL, PV e Novo. No que se refere ao distritão, o quadro foi exatamente o inverso. Dos 8 discursos a respeito, 7 apresentaram argumentos contrários à instituição desse sistema de votação, com destaque para partidos de esquerda (PT, PSOL, PSB e PDT). Houve, no entanto, manifestação contrária também do PSC. Nos discursos sobre “reforma política”, a maioria favorável à oportunidade e necessidade do debate incluiu partidos como Republicanos, PSD, PSL e o próprio PT. Por fim, praticamente todos os que discursaram sobre reserva de vagas para mulheres e federações partidárias expuseram opiniões a favor da instituição dessas regras. Sobre a reserva de vagas para mulheres na Câmara, vale mencionar que a posição majoritária manifesta nos discursos de partidos da própria esquerda, como PT e PCdoB, contraria as reivindicações de organizações sociais e especialistas no assunto, que afirmam que a nova regra não resultará em avanço efetivo do ponto de vista da proporção de mulheres com cadeiras na Casa, podendo ainda reduzir o número de mulheres eleitas. A proporção de cadeiras para mulheres na Câmara hoje sugerida no PLP 112/21 – que institui o código eleitoral – é de 18%, praticamente a proporção de mulheres eleitas em 2018. A proposta ainda desconsidera regra que vigorou em 2020 de distribuição proporcional dos recursos para candidaturas femininas. É importante registrar que não há qualquer menção nos discursos analisados sobre cota para negros ou a qualquer medida que venha a mitigar a subrepresentação dos negros no Congresso, o que reforça a constatação de que a desigualdade racial não tem sido objeto de atenção parlamentar.
Em resumo, não há discussão expressiva sobre a reforma política na Câmara, apesar do presidente Arthur Lira (PP) manifestar intenção de concluir a votação das proposições sobre o assunto antes de outubro, de modo que as novas regras já possam ser aplicadas nas eleições de 2022. Infere-se, por esses 75 discursos proferidos, que temas como o distritão e voto impresso tendem a ser propostas que suscitam controvérsia e encontram poucos defensores ardentes na Casa. Por outro lado, o código eleitoral em construção é visto com bons olhos por parte dos parlamentares e não encontra tanta resistência, mesmo na oposição, em que pese as posições diferentes a respeito do tópico referente às mulheres. Apesar de isso ser insuficiente, no entanto, para permitir uma análise minimamente acurada sobre questões possivelmente caras aos parlamentares, encobertas pela falta de debate parlamentar público a respeito, .
É possível sinalizar que a disputa velada com o TSE em torno da regulação da vida partidária e eleitoral do país é o que realmente parece motivar os parlamentares, tanto na Câmara quanto no Senado. Nesse sentido, das proposições iniciadas na Câmara, a que trata do código eleitoral é possivelmente aquela que tem maior chance de prosperar. O caminho mais indicado para isso, no entanto, seria o de contornar os temas que suscitam maior controvérsia e que podem sofrer resistência da oposição, do Senado e, por fim, mesmo do TSE. Esse caminho, de debate público e concertação institucional, não foi, contudo, o escolhido, até o momento, pelo presidente da Câmara e seu grupo. Resta ver até onde conseguirão manipular as distintas maiorias que formaram na Câmara a fim de fazer avançar a sua agenda duvidosa.
Abaixo vai um breve glossário explicando os principais termos utilizados no debate da reforma eleitoral, que muitas vezes têm aspectos técnicos não muito claros para o leitor sem especialização no assunto.
Distritão – sistema eleitoral multinominal (para escolha de várias cadeiras) no qual são eleitos os candidatos que obtiverem maior número de votos, desconsiderando-se os votos nas legendas dos partidos e os votos dos outros candidatos dentro de cada partido. O distrito eleitoral permanece a unidade federativa.
Distrito eleitoral – unidade territorial na qual se computa os votos em uma eleição. Por exemplo, no Brasil o distrito nas eleições de deputado federal é o estado (unidade federativa), para a eleição de vereadores é o município.
Sistema distrital – tecnicamente o nome correto é majoritário uninominal, pois em cada distrito é eleito somente um candidato, aquele que obtiver maior número de votos. Os distritos precisariam ser desenhados, pois não correspondem às unidades territoriais existentes.
Sistema eleitoral – conjunto de regras que rege as eleições, determinando a natureza dos distritos, o método de cômputo de votos, a distribuição de cadeiras, etc.
Sistema misto – combina o sistema proporcional e o sistema majoritário uninominal, também conhecido como voto distrital. Metade das cadeiras é distribuída pelo método proporcional, tomando as unidades federativas como distrito eleitoral, como fazemos hoje, e metade pelo método majoritário uninominal (distrital), no qual os distritos correspondem a subdivisões do território de cada unidade federativa de modo a conter iguais parcelas da população.
Sistema proporcional – é o sistema hoje adotado no Brasil nas eleições para vereadores, deputados estaduais e federais. As cadeiras são distribuídas proporcionalmente à votação total obtida por cada partido, que por seu turno corresponde à soma dos votos dos candidatos do partido e dos votos de legenda.
[1] O tópico foi discutido em nota anterior deste mesmo projeto.
Postado por OLB em 21/jul/2021 - Sem Comentários
O governo de Jair Bolsonaro é hostil aos povos tradicionais do Brasil. A política federal para índios e quilombolas foi anunciada já no início da campanha eleitoral do presidente: flexibilizar as regras de demarcação de terras em favor da expansão do agronegócio e da mineração, a partir de uma narrativa racista, etnocêntrica e integracionista, que representa um enorme retrocesso com relação aos compromissos assumidos a partir da Constituição de 1988.
De 2019 para cá, muitas foram as ações empenhadas pelo governo federal com o objetivo de desmontar o arcabouço institucional construído após a ditadura militar, responsável por reconhecer o direito originário à terra ocupada pelas populações tradicionais, bem como suas diferentes formas de organização social.
No seu primeiro dia de mandato, Bolsonaro editou uma Medida Provisória para transferir a Funai do Ministério da Justiça para o Ministério da Agricultura, delegando ao último a tarefa de demarcação de terras indígenas e quilombolas, até então sob a alçada da Funai e do INCRA, respectivamente. A iniciativa foi barrada pelo Congresso Nacional, que emendou a medida. Nova tentativa foi feita em junho do mesmo ano, dessa vez interditada pelo Supremo Tribunal Federal. Além disso, Bolsonaro nomeou para a Funai um presidente próximo aos ruralistas, Marcelo Xavier, alinhado com o argumento de que os direitos das populações tradicionais constituem na verdade “privilégios”. Para Fundação Palmares, o nome escolhido, Sérgio Camargo, protagoniza ataques ao Movimento Negro e às religiões de matriz africana desde sua posse, em novembro de 2019. Como resultado da adoção desse novo “paradigma” de governo, houve paralisação das demarcações de terras e intensificação dos conflitos territoriais.
No último dia 23, uma ofensiva de grandes proporções foi feita pela Câmara dos Deputados contra os povos indígenas, sob a liderança de Bia Kicis (PSL), presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e uma das aliadas mais fervorosas do presidente. O projeto de lei (PL) 490/2007, que desde 2007 não contava com uma coalizão favorável à sua aprovação, altera as regras para demarcação de terras, garantindo o direito de propriedade aos indígenas apenas se comprovada que a ocupação do território na data da promulgação da Constituição de 1988, sem interrupção. Além disso, o PL permite a exploração econômica das terras por indígenas e parceiros não indígenas e assegura a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal sem prévia consulta às comunidades. O projeto vai à votação no plenário da Câmara antes de seguir para o Senado. Se aprovado, submeterá à população indígena a todo tipo de violência – física, material e simbólica – agravando o quadro atual de devastação provocado pelas queimadas e pela ação e omissão deliberadas do governo federal. O Brasil foi, inclusive, apontado pela primeira vez, pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, como país sob risco de genocídio da população indígena.
O sentido das ações destinadas aos quilombolas não é diferente. A Fundação Palmares paralisou suas atividades de certificação de comunidades quilombolas – primeiro passo para a demarcação de suas terras. Pesquisas indicam que o reconhecimento da existência dessas comunidades caiu pela metade no governo Bolsonaro. Essa insegurança territorial tem impacto profundo sobre a capacidade de acesso a políticas públicas por parte dessa população e, portanto, sobre as suas condições de subsistência e sobrevivência, já precarizadas pela própria pandemia.
Se não há dúvida com relação à natureza da agenda governamental sobre o assunto, há uma mudança significativa de conjuntura em 2021, que impõe atenção redobrada à tramitação de projetos com impacto sobre indígenas e quilombolas nos próximos meses. Em fevereiro, o aliado de Jair Bolsonaro, Arthur Lira (PP), assumiu a presidência da Câmara, prometendo priorizar assuntos do governo e dar vazão aos interesses mais conservadores presentes no Congresso, que muitas vezes enfrentavam a oposição de Rodrigo Maia (DEM), presidente da casa nos dois primeiros anos da atual legislatura. A recente tramitação do PL 490/2007 é indício de que pode haver aumento do ímpeto para movimentar essa pauta no Congresso antes das eleições.
Com o objetivo de melhor desvendar esses assuntos, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) identificou e analisou todas as proposições relacionadas a eles que foram movimentadas na Câmara desde o início desta legislatura, bem como os discursos de plenário de deputados e deputadas federais que fizeram algum tipo de menção ao tema. Para verificar se o conjunto das proposições movimentadas tem características distintas daquelas que foram efetivamente apresentadas pelos(as) parlamentares eleitos em 2018, separamos os dados em dois subconjuntos: a) todas as proposições nos assuntos relevantes movimentadas/tramitadas[1] entre 2019 e 2021; e b) proposições movimentadas entre 2019 e 2021 que tenham sido apresentadas efetivamente nesse período e não em anos anteriores. Os resultados são analisados a seguir.
De 2019 a 2021, 146 proposições legislativas com menção a povos tradicionais foram movimentadas na Câmara, 46% das quais (67) apresentadas na atual legislatura e 54% iniciadas entre 1991 e 2018, a exemplo do PL 490, que, apesar de votado na CCJC em junho de 2021, foi apresentado há 14 anos atrás. Desse total, apenas 11 proposições são de autoria do Senado. As demais foram apresentadas por deputados e deputadas federais.
Os partidos do campo da esquerda (PT, PSB e PSOL) são aqueles que reúnem o maior número de parlamentares autores dessas proposições. Na legislatura atual, esses três partidos também foram os que mais se destacaram, seguidos pelo PDT e pela Rede. Quando, no entanto, dividimos a Câmara em dois conjuntos mais amplos de partidos, de centro-esquerda e centro-direita, notamos que 43% dos autores pertencem a partidos da centro-direita. Ou seja, o tema não é exclusivo da esquerda, sendo disputado por legendas ideologicamente distintas, o que pode sinalizar maior risco à flexibilização de direitos conquistados ao longo de mais de 30 anos de vida democrática no país. Vale ressaltar que a presença da centro-esquerda cresce quando observados apenas os projetos iniciados nos anos de 2019 e 2020 (74%) – retrato, provavelmente, do grande número de medidas propostas para enfrentamento à pandemia e, possivelmente, de uma postura defensiva em relação à agenda do atual executivo.
Para avaliação da temperatura do debate em torno de temas relativos aos povos tradicionais, também analisamos os discursos proferidos na Câmara em oportunidades e espaços institucionais distintos entre 2019 e 2021. Ao todo, foram 678 registros de menção ao tema, entre homenagens, discursos de pequeno e grande expedientes, breves comunicações, encaminhamentos de votações e exposições das lideranças partidárias, entre outros. Tendo em vista a importância e o peso dos discursos de líderes partidários na condução da Casa, primeiramente nos concentramos em identificá-los. Foram 95 dos 678. É bom lembrar que está regimentalmente assegurado que os líderes partidários, além dos líderes do governo, da Maioria e da Minoria, façam uso da palavra por período de tempo proporcional ao número de membros das suas respectivas bancadas em determinada fase de qualquer sessão ordinária da Câmara. No total de manifestações, os partidos da centro-esquerda novamente assumem destaque – particularmente o PT, a Rede e o PSOL, conforme demonstrado no gráfico abaixo.
De acordo com os dados que levantamos, as proposições movimentadas no período foram iniciadas por parlamentares distribuídos nos 26 estados da federação, além do Distrito Federal. São Paulo, Mato Grosso e Minas Gerais se sobressaem tanto no conjunto total de proposições quanto no subconjunto das proposições movimentadas de autoria dos parlamentares eleitos em 2018. É importante ressaltar que São Paulo e Minas Gerais são os dois estados com maior representação na Câmara, 70 e 53 cadeiras, respectivamente, embora o Sudeste seja a região com menor proporção de população indígena no Brasil. Mato Grosso, por sua vez, conta com apenas 8 deputados(as) na Casa, mas concentra 56% da população indígena do Centro-Oeste, que é a terceira região brasileira em termos de distribuição espacial dos indígenas segundo o Censo de 2010, atrás de Norte e Nordeste.
É importante ressaltar que os projetos movimentados e iniciados efetivamente na atual legislatura revelam desempenho também relevante de parlamentares que representam o estado de Pernambuco. Inversamente, apenas 9 autorias do total de proposições movimentadas entre 2019 e 2021 couberam a parlamentares do Amazonas, estado com maior proporção de índios no Brasil. Mato Grosso e Amazonas fazem parte da área definida pelo governo como Amazônia Legal, que conta com outros 7 estados do entorno. Os 9 estados juntos foram responsáveis por 31% das assinaturas das proposições que a Câmara optou por movimentar de 2019 para cá.
Dos líderes partidários que discursaram sobre povos tradicionais, destacam-se os originários de Roraima, São Paulo e Rio de Janeiro. Dos 95 discursos nos últimos 2 anos, 43% foram feitos por representantes dos estados que compõem a Amazônia Legal.
A maior parte das 146 proposições movimentadas tramita em conjunto com outras proposições e o apensamento desses projetos, ou seja, o ato de fazê-los tramitar pela Câmara conjuntamente, foi uma das ações desempenhadas prioritariamente na atual legislatura. Houve arquivamento de 30 proposições e somente 4 foram transformadas em norma jurídica. Vale observar que há 12 proposições Prontas para Pauta, que, portanto, já receberam pareceres das comissões de mérito e/ou tramitam em regime de urgência.
Com o objetivo de entender os microtópicos das proposições legislativas movimentadas, rodamos nuvens de palavras com base nas palavras-chave indexadas pela Câmara em cada proposição. Fizemos isso, igualmente, para os dois conjuntos de informação em análise – total de proposições movimentadas e proposições movimentadas iniciadas na legislatura 2019-2022.
No primeiro caso (gráfico 7), notamos a proeminência das palavras “fundo” e “terra”. No segundo (gráfico 8), as palavras “universidade”, “alteração (de lei)”, “educação”, “saúde”, “coronavírus” ganham destaque, em alinhamento à mudança de natureza dos projetos, fruto provavelmente da necessidade de enfrentamento à pandemia. Apesar disso, o controle de territórios é prioridade da Câmara nos dois casos.
Ressaltamos que a análise feita neste boletim é de caráter preliminar e tem por fim identificar os aspectos mais gerais do cenário. Esforços futuros de aprofundamento no tema devem incluir a identificação das valências das propostas assim como outros microtemas pertinentes, entre outros detalhes.
[1] Proposição movimentada/tramitada refere-se a toda e qualquer proposição, apresentada por deputado ou senador, que tenha tido algum tipo de andamento na Câmara no período em análise. Exemplo: despacho da Mesa Diretora, designação de relator, despacho de uma comissão para outra, recebimento de emenda, votação, arquivamento etc.
Postado por OLB em 26/jun/2021 - Sem Comentários
Em setembro de 2020, o governo encaminhou ao Congresso Nacional uma proposta de reforma administrativa via emenda constitucional (a PEC 32/2020), fruto das mudanças pretendidas pela equipe econômica na forma de organização de atividades de Estado. Apesar de ser uma das promessas do Ministro Paulo Guedes desde o início do mandato do presidente Bolsonaro, apenas ao fim do segundo ano de governo ela foi enviada à Câmara, permanecendo sem movimentação ou destaque entre os parlamentares até recentemente. Isso se explica por algumas razões: a desarticulação e os conflitos internos ao Planalto; a priorização pelo Congresso, em 2020, de uma agenda legislativa de enfrentamento à pandemia de Covid-19; e, mais importante, a eleição de Arthur Lira (PP) para a presidência da Câmara dos Deputados. Ainda que o ex-presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM), manifestasse apoio a essa pauta do governo, a liderança do atual presidente é sem dúvida mais alinhada ao governo e à sua agenda, especialmente após diversas concessões feitas ao Centrão quando da definição do orçamento de 2021.
A reforma almejada pelo governo tem impacto profundo sobre os servidores e a prestação dos serviços públicos. Com parecer de admissibilidade aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara em 25 de maio, a proposta seguirá para a análise de uma Comissão Especial antes de ser votada no plenário e posteriormente encaminhada ao Senado. Entender a sua natureza, os seus efeitos e o comportamento dos deputados até então é tarefa importante para antecipar posições de plenário na Câmara, bem como possibilidades de avanços e retrocessos no Senado.
Este relatório divide-se nas seguintes seções, além desta apresentação.
A Proposta de Emenda à Constituição representa a Fase I da chamada “Nova Administração Pública” e atinge duas importantes dimensões do funcionamento do Estado brasileiro: a organização administrativa e os trabalhadores do setor público. Para os servidores e empregados públicos, o governo propõe mudanças em questões fundamentais como seleção, vínculo, estabilidade, direitos e remuneração. Na organização administrativa, destaca-se a proposta de transferência de atividades públicas para o setor privado e a criação de instrumentos e poderes centralizados na Presidência da República.
Os novos servidores são o alvo principal da PEC, que pretende garantir aos antigos a maior parte dos direitos previstos na Constituição e benefícios hoje já praticados. Também estão excluídas da sua abrangência as seguintes carreiras: parlamentares, ministros de tribunais superiores, desembargadores, promotores, procuradores, juízes e militares. É bom lembrar, no entanto, que situações posteriores de expressiva assimetria entre servidores novos e antigos podem vir a suscitar novas mudanças na legislação e submeter os antigos a novas regras. Além disso, várias das mudanças propostas terão aplicação imediata e afetarão o trabalho e a vida funcional dos atuais servidores, inclusive a ampliação de situações que podem ensejar a perda de cargo.
2.1 Seleção, vínculo, direitos e remuneração
Para contratação de novos servidores, a PEC 32 sugere cinco novos tipos de vínculos com a administração pública: vínculo de experiência, vínculo por prazo determinado, vínculo por prazo indeterminado, cargo típico de Estado e cargo de liderança e assessoramento. O vínculo de experiência, contudo, tem característica diferente dos demais, já que consistirá em etapa avaliativa do concurso público para dois cargos específicos: vínculo por tempo indeterminado e cargo típico de Estado. Ou seja, os servidores concorrentes para esses dois cargos passarão pelo vínculo de experiência por um e dois anos, respectivamente, para então, em caso de efetiva aprovação, posterior cumprimento de 1 ano de estágio probatório, conforme atualmente já previsto.
A contratação por prazo determinado, por sua vez, poderá ser feita mediante seleção simplificada se houver necessidade decorrente de situações de emergência e calamidade, paralisação de atividades essenciais/acúmulo transitório de serviço ou se forem previstas atividades sazonais, temporárias e sob demanda. Abre-se, portanto, um leque maior de oportunidades para contratações por prazo determinado, tornando esse tipo de vínculo praticamente uma liberalidade do gestor. Atenção especial deve ser dada à possibilidade de contratação temporária em caso de paralisações – fator que passará a exercer pressão sobre movimentos grevistas.
Cabe ainda mencionar mudanças expressivas no que diz respeito à contratação para cargos de liderança e assessoramento. Esses cargos são equivalentes aos cargos comissionados e às funções gratificadas hoje existentes, parcialmente ocupados por servidores públicos por obrigação legal. Se a reforma administrativa for aprovada tal qual proposta pelo governo, os cargos de liderança e assessoramento podem vir a ser ocupados por quaisquer cidadãos que atendam aos requisitos exigidos, e estarão estendidos a posições com atribuições estratégicas e gerenciais, mas também técnicas. O uso de cargos de confiança para o exercício de atividades técnicas amplia as chances de contratação sem concurso público, ainda que haja a ressalva de que a quantidade máxima de cargos desse tipo deve ser limitada por lei complementar a ser editada futuramente.
A estabilidade no cargo, tal como consagrada no atual modelo e fundamental à garantia de continuidade das atividades estatais, estará reservada única e exclusivamente aos servidores com cargo típico de Estado, ou seja, àqueles que exercem atividades exclusivamente públicas e indispensáveis. Não há, ainda, indicação de quais carreiras devem se enquadrar nessa definição na PEC. Essa indicação será igualmente feita em legislação posterior. A expectativa é que esta espécie de cargo estará restrita exclusivamente às atribuições cujo exercício é vedado à iniciativa privada e especialmente relacionadas às áreas de fiscalização e de segurança pública. Ou seja, é bastante provável que o governo não pretenda classificar os trabalhadores da saúde, educação, Ciência & Tecnologia nesta categoria.
Para demissão dos novos servidores, também está previsto tratamento diferenciado para cargos típicos de Estado e servidores contratados por prazo indeterminado. No primeiro caso, mantêm-se as regras atuais (por processo administrativo disciplinar, decisão judicial transitada em julgado e insuficiência de desempenho), mas acresce-se a possibilidade de demissão por decisão judicial colegiada de segunda instância, sem necessidade de que tenha havido trânsito em julgado do processo. Para os contratados por prazo indeterminado, outras hipóteses poderão, inclusive, justificar a demissão, desde que aprovadas em lei pelo Congresso.
Do ponto de vista de direitos e remuneração, aos novos servidores também estarão vedadas algumas conquistas dos antigos. Adicionais, promoções e licenças por tempo de serviço serão extintos pela reforma proposta, assim como a possibilidade de reajustes salariais retroativos. Também não será mais possível conceder férias por período superior a trinta dias durante o período aquisitivo de um ano (o que atinge diretamente os docentes do magistério federal, hoje com 45 dias de férias anuais), reduzir a jornada de trabalho do servidor sem correspondente redução de sua remuneração, exceto por questões de saúde, e conceder aposentadoria compulsória como forma de punição. Proíbe-se, além disso, a incorporação ao salário de quaisquer valores porventura recebidos pelo servidor quando do exercício de cargos e funções temporárias. Embora grande parte das vantagens remuneratórias vedadas pela PEC já não exista no serviço público federal, muitos estados e municípios ainda prevêem pagamentos do gênero, como licenças-prêmio e triênios.
2.2 Contratos com a iniciativa privada e reorganização administrativa
Atualmente, a Administração Pública já dispõe de vários instrumentos para transferir a execução de determinados serviços públicos ao setor privado, seja por meio de concessões, permissões, autorizações, parcerias público-privadas, ou mesmo, no caso de atividades de natureza social, por meio de contratos com organizações que, em geral, não têm fins lucrativos. Além disso, a terceirização de atividades-meio é uma prática recorrente e já consolidada em diversos órgãos e entidades. Com a PEC 32, o governo pretende aumentar expressivamente a participação da iniciativa privada no serviço público, garantindo sua atuação em qualquer atividade, desde que não privativa de um cargo típico de Estado. Ademais, o texto prevê compartilhamento de estrutura física e de recursos humanos de particulares entre governo e iniciativa privada, inclusive sem contrapartida financeira. Os instrumentos de cooperação serão definidos posteriormente. Até que o sejam, no entanto, estados e municípios terão competência plena para estabelecer suas próprias regras.
No que toca à reorganização administrativa, a proposta original pretendia conferir poderes excessivos ao presidente, dando-lhe poder para criar e extinguir unilateralmente cargos, órgãos, ministérios, autarquias e fundações por meio de decreto, sem participação do Poder Legislativo em todos os casos. O parecer da CCJC, contudo, acolheu uma emenda saneadora que suprime esse dispositivo, tendo em vista o próprio risco que ele representa para o princípio de separação dos poderes e para o sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira.
A reforma administrativa atualmente proposta tem profundo impacto sobre o serviço público e não apenas sobre o conjunto dos servidores. Há risco de que, em função da perda de estabilidade dos profissionais e do aumento provável da rotatividade no setor, os serviços percam qualidade e continuidade. Além disso, a transferência de atividades para iniciativa privada abre margem para novos esquemas de corrupção e traz o risco adicional de eventuais cobranças pela execução de serviços prestados.
Do ponto de vista da máquina estatal, as mudanças tendem a aumentar a patronagem, ou seja, a possibilidade de uso dos cargos públicos como moeda de troca com parlamentares e partidos, na medida em que amplia a discricionariedade do governo na seleção e contratação de pessoal. A contratação via concurso público e a estabilidade do servidor são fatores que, até hoje, cumpriram justamente a função de desincentivar essa prática na gestão da coisa pública.
Para os novos servidores, a expectativa é de vagas mais escassas, remunerações mais baixas e carreiras eventualmente mais curtas. Um estudo do Dieese, com base em dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), aponta que a administração pública representava, em 2019, 50% ou mais no total de empregos formais em 38% dos municípios brasileiros. A reorganização do Estado tem impacto, portanto, na própria sustentação de inúmeras economias locais.
A análise da PEC 32/2020 foi iniciada pela Câmara dos Deputados, com rito previsto no art. 202 do seu regimento interno, que se diferencia dos ritos de tramitação das demais proposições legislativas. Em resumo, a PEC é despachada pelo presidente da Mesa à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), que deve se pronunciar sobre sua admissibilidade (ou seja, sobre sua adequação aos preceitos constitucionais, sem análise de mérito) no prazo máximo de cinco sessões. Em seguida, se admitida a proposta (a inadmissão garante recurso), o Presidente designa uma Comissão Especial para exame do mérito da proposta no prazo de 40 sessões.
O parecer da CCJC pela admissibilidade da proposta foi aprovado no último dia 25, com 3 emendas saneadoras. Uma delas suprime a possibilidade de extinção de cargos e órgãos via decreto, outra elimina a proibição para que servidores de cargos típicos de Estado exerçam outra atividade remunerada, e a terceira retira do texto da proposta alguns princípios motivadores do serviço público com o objetivo de evitar controvérsia jurídica. É importante ressaltar que as emendas de mérito à PEC devem ser apresentadas somente na Comissão Especial no decorrer das suas primeiras 10 sessões, garantido o apoio de 1/3 dos deputados ou líderes que os representem. É de se esperar, neste momento, um grande volume de emendas, já que a PEC é polêmica e conta com a oposição especialmente de partidos de esquerda. A votação na CCJC antecipa o caminho tortuoso que a proposta enfrentará em sua tramitação: houve dissidência em diversos partidos, inclusive da base aliada do governo, com a aprovação do parecer do relator por 39 votos contra 26. Além do placar apertado, a apreciação da PEC na CCJC contou com dois votos em separado, apresentando em documento formal as razões de contrariedade à Proposta, um subscrito pela Deputada Joenia Wapichana (Rede) e outro pelos parlamentares do PC do B Orlando Silva, Perpétua Almeida, Alice Portugal e Renildo Calheiros.
A Comissão Especial ainda não foi instalada. Somente depois de emitido o seu parecer é que a PEC seguirá para o plenário da Casa para aprovação, em dois turnos, com quórum de 3/5 dos deputados em ambos. Se aprovada, a matéria é remetida para a casa legislativa revisora, o Senado, onde será também avaliada pela CCJC, para posterior submissão ao plenário em regime similar ao previsto na Câmara.
De setembro de 2020 ao fim de maio de 2021, 64 dos 513 deputados e deputadas federais proferiram um total de 196 discursos em plenário sobre a reforma administrativa. A maior parte dos discursos, 54,5%, foi contrária à PEC 32/2020 e em 30% deles, o tom predominante foi favorável à reforma tal qual proposta pelo governo. Muitos dos discursos favoráveis tratam a reforma administrativa e a tributária como essenciais à modernização da administração pública e à superação da crise econômica vigente. Os discursos contrários enfatizaram os prejuízos para os servidores e para a qualidade do serviço público e teceram críticas contundentes à destinação de novos poderes ao presidente para extinguir, por decreto, quaisquer órgãos, autarquias, fundações etc. O artigo foi suprimido no parecer da CCJC.
Quadro 1.
Dos 21 partidos que discursaram sobre o tema, destacam-se o PT e o Novo com um maior volume de discursos – o primeiro com posição contrária à reforma e o segundo com posição favorável. Deputados e deputadas do PCdoB e PSOL também estiveram mobilizados pelo tema no período, conforme observado no gráfico abaixo. Nos três casos, as mensagens foram críticas à proposta governamental. Além do Novo, também parlamentares do PP, PSD, Republicanos, PSL e MDB manifestaram-se no plenário favoravelmente à PEC 32/2020 de forma significativa. Contudo, diferente do que ocorreu na oposição, que permaneceu alinhada, os discursos dos parlamentares do PSL, DEM e PSD não mostraram o mesmo grau de consenso. É importante ressaltar que isso não garante que haverá dissidência no momento da votação em plenário, embora sinalize desafio maior na construção de consensos intrapartidários, o que, de certa forma, pode prejudicar a aprovação da reforma nos termos em que está posta.
Gráfico 1. Discursos favoráveis e desfavoráveis à reforma administrativa por partido
Na defesa da proposta, sobressaem-se Paulo Ganime e Marcel van Hattem, ambos do Novo, Ricardo Barros (PP), Darci de Matos (PSD) e Silva Costa Filho (Republicanos). Os que discursaram mais vezes contra a PEC foram Erika Kokay e Rogério Correia, do PT, Alice Portugal (PCdoB), Talíria Petrone (PSOL) e Joenia Wapichana (Rede).
Gráfico 2. Deputados com discursos favoráveis à reforma administrativa
Gráfico 3. Deputados com discursos desfavoráveis à reforma administrativa
Postado por OLB em 26/jun/2021 - Sem Comentários
O governo federal desempenha um papel de suma importância na gestação e instituição das políticas de educação, ciência e tecnologia no Brasil. Mantém uma ampla rede própria de ensino, abarcando os níveis médio, técnico e superior, tem agências de fomento à da pesquisa e ao desenvolvimento da ciência e tecnologia nacionais, além de atuar na conformação dos marcos regulatórios das duas áreas no país.
O arcabouço institucional que hoje regula as políticas educacionais foi estabelecido por um conjunto de leis aprovadas em diferentes governos nas últimas décadas. Alguns dos exemplos mais relevantes da legislação educacional são a Lei de Diretrizes da Educação Básica (Lei 9394 de 1996), as leis que instituíram o FUNDEF (Lei 9424 de 1996) e o FUNDEB (Lei 11494 de 2007), o PROUNI (Lei 11096 de 2005), a Lei de Cotas (Lei 12711 de 2012) e os planos nacionais de educação. Dentre as legislações relevantes para a área de Ciência e Tecnologia, assume destaque o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado em 2016 (Lei 11243 de 2016), que modificou a Lei da Inovação de 2004 (Lei 10.973 de 2004). Sabe-se pouco, no entanto, a respeito do esforço de regulação do Congresso e do Planalto no que toca às áreas durante o governo de Bolsonaro. Em contrapartida, é notório que o atual governo e diversos parlamentares da atual legislatura constroem narrativa em favor do controle político da educação e do descrédito da ciência.
Nesse cenário, entender a evolução nas últimas décadas do comportamento parlamentar e do papel legislativo desempenhado pelo governo nos temas de Educação, Ciência e Tecnologia ganha importância redobrada. Com esse objetivo, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou as proposições legislativas apresentadas junto à Câmara dos Deputados de 1989 até 2021, incluídas aquelas que chegaram do Senado, bem como as matérias de iniciativa do Poder Executivo, de modo a avaliar o peso dos temas da Educação, Ciência e Tecnologia no processo legislativo. Foram considerados os seguintes tipos de proposição: projetos de lei ordinária (PL), projetos de lei complementar (PLC), medidas provisórias (MPV) e propostas de emenda à Constituição (PEC).
Os resultados estão apresentados em duas seções a seguir, uma dedicada à avaliação da evolução do interesse nos temas, medido pelo volume e proporção de iniciativas, e outra à análise do papel desempenhado pelo Executivo nessa agenda.
Entre 1989 e 03 de maio de 2021, das 71.957 proposições iniciadas na Câmara dos Deputados, 5.222 trataram dos temas Educação, Ciência e Tecnologia (C&T). Foram 4.937 PLs, 78 PLCs, 150 PECs e 57 MPVs. O gráfico 1 mostra o total de proposições com início de tramitação na Câmara em cada ano, destacando aquelas relativas à Educação e C&T.
Embora o total de proposições tenha variado bastante anualmente, alguns pontos devem ser destacados: a) pequena tendência de queda no início da década de 1990, seguida por um aumento a partir da década de 2000; b) picos nos primeiros anos das legislaturas – quando parlamentares dedicam-se mais intensamente a mostrar sua agenda à base eleitoral; e c) crescimento expressivo do número de matérias apresentadas nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, em parte pelo ímpeto de partidos de direita e centro-direita, conforme observado em relatório anterior. Por fim, o volume de matérias nos temas de Educação e C&T parece acompanhar a evolução das proposições totais, mas mantém-se praticamente residual ao longo do período. É importante ressalvar que interesse legislativo não se converte necessariamente em eficácia legislativa. Ou seja, o fato de determinada legislatura, partido ou parlamentar apresentar muitas proposições não corresponde necessariamente a sua capacidade efetiva de aprovar as matérias propostas.
No gráfico 2, discriminamos o total de proposições sobre o tema por governo e ano. Em termos absolutos, há aumento consistente no total de proposições sobre os temas ao longo dos últimos governos, incluindo o de Bolsonaro.
Padrão semelhante de crescimento da agenda pode ser observado no gráfico 3, que averigua o percentual de proposições nos temas Educação e C&T sobre o total de proposições com tramitação iniciada na Câmara dos Deputados em cada ano. O interesse nos temas começa a crescer na segunda metade da década de 1990, quando sai de um patamar próximo a 1% do total de proposições iniciadas para percentuais superiores a 7% em quase todos os anos seguintes.
Há três momentos de maior participação na agenda geral legislativa de matérias relativas à Educação, Ciência e Tecnologia: o primeiro no governo Fernando Henrique Cardoso (11,3%), o segundo no governo Lula (11,3%) e o terceiro no governo Bolsonaro (11,2%). Nota-se, entretanto, que, entre os anos de 2003 e 2010, a proporção de proposições classificadas como Educação e C&T manteve-se acima de 9% em todos os anos. Assim, desconsiderados os picos, pode-se dizer que os anos do governo Lula foram aqueles em que o tema esteve presente na agenda legislativa de maneira mais consistente, quando vista a partir da apresentação de proposições na Câmara. Vale ponderar, contudo, que a apresentação de projetos não significa necessariamente um interesse por parte das lideranças e espaços de poder relevante dentro do legislativo, ou seja, que esses números definam a agenda decisória efetiva do plenário e das comissões, por exemplo. Representa, isso sim, o tamanho dos temas em atividade chave nas preferências dos parlamentares e demais proponentes de iniciativas legislativas. Exatamente por essa razão, para desdobrar outros aspectos da agenda decisória e da eficácia legislativa, é que se mostra relevante dedicar alguma atenção às matérias aprovadas.
Nos últimos 20 anos, a grande maioria das proposições com tramitação iniciada na Câmara foi de autoria de deputados(as), conforme observado no gráfico 4.
No entanto, ao distribuirmos os dados por ano (gráfico 5), é possível notar um ligeiro aumento das proposições de autoria do Senado na segunda metade da primeira década dos anos 2000.
Das matérias de Educação e C&T com tramitação iniciada na Câmara no período considerado, apenas 224 (4,2%) foram transformadas em norma jurídica. Esse percentual é de 5,1% para os demais temas. Ou seja, foi um pouco menor a capacidade do Congresso de transformar propostas em lei nos dois temas citados, proporção que, porém, não representa uma diferença estatisticamente significativa. Quando discriminamos por tipo de autor, entretanto, notamos que a maior parte das matérias que se tornaram normas jurídicas são de autoria do Executivo, conforme demonstrado no gráfico abaixo.
A análise, em separado, das proposições de autoria do Executivo (gráfico 7) novamente revela um maior ativismo sobre o tema a partir do início dos anos 2000. Os anos de 2004, 2006 e 2011 são aqueles em que observamos maior número de proposições do Executivo transformadas em norma jurídica. Os dois picos que se seguem ao término dos governos petistas apresentam padrão ligeiramente diferente daquele que caracterizou a primeira década dos anos 2000. Em 2016 e 2020, o sucesso do Executivo em aprovar suas matérias foi consideravelmente menor, ao mesmo tempo em que o número de proposições apresentadas varia consideravelmente ano a ano.
Desse modo, apesar do grande número de proposições sobre os temas Educação e C&T nos dois primeiros anos da atual legislatura, o padrão da legislatura 2019-2022 ainda não é semelhante ao do passado recente, em particular se comparado ao da primeira década dos anos 2000. Em primeiro lugar, porque o interesse da atual legislatura no tema ainda é incipiente e desacompanhado de liderança determinada do Executivo. Em segundo, porque o Executivo mostrou-se até então menos ativo e eficaz na condução de sua agenda sobre os temas. É cedo, no entanto, para avaliar se o ânimo dos novos parlamentares pode ainda resultar em mudanças institucionais de maior importância.
Postado por OLB em 26/jun/2021 - Sem Comentários
Postado por OLB em 26/jun/2021 - Sem Comentários
Postado por OLB em 20/maio/2021 - Sem Comentários
Postado por OLB em 27/abr/2021 - Sem Comentários