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O perfil do Centrão na nova legislatura

Postado por OLB em 21/out/2022 - Sem Comentários

Joyce Luz, Maiane Bittencourt, Júlio Canello e João Feres Júnior

Apresentação

A atual legislatura está chegando ao fim. Há 2 meses do encerramento do atual governo do Presidente Jair Bolsonaro (PL) já é possível afirmar que a “quebra da ordem da velha política” – promessa realizada ainda nas campanhas de 2018 – durou pouco. A partir de 2020, Bolsonaro se rendeu à formação de uma coalizão de governo e distribuiu cargos ministeriais e recursos aos partidos e parlamentares que hoje compõem o chamado “Centrão”, inclusive por meio do famoso “orçamento secreto”, permitindo ao executivo negociar a destinação de emendas parlamentares, cujo custeio sai diretamente dos cofres da União, sem que haja transparência acerca da destinação do dinheiro. Esse recurso visa manter sua governabilidade para minimizar custos da sua imagem na opinião pública.

Para efeitos de identificação, estamos aqui considerando o Centrão como um conjunto de partidos e parlamentares que habitam a direita do campo político, mas com fraca consistência ideológica, cuja atuação parlamentar e política é marcada por práticas de fisiologismo. Hoje, podemos classificar neste grupo as seguintes agremiações: PP, PL, Podemos, PROS, PSD, PTB, Republicanos, Solidariedade, Avante e Patriota.

Nesta legislatura, como mostramos em outros trabalhos do Observatório do Legislativo (OLB), o Centrão votou a favor das propostas do Poder Executivo em mais de 88% das vezes, sendo decisivo para a aprovação de pautas importantes de sua agenda, a exemplo da Reforma da Previdência, da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que afetou o pagamento de precatórios, principal fonte do recurso que possibilitaria, mais tarde, a aprovação do Auxílio Brasil no valor de 400 reais, bem como a privatização da Eletrobrás, um dos carros-chefes da pauta econômica da campanha eleitoral de Bolsonaro.

Se na legislatura que se encerra esse grupo de partidos contava com 258 deputados(as) federais, na nova legislatura, eleita no dia 2 de outubro, esse número sobe para 260, ou seja, no agregado da contagem dos eleitos o grupo mostrou enorme estabilidade para assumir 2023. Isso nos permite antever que o futuro presidente do Brasil, seja ele novamente Jair Bolsonaro (PL) ou Luiz Inácio Lula da Silva (PT), precisará, necessariamente, negociar a governabilidade com os partidos e parlamentares do Centrão.

Mas será que o Centrão da nova legislatura é igual à sua versão anterior? Quais são suas características? Buscando responder a essas questões, o OLB analisou aspectos importantes da futura composição da Câmara dos Deputados. Procuramos olhar para além da algaravia de opiniões acerca dos resultados eleitorais produzida no curto período transcorrido desde o pleito, baseando-nos nos dados eleitorais disponíveis e nos dados que o OLB compilou durante a gestão de Jair Bolsonaro.

Quem ganhou e quem perdeu na Câmara dos Deputados?

A maior bancada eleita para a Câmara dos Deputados de 2023 foi a do Partido Liberal (PL), legenda do atual presidente. Com 99 cadeiras, o PL alcançou 30% a mais de cadeiras do que tem na atual legislatura. Foi o partido que mais cresceu na Câmara. A segunda maior bancada será do Partido dos Trabalhadores (PT), situado no lado oposto do espectro ideológico, que também cresceu, alcançando 68 cadeiras. Não é surpresa que os partidos dos principais candidatos à presidência tenham obtido as maiores bancadas, resultado recorrente que representa um pouco da influência das campanhas majoritárias sobre os votos recebidos pelos candidatos às câmaras legislativas.

Por outro lado, partidos mais antigos e tradicionais do ponto de vista histórico, tiveram perdas importantes. Esse é o caso do PSDB, cuja bancada perdeu 9 membros, diminuindo para 13 parlamentares, e do PSB, que perdeu 10 cadeiras. Apesar de ser ainda a 4º maior bancada partidária em 2023, o PP ficará com 11 cadeiras a menos na próxima legislatura

Gráfico 1. Composição Partidária Câmara dos Deputados Hoje e 2023


Fonte: TSE e OLB.

Das 32 siglas que lançaram candidatos para a Câmara dos Deputados, somente 23 elegeram representantes. Partidos como AGIR, Democratas, PCB, PCO, PMB, PMN, PRTB, PSTU e UP não conseguiram passar pelas novas regras eleitorais para eleger seus respectivos candidatos. Em 2018, dos 35 partidos que disputaram, 30 alcançaram lograram eleger pelo menos um candidato.

Apenas a quantidade de partidos com alguma representação no legislativo não permite avaliar a importância relativa de cada um deles, seu tamanho e sua força. Um indicador recorrente na Ciência Política para captar esses fatores e comparar diferentes cenários e sistemas partidários é o Número Efetivo de Partidos (NEP). Seu cálculo também considera o tamanho de cada bancada, resultando em um valor que representa a quantidade de partidos com alguma relevância quantitativa no legislativo, embora não considerado o posicionamento deles no espectro político. De modo geral, quanto menor o NEP, menos partidos são necessários para se formar uma maioria e o custo político para obter uma base de apoio tende a ser menor, e vice-versa. Na troca de legislaturas que vamos experimentar, o NEP passará de atuais 11,87 para 9,27. O número efetivo de partidos parlamentares resultante das urnas em 2018 havia alcançado o recorde de 16,46. Não apenas o pleito deste ano teve efeito sobre a queda do indicador, mas também a reforma eleitoral promovida nesta legislatura e a movimentação do próprio presidente, com reflexos em fusões partidárias (União Brasil, por exemplo) e no ingresso de vários parlamentares no PL. Em termos práticos, isso significa que para conseguir construir maiorias no interior da arena legislativa, o futuro Presidente da República ou os próprios parlamentares precisarão recorrer ao apoio de aproximadamente 10 partidos e não de 17, como era o caso em 2019, no início da atual legislatura.

Gráfico 2. Número Efetivo de Partidos (NEP)


Fonte: TSE e OLB.

As eleições para o Centrão

Desde de 2020 os parlamentares e forças partidárias do Centrão foram importantes aliados do atual presidente Jair Bolsonaro (PL) no interior do Legislativo. Para 2023, o grupo continuará a ser importante agente na Câmara dos Deputados, mas qual será sua nova composição?

O número de deputados eleitos pelos partidos que compõem esse agrupamento parlamentar totalizou 260, um crescimento de apenas 2 cadeiras em relação ao número agregado atual dos quadros desses partidos na casa. Esse número é 3 unidades acima do necessário para se formar uma maioria absoluta na Câmara e, assim, aprovar projetos de lei que exigem esse quórum. Já em termos do número necessário de parlamentares para a aprovação das Propostas de Emenda à Constituição (PEC), 308, o Centrão ainda precisaria de 48 votos parlamentares para atingi-lo.

Gráfico 3. Composição dos partidos do Centrão (atual e eleito)


Fonte: TSE e OLB.

Como esperado, o PL continuará a liderar o grupo com a maior quantidade de Deputados Federais eleitos, seguido por PP, PSD e REPUBLICANOS. Também é o PL a sigla partidária com o maior número de parlamentares reeleitos. Do total de 99 Deputados Federais da agremiação na nova legislatura, 57 foram reeleitos. O único partido do Centrão que possui mais parlamentares novos eleitos é o PODEMOS, que elegeu 9 novos Deputados Federais e reelegeu apenas 3.

Gráfico 4. Quantidade de Deputados Federais Reeleitos pelo Centrão


Fonte: TSE e OLB.

Embora pequeno, o PATRIOTAS é o partido do Centrão com a maior taxa de reeleição, 75% da bancada do partido na próxima legislatura será composta por deputados reeleitos. Também chama a atenção que, com exceção do PODEMOS e do PTB, todos os partidos do grupo do Centrão apresentaram taxas de reeleição superiores a 50%.

Gráfico 5. Proporção de Deputados Federais Reeleitos pelo Centrão


Fonte: TSE e OLB.

E como o Centrão representará os diferentes estados brasileiros na Câmara? A unidade federativa que, proporcionalmente, em relação ao total de sua bancada, mais elegeu parlamentares do grupo foi o Tocantins, com 88%. Em números absolutos são 7 das 8 cadeiras que cabem ao estado. Além disso, em 16 dos 26 estados, mais o Distrito Federal, o Centrão capturou 50% ou mais das cadeiras das bancadas na Câmara dos Deputados.

Gráfico 6. Composição das bancadas estaduais na Câmara dos Deputados segundo a presença do Centrão


Fonte: TSE e OLB.

Conclusão

Houve uma redução significativa do número de partidos na Câmara dos Deputados, da eleição de 2018 para a de 2022, de 30 para 23. Não bastasse isso, o Número Efetivo de Partidos (NEP), que representa a quantidade de partidos com alguma relevância numérica no legislativo, caiu de 17 para 10. Isso indica potencial facilitação na formação da coalizão de governo e aponta na direção de uma maior clareza ideológica dos partidos frente ao eleitorado. O sistema multipartidário brasileiro gerou um número enorme de partidos, inclusive na Câmara dos Deputados, e isso faz com que o cidadão/eleitor tenha maior dificuldade de discernir o perfil ideológico da cada um deles.

O Centrão praticamente manteve o tamanho, em torno de 260 parlamentares, mas sua composição interna se alterou com o fortalecimento do partido de Bolsonaro, o PL, que conquistou 23 cadeiras a mais, chegando a uma bancada de 99 parlamentares. Praticamente todos os outros partidos do grupo sofreram perdas, com destaque para o PP, que ficou com 11 deputados a menos em sua bancada. O fortalecimento desse grupo político em termos de espaço ocupado na Câmara é muito mais o resultado de mudanças ocorridas ao longo da atual legislatura – com atenção para as adesões de políticos ao PL, na esteira da filiação de Bolsonaro -, passando de 203 deputados eleitos em 2018 para atuais 259, do que propriamente do resultado das eleições deste ano.

No bojo do crescimento do partido de Bolsonaro, veio a eleição de deputados fortemente ligados a sua figura, como André Fernandes, Bia Kicis, Carla Zambelli, Carol de Toni, Eduardo Bolsonaro, Eduardo Pazzuello, Nikollas Ferreira e Ricardo Salles. Junto a aliados próximos do presidente, eleitos por outros partidos do Centrão, esse grupo de parlamentares compõem uma facção bolsonarista dentro da Câmara.

Com toda exuberância mostrada pelo Centrão em suas várias encarnações ao longo da Nova República, e particularmente na legislatura que ora está em vias de se encerrar, não podemos nos esquecer de que a configuração do grupo depende da relação entre Legislativo e Executivo, mais especificamente, da composição do bloco de parlamentar de apoio do poder executivo. Caso o eleito seja Lula, como indicam as pesquisas e o resultado das urnas do primeiro turno, certamente haverá uma reconfiguração do Centrão que hoje conhecemos, ou, porque não dizer, desfiguração. Com sua habilidade provada de bom negociador, Lula tem condições de desestabilizar mesmo o PL, que hoje festeja sua enorme bancada. Se forçados a optar entre o conforto do fisiologismo e as agruras da pugna ideológica, muitos parlamentares do Centrão certamente escolherão a primeira opção, como, de resto, demonstra a história política recente de nosso país.

Se o vitorioso no segundo turno for Jair Bolsonaro é provável que assistamos à continuação do processo, já iniciado no seu primeiro mandato, de crescimento do poder relativo do Legislativo frente ao Executivo, como têm mostrado vários trabalhos do OLB. O pequeno partido do presidente não será forte o suficiente para virar esse jogo em favor de Bolsonaro.

Em suma, se por um lado o futuro presidente eleito do Brasil, seja ele Lula ou Bolsonaro, terá necessariamente que lidar com o Centrão, por outro, o Centrão terá sempre que se reconfigurar, adaptando-se àquele que ocupa o cargo máximo da República brasileira, o presidente.

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Panorama das emendas orçamentárias no governo Bolsonaro

Postado por OLB em 21/ago/2022 - Sem Comentários

Joyce Luz

Apresentação

Durante a campanha de 2018 e nos primeiros meses de governo, o atual Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), afirmou em diversos veículos de notícias[1] que não praticaria a “velha política”. De modo mais claro, anunciava que não recorreria à formação de uma coalizão de governo – entendida como a distribuição de pastas ministeriais para os partidos políticos situados no interior do Legislativo – para conseguir o apoio nas votações da sua agenda.

Contrariando as expectativas, o ano de 2019 se mostrou como um verdadeiro desafio para o presidente. Conforme os dados divulgados pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), Bolsonaro encerrou seu primeiro ano de mandato com uma taxa de sucesso legislativo de apenas 31%[2] – a menor taxa observada desde 1989. Se o presidente esperava construir a tão sonhada governabilidade somente na base do diálogo com parlamentares e partidos, a baixa aprovação das suas propostas no interior do Legislativo mostrou que seria preciso negociar com os atores políticos para construir uma maioria de apoio nessa arena.

Uma das medidas adotadas para resolver esse problema, e já apontada anteriormente pelo o OLB, mostrou que o distanciamento da “velha política” durou pouco. Em 2020, o presidente distribuiria o comando e cargos no interior dos ministérios para partidos e parlamentares pertencentes ao grupo do Centrão[3].

E, para além dos incentivos dados com a distribuição de cargos, outra medida adotada por Bolsonaro foi a de recriar a modalidade das emendas orçamentárias do relator-geral, as famosas emendas RP9. Dada a impositividade das emendas individuais, em vigor desde 2015, e a baixa margem para distinguir a liberação desses recursos entre quem apoia e quem não apoia o governo, a saída adotada pelo presidente foi a de voltar no tempo e devolver ao relator geral da peça orçamentária o poder de, ao longo do ano orçamentário, alocar receitas em rubricas já presentes na Lei Orçamentária Anual (LOA).

Alvo do escândalo de corrupção, conhecido como “Anões do Orçamento”, a retomada das RP9 chama a atenção e preocupa os especialistas, dado que essas emendas não possuem limite de recursos e nem de quantidade. Assim como acontecia até 1995, o relator geral da LOA ganhou o poder de alocar recursos de forma ilimitada e sem necessidade de autorização prévia do Poder Executivo ou do Poder Legislativo.

Essas emendas compõem hoje o elemento central do “Orçamento Secreto” – denunciado pelo Jornal “O Estado de São Paulo”. Nesse esquema, o relator geral tem como principal responsabilidade e atribuição usar seu poder para elaborar emendas com base na indicação de parlamentares para a alocação de recursos em obras e em municípios específicos. Sem limites de valores e de quantidades, as RP9 passaram facilmente a ser usadas como moeda de troca para a formação de maiorias de apoio ao governo no interior do Congresso.

O adjetivo “secreto”, no entanto, provém do fato de que o relator geral, ao propor as RP9 não precisa identificar as localidades para alocação dos recursos, bem como os parlamentares que serão beneficiados pela sua indicação. Na identificação das emendas de relator a única informação que existe é a de que elas pertencem à categoria de emendas RP9, sem, contudo, apontar quem serão os beneficiados com o dinheiro. E apesar das sucessivas tentativas da oposição e até do Supremo Tribunal Federal (STF) de garantir maior transparência a essas emendas, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovada para o exercício financeiro de 2023 (PLN 5/2022) garantiu a manutenção do seu caráter secreto. A única vitória da oposição foi a retirada do trecho da proposta que previa que essas emendas fossem impositivas, assim como as individuais.

Só para o ano de 2023 a LDO reservou o equivalente a 19 bilhões de reais para a execução das emendas de relator. Valor este que equivale à soma dos valores reservados para a liberação das emendas individuais e de bancada. Para lançar luz sobre a aprovação e execução das emendas orçamentárias, o OLB preparou um raio-x das dessas emendas durante o governo do Presidente Jair Bolsonaro (PL) até agora.

Panorama das emendas orçamentárias

Após a sua recriação, as emendas de relator geral, RP9, passaram a ser a modalidade de emendas orçamentárias com os maiores valores aprovados na LOA. Ao longo dos anos, os valores aprovados para tais emendas chega a ser, em média, até 3,5 vezes maior do que o valor aprovado para as emendas de bancada e 1,8 vezes maior do que os recursos aprovados para as tradicionais emendas individuais. Como mencionado anteriormente, para 2023, a expectativa é a de que as emendas RP9 atinjam os 19 bilhões de reais em valores aprovados.

Gráfico 1. Valores aprovados na LOA para as diferentes modalidades de emendas orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022.


Fonte: SIOP e OLB

A diferença entre as modalidades das emendas diminui quando observamos os valores executados. Desde 2020, as emendas de relator passam a ter os maiores valores liberados pelo Executivo. No entanto, em 2021 e 2022 a diferença para as emendas individuais passa a ser menor, de aproximadamente 50 milhões e 300 milhões, respectivamente. A maior diferença é quando comparamos os valores das emendas de bancada. As RP9 são até 2 vezes mais executadas que as emendas de bancadas.

Gráfico 2. Valores executados na LOA para as diferentes modalidades de emendas orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022.


Fonte: SIOP e OLB
*Os valores executados para 2022 foram considerados até o dia 12/07/2022.

As emendas individuais, até a recriação das emendas de relator, eram aquelas com maior proporção de execução. Desde 2020, no entanto, elas passaram a representar parcelas menores do total de recursos, devido ao protagonismo das emendas de relator geral que passaram a abarcar parcelas semelhantes. Destaca-se, também, a queda das parcelas destinadas para as emendas de bancada. Entre os anos de 2019 e 2022, tais emendas sofreram uma queda de 11% da parcela dos recursos executados. O gráfico 3 traz essas informações.

Gráfico 3. Porcentagem de recursos liberados na LOA para as diferentes modalidades de emendas orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022

Fonte: SIOP e OLB

Distribuição das emendas individuais orçamentárias x Distribuição das emendas de relator-geral

Dada a impossibilidade, advinda do componente “secreto”, de identificar os parlamentares beneficiados, bem como as localidades atendidas com as emendas orçamentárias de relatores, o STF determinou, em junho de 2021, que os integrantes do Congresso Nacional (deputados federais e senadores) divulgassem os valores e os municípios por eles indicados, beneficiados com as emendas de relatores. Até junho deste ano, no entanto, somente 66,7% dos Deputados Federais cumpriram a determinação. Dos quase 30 bilhões de reais aprovados para essa modalidade de emenda, apenas 10,9 bilhões de reais foram até agora mapeados e identificados.

Desse total, 82% foram indicados por parlamentares pertencentes ao Centrão, mas o fato é que a falta de transparência ainda compromete a total e completa identificação dos valores e parlamentares beneficiados com as emendas de relator. A vantagem comparativa do Centrão também pode ser observada na execução das emendas individuais orçamentárias – modalidade esta em que o parlamentar obrigatoriamente deve informar os valores e indicar as localidades para aporte de recursos. Desde 2019, parlamentares ligados ao grupo do Centrão possuem os maiores valores e as maiores parcelas de recursos em emendas executadas. Eles chegam a executar até 2 vezes mais suas emendas do que os parlamentares de outros partidos.

Gráfico 4. Recursos liberados na LOA para as emendas individuais orçamentárias entre os anos de 2019 e 2022 por partidos


Fonte: SIOP e OLB

Em média, 68% de todas as emendas individuais executadas foram de indicação de partidos do Centrão ao longo dos anos de 2019 e 2022.

Gráfico 5. Porcentagem de emendas individuais orçamentárias executadas entre os anos de 2019 e 2022 por partidos


Fonte: SIOP e OLB

Um parlamentar que pertence ao Centrão recebe, em média, até 1,5 vezes mais recursos do que um parlamentar cujo partido não compõe esse grupo.

Gráfico 6. Média de emendas individuais orçamentárias executadas por parlamentares e partidos entre os anos de 2019 e 2022


Fonte: SIOP e OLB

Pontos de destaque

  • A recriação das emendas orçamentárias de relator geral (RP9), em 2020, somada à distribuição de cargos nos ministérios, marcou a virada de perspectiva do governo na sua relação com o Legislativo, para garantir maior aprovação de suas propostas no Congresso.
  • As RP9 passaram a ser a modalidade de emendas orçamentárias com os maiores valores aprovados e executados desde a sua recriação. Até 2019, eram as emendas individuais, em função inclusive do seu caráter impositivo, as mais executadas dentre as demais modalidades.
  • Dada a não obrigatoriedade de identificar proponentes e localidades beneficiadas, as RP9 têm se mostrado um desafio para a maior transparência e identificação dos gastos. Apesar das determinações do STF, somente 66,7% dos Deputados Federais informaram os valores e as localidades indicadas nas RP9. Dos valores identificados até agora, 82% foram indicados pelo Centrão.
  • Na execução das emendas individuais orçamentárias, parlamentares do Centrão são os mais beneficiados com recursos. 68% dos recursos executados nesta modalidade são para partidos do Centrão. Parlamentares deste grupo também costumam ter até 1,5 vezes mais recursos executados do que parlamentares de outros partidos.

[1] https://congressoemfoco.uol.com.br/projeto-bula/reportagem/bolsonaro-e-diplomado-e-prega-ruptura-com-a-velha-politica-nao-mais-a-corrupcao/
https://veja.abril.com.br/politica/bolsonaro-a-cadeira-presidencial-e-como-a-criptonita-para-o-super-homem/

[2] Os dados, bem como a metodologia usada pelo OLB, podem ser visualizados no nosso site: https://olb.org.br/monitor/

[3] Para saber mais sobre a relação do Centrão com o atual governo de Jair Bolsonaro, basta acessar o relatório produzido pelo OLB sobre o tema: https://olb.org.br/ciencias-sociais-articuladas-o-centrao-na-camara-e-o-governo-bolsonaro/

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O que devemos saber sobre as pesquisas eleitorais?

Postado por OLB em 01/jul/2022 - 1 Comentário

Joyce Luz, João Feres Jr.

Apresentação

Quem aqui se lembra do episódio polêmico que marcou as eleições para a prefeitura de São Paulo em 1985? Naquele ano, Fernando Henrique Cardoso e Jânio Quadros disputavam a cadeira de prefeito da maior capital brasileira. As pesquisas de intenção de votos na época apontavam que Fernando Henrique seria o candidato vitorioso da disputa. Convencido por tais resultados, o até então candidato posou para fotos na cadeira de prefeito um dia antes da realização do pleito. Para sua infelicidade, contudo, Jânio Quadros venceu a eleição e ainda desinfectou a cadeira, na qual passaria os próximos três anos sentado, em resposta à provocação de seu oponente.

Esse episódio foi apenas um, entre tantos outros, em que os resultados das pesquisas de intenção de votos divergiram dos resultados das urnas. Nas eleições de 2018, um dia antes da realização do primeiro turno, Ibope e Datafolha divulgaram os resultados de suas pesquisas para presidente. No Ibope, o candidato Jair Bolsonaro (PSL à época) tinha 36% dos votos e Haddad (do PT) aparecia com 22%. Já o Datafolha trazia o atual presidente com 40% das intenções de voto e o petista com 25%. Mas o que se constatou na apuração final das urnas foi Bolsonaro com 46,03% e Haddad com 29,28% dos votos. Dessa vez os institutos de pesquisa acertaram o vencedor, mas erraram as previsões por valores muito superiores às margens de erro que declaram em seus relatórios de pesquisa.

Há dias atrás, a jornalista Mônica Bergamo noticiou que a corretora XP Investimentos, que vinha realizando pesquisas de intenção de voto para presidente periodicamente, cancelou a divulgação dos resultados de pesquisa já registrada no TSE devido à forte pressão de bolsonaristas. Os resultados mostravam o candidato petista muito à frente na preferência dos eleitores, inclusive quando os entrevistados foram inquiridos sobre a honestidade dos candidatos [1].

Ano eleitoral e as pesquisas que medem as intenções de voto voltam a ganhar espaço na mídia. Semanalmente nos deparamos com matérias sobre pesquisas apontando que candidato A tem x% das intenções de voto, candidato B tem y%, C tem z%, e por aí vai. Quão precisas são essas pesquisas? O quanto elas realmente transmitem a percepção dos eleitores? Por que nos deparamos com pesquisas que apresentam resultados frequentemente diferentes? Essas são algumas das inquietações que os eleitores e o público em geral têm quando se deparam com essas informações.

Para além da corrida eleitoral deste ano, na última semana de maio os senadores voltaram a discutir o Projeto de Lei Complementar (PLP) 112/21, também conhecido como novo código eleitoral — já aprovado pelos deputados federais, ainda em setembro do ano passado. Dentre as várias mudanças propostas no código, está previsto que os institutos de pesquisas passem a informar o percentual de acertos das pesquisas realizadas pela empresa nas últimas cinco eleições. Se a proposta for aprovada no Senado, as regras já passariam a valer para as pesquisas que estão sendo realizadas este ano.

Com este cenário em vista e sabendo que a quantidade de pesquisas tende a aumentar, quanto mais próxima fica a data de realização das eleições, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) organizou alguns pontos e dicas importantes para que os eleitores saibam interpretar os resultados das pesquisas de intenção de votos.

Resultados das pesquisas eleitorais de intenção de votos para presidente no Brasil (2º Turno)

Pesquisas de intenção de votos são importantes elementos de informação em cenários marcados pela incerteza e pela polarização eleitoral. No Brasil, há quase 5 meses da realização das eleições, ainda não sabemos ao certo quais serão os candidatos à Presidência da República. Só nos últimos dois meses assistimos à desistência de duas importantes figuras políticas que concorreriam ao cargo, Sérgio Moro e João Dória. E ainda não está consolidada a chamada terceira via, que se autodefine como opção à polarização entre petistas e bolsonaristas. Nesse panorama, as pesquisas nos ajudam a entender melhor a movimentação das preferências em diferentes e possíveis cenários eleitorais.

Mas é preciso pontuarmos aqui que os resultados das pesquisas, como abordamos na introdução, podem conter um bom grau de imprecisão. Para elucidar melhor essa questão, as figuras 1 e 2 apresentam os resultados das pesquisas de intenção de voto no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, para o cenário Lula X Bolsonaro. Cada ponto colorido do gráfico representa a porcentagem de intenção de votos para os candidatos divulgada por diferentes institutos de pesquisa.

Destaca-se como exemplo as intenções de voto para o candidato Lula, reportada pelas pesquisas de abril deste ano. Enquanto o Poder Data e o instituto Ideia apontam que Lula teria entre 47% e 48% das intenções de voto para presidente, a Genial Quaest e o IPESPE registram uma intenção de 55% e 53,5%, respectivamente. A diferença entre os resultados das pesquisas, para o mês de abril, varia de 6 a 8 pontos, valores estes muito acima da margem de erro esperada de 2 ou 3 pontos percentuais, para cima ou para baixo. Em outras palavras, dada a grande variação dos resultados e a margem de erro declarada pelos institutos de pesquisa, somos forçados a concluir que é impossível que todos estejam certos em suas estimativas.

Figura 1.Intenção de votos em diferentes Institutos de Pesquisa para o candidato Lula (2º turno das eleições de 2022)

O mesmo acontece com os resultados reportados para o candidato Jair Bolsonaro. Enquanto o IPESPE divulgou em suas pesquisas do mês de abril que o candidato teria 33,5% das preferências dos eleitores brasileiros, o instituto Ideia trouxe Bolsonaro com 39%. A diferença entre os resultados reportados ultrapassa 5 pontos, ou seja, mais uma vez ultrapassa a margem de erro declarada.

Figura 2. Intenção de votos em diferentes Institutos de Pesquisa para o candidato Bolsonaro (2º turno 2022)

Essas diferenças entre os institutos e resultados divulgados, no entanto, indicam que as pesquisas de intenção de votos são ruins ou que não são confiáveis? Não! Tais diferenças nos mostram que devemos ficar atentos às informações complementares que os institutos são obrigados a divulgar a cada nova rodada de pesquisas. O OLB separou aqui 5 pontos importantes de serem levados em conta no momento da leitura e interpretação dos resultados das pesquisas.

1. Margem de erro e resultados divergentes

Resultados divergentes entre as pesquisas e entre o resultado real das eleições podem, muitas vezes, ser explicados pela margem de erro. Como o intervalo de confiança, a margem de erro é uma das estatísticas mais importantes dos resultados de uma pesquisa eleitoral. Sua interpretação é, também, bastante simples. Tomemos como exemplo as pesquisas de intenção de voto realizadas pelo instituto PoderData no mês de abril para o segundo turno das eleições de 2022.

Conforme os gráficos 1 e 2, o instituto apontou que o candidato Lula tinha 47% das intenções de voto, contra 38% de Bolsonaro. O PoderData, por sua vez, utiliza uma margem de erro de 3 pontos para mais ou para menos. Logo, devemos interpretar que se a pesquisa tivesse sido realizada com base em toda a população brasileira, e não apenas com base em uma amostra, a intenção de votos que esperaríamos encontrar para o candidato Lula estaria entre 44% e 50%, ao passo que o candidato Jair Bolsonaro estaria entre 35% e 41% das intenções de voto.

Pesquisas nas quais a população inteira é consultada sobre suas intenções de voto não existem. A dificuldade de tempo e aplicação dos questionários, bem como a dificuldade financeira imposta, fazem com que os institutos de pesquisa recorram, então, à seleção de amostras da população para aplicarem seus questionários e extraírem seus resultados. Com a seleção de amostras, o uso da margem de erro torna-se obrigatório. Isso porque, a margem de erro é a estatística responsável por capturar as eventuais diferenças e erros aleatórios que possam existir entre a amostra selecionada e a população real.

Com a finalidade de diminuir a diferença entre os resultados das pesquisas dos institutos, bem como entre elas e o resultado real das eleições, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) passou a adotar a Resolução 23.364/2011. Dentre as principais mudanças da legislação está a determinação de que os institutos de pesquisa devem informar ao tribunal a margem de erro de suas pesquisas antes de irem a campo fazer as entrevistas.

Gráfico 1. Margens de erro utilizadas pelos institutos de pesquisas brasileiros


Fonte: OLB

Matematicamente, quanto maior a margem de erro de uma pesquisa, menor será a confiança de que os resultados extraídos da amostra estejam próximos aos valores reais observados na população. Contudo, ainda que os institutos de pesquisa brasileiros apresentem margens de erro diferentes entre si, como mostra o gráfico 1, a diferença de resultados entre elas supera, em alguns casos, as margens de erro reportadas. É o caso, por exemplo, das últimas pesquisas divulgadas pelo DataFolha e pelo PoderData. Enquanto o DataFolha divulgou que o candidato Lula teria 58% das intenções de voto no segundo turno, podendo este valor variar entre 54% e 60%, com a margem de erro de 2 pontos, o PoderData estimou que Lula teria 50% dos votos, variando entre 47% e 53%, com a margem de erro de 3 pontos. Como não há intersecção entre os intervalos, é pouco provável que as duas pesquisas correspondam às preferências reais da população.

Apesar da maior transparência imposta pela legislação do TSE, a exigência de os institutos de pesquisa terem de registrar a margem de erro pré-estabelecida antes de ir a campo é um problema. Em termos práticos, toda e qualquer dificuldade encontrada durante a realização das entrevistas não é capturada pela margem de erro reportada e usada para o cálculo dos resultados. Além disso, como abordaremos adiante, os erros de uma pesquisa dependem muito dos métodos de seleção e abordagem dos entrevistados.

2. Universo da Amostra

Do ponto de vista da ciência da estatística, o cálculo da margem de erro de uma pesquisa só é possível quando a amostragem é probabilística. Neste tipo de seleção, todos os participantes têm as mesmas chances de serem escolhidos para compor a amostra. Como nenhum instituto brasileiro faz pesquisa eleitoral com amostragem probabilística dos participantes, as margens de erro informadas obrigatoriamente pelos institutos ao TSE não têm rigor estatístico. Isso não quer dizer que os resultados obtidos nas pesquisas não possam se aproximar da real distribuição de preferências eleitorais da população, mas que não há parâmetros científicos estritos para julgar os resultados a não ser a comparação final com os resultados das urnas, e mesmo esse é imperfeito.

A deficiência da margem de erro como parâmetro confiável de avaliação dos resultados das pesquisas faz aumentar a importância de os institutos divulgarem o processo de coleta e de composição de suas amostras. Isso porque, a depender do processo escolhido, a pesquisa pode deixar de fora dos dados, e das análises subsequentes, importantes parcelas da população.

Outra preocupação dos institutos de pesquisa com relação às amostras selecionadas deve ser o componente da estratificação. No Brasil, questões de território, bem como questões sociais atreladas à raça, gênero, escolaridade, renda, etc. importam para a composição de uma amostra que seja a mais fiel possível ao perfil da população.

É por este motivo que muitos institutos de pesquisas se preocupam com o que chamamos estratificação. As grandes empresas, como o IPEC (antigo Ibope), Datafolha, IPESPE e Quaest, utilizam, por exemplo, a amostragem aleatória estratificada por cotas. Primeiro, há a divisão da quantidade de entrevistados pelos municípios e regiões do país, para em seguida, ser realizada as devidas divisões por renda, idade, escolaridade, cor/raça ou gênero, de forma a reproduzir as proporções da população para as categorias selecionadas. Em termos práticos, a estratificação por cotas significa fazer, por exemplo, que se numa cidade a população feminina é de 60% e a masculina é de 40%, a amostra selecionada deverá ter a mesma proporção de mulheres e homens na pesquisa.

A técnica de abordagem da amostra selecionada também interfere, e muito, nos resultados das pesquisas. A depender da técnica escolhida, parcelas específicas da sociedade podem ser subrepresentadas ou mesmo excluídas das análises. Pesquisas feitas por telefone, por exemplo, tendem a deixar de fora a parcela da população que é mais pobre e não possui telefone ou que, muitas vezes, tem mais dificuldade para compreender os questionamentos, interagir com robôs ou mesmo responder aos questionamentos por esse meio. Por outro lado, nas pesquisas realizadas em domicílios, entrevistadores podem enfrentar dificuldades de acesso. Por exemplo, parte da classe alta brasileira mora em condomínios de alto-padrão que não permitem a entrada de “desconhecidos”. Da mesma forma, moradores de comunidades também podem deixar de ter suas opiniões coletadas por conta do difícil acesso às periferias.

Todos esses fatores precisam ser levados em conta na hora da análise e da interpretação dos resultados das pesquisas. Abaixo, colocamos no quadro 1 um resumo das principais técnicas de coleta das amostras, seus principais pontos positivos e negativos e os institutos de pesquisas que costumam aplicá-las.

Quadro 1. Diferentes técnicas de coleta das amostras de pesquisas de intenção de votos

Técnica de Coleta Explicação Pontos Positivos Pontos Negativos Institutos que usam
Ponto de Fluxo Entrevistados são abordados em pontos específicos a cidade. Processo de coleta é mais rápido do que a pesquisa em domicílio Possível ausência de entrevistados que possam representar grupos específicos; problemas de viés associado ao entrevistado querer responder ao questionário sem necessariamente ter sido escolhido/ abordado pelo entrevistador. DataFolha e Ideia
Telefone Entrevistas são realizadas por telefone, às vezes por robôs. Menor custo e mais fácil do indivíduo aceitar ser entrevistado. Exclusão da parcela da sociedade que não tem telefone, geralmente a população mais pobre; exclusão daqueles que não atendem as chamadas. IPESPE, Futura, Ideia, Paraná Pesquisas e PoderData
Domiciliar Entrevistas são realizadas em domicílio. Maior probabilidade de entrevistas com indivíduos que precisam fazer parte da amostra. Maior custo; exclusão de determinadas parcelas da população. Exemplos: ricos que moram em condomínios que não permitem a entrada de entrevistadores e pobres que moram em localidades de difícil acesso. IPEC, MDA, Paraná Pesquisas e Quaest

Fonte: OLB

É preciso aqui ressaltar que em todas essas técnicas ainda podemos ter o problema associado ao viés do entrevistador. Não são raros os casos em que os entrevistadores tentam, de alguma forma, interferir ou interferir na resposta dos indivíduos. No último mês, por exemplo, a empresa de pesquisa Genial Quaest relatou que cinco entrevistas realizadas por um integrante de sua equipe de pesquisa foram descartadas, após a suspeita de que as normas de neutralidade na aplicação dos questionários não foram cumpridas. Esse é um caso raro de publicação desse problema, que a maioria dos institutos simplesmente não relata.

3. Diferenças no texto e na ordem dos enunciados das questões

As pesquisas de opinião também podem apresentar importantes diferenças em seus resultados a depender do modo como o questionário é construído. A simples ordem de apresentação das perguntas pode alterar a resposta do participante. Por exemplo, há diferença entre coletar a intenção de voto do entrevistado sem lhe oferecer lista de nomes de candidatos, chamada intenção de voto espontânea, e coletar sua intenção a partir de uma lista predeterminada de candidatos, denominada intenção de voto estimulada.

As perguntas sobre intenção espontânea acabam por exigir que os respondentes tenham conhecimento prévio dos possíveis candidatos e isso nem sempre acontece. Muitos brasileiros e brasileiras desconhecem quem são os candidatos até as vésperas das eleições. Quando questionados pelas pesquisas, tais eleitores, muitas vezes, podem fornecer nomes de políticos que não necessariamente são candidatos ou podem fornecer nomes mais célebres, ou mais divulgados pela mídia — o que nem sempre pode corresponder a sua real intenção de voto.

Quando se pretende medir a intenção de voto estimulada e a pesquisa é realizada pessoalmente (ponto de fluxo e domiciliares), o modelo geralmente adotado para a pergunta é o uso de um disco circular, como mostra a figura 3. Neste disco, todos os nomes dos candidatos ocupam espaços iguais, aumentado a probabilidade de que o entrevistado visualize todos os nomes. Datafolha e IPEC costumam adotar essa técnica.

Já nas pesquisas realizadas por telefone, com a impossibilidade de apresentação de uma lista de candidatos ou de um disco, os institutos de pesquisa optam por ler os nomes de forma aleatória ou em rodízio a cada entrevista. Os respondentes, por sua vez, precisam, ainda, selecionar teclas de números específicos em seus telefones para informar as opções desejadas. Com esta técnica, por exemplo, os entrevistados podem ter dificuldade de se lembrar de todas as opções e acabar optando pela que mais memorizaram e não necessariamente pela que realmente desejavam escolher. Institutos como FSB e IPESPE adotam essa estratégia.

Figura 3. Disco com as opções dos candidatos usados nas pesquisas presenciais

Ainda, é preciso aqui destacar que a depender de como são abordados ou das perguntas que antecedem as opções de voto, entrevistados podem optar por omitir suas reais preferências ou até mesmo escolher outras opções de resposta. Nas eleições de 2018, por exemplo, o instituto Vox Populi foi muito criticado por influenciar a escolha dos eleitores ao informar na pesquisa no texto da própria pergunta sobre intenção de voto, que Fernando Haddad (ex-candidato à Presidência da República) era o “Candidato do Lula”.

4. Pesquisas de intenção de votos não preveem o futuro

As pesquisas de intenção de votos não podem ser tomadas como preditivas dos resultados das eleições. As pesquisas retratam as intenções de voto para determinado candidato em determinado momento do tempo. Assim, se os resultados apresentados em um mês divergem dos resultados apresentados no mês seguinte, é preciso levar em conta a dinâmica dos acontecimentos políticos.

Por fim, como o próprio nome diz, pesquisas de intenções de voto medem as intenções dos eleitores que, por sua vez, podem mudar de opinião, levados por fatores que analistas e observadores nem sempre conhecem totalmente. Os questionários dessas pesquisas são, contudo, sempre limitados, por razões práticas e orçamentárias. Para além das intenções de voto e seu cruzamento com variáveis demográficas básicas como região de residência, idade, sexo, renda, escolaridade, ideologia/preferências pretéritas (nem sempre utilizadas) e raça (raramente utilizada) eles não são feitos com o fito de explorar questões contextuais do momento que possam estar influenciando as preferências.

5. Manipulação dos resultados

Como toda atividade humana, as pesquisas de opinião estão sujeitas à malícia motivada por interesses particulares. Os resultados podem ser manipulados de várias maneiras, algumas delas comentadas acima, como na formação da amostra, na operação das entrevistas, na composição do questionário, etc, e também na divulgação dos dados. Esses podem ser divulgados em sua totalidade ou seletivamente, ou ainda totalmente ocultados. Mesmo a manipulação de resultados dentro da margem de erro, ou seja, por poucos pontos percentuais, pode ter grandes consequências para o resultado de uma eleição. Como prevenir que esses problemas aconteçam?

A única resposta possível, ao nosso ver, é mais e melhor regulação pública dessa atividade. As eleições são elemento fundamental da democracia representativa. Se seus resultados não são justos, ou seja, são distorcidos ou manipulados, todo o sistema democrático é colocado em risco. A regulação da atividade de pesquisa eleitoral é, portanto, assunto de suma relevância. O TSE tem feito um esforço meritório para regular essa atividade, mas como o contexto político, comunicacional e os parâmetros tecnológicos estão em constante mudança, é preciso constante atualização.

É saudável que instituições e agentes com claros interesses políticos e financeiros no resultado eleitoral patrocinem e divulguem pesquisas? Os institutos de pesquisa podem ser contratados por administrações de políticos para os quais trabalharam no período de campanha? Os institutos deveriam atingir metas de acerto em relação aos resultados finais da eleição, ou seja, os que erram fragorosamente devem ser punidos? Essas são questões ainda não respondidas.

Pontos de destaque

  • As atuais pesquisas de intenção de votos realizadas por diferentes institutos de pesquisas brasileiros chegam a registrar até entre 5 e 8 pontos de diferença nos resultados reportados. Muitas vezes tais diferenças podem ser explicadas pela margem de erro utilizada pelos institutos, mas nem sempre.
  • Em 2011 o Tribunal Superior Eleitoral passou a adotar a Resolução 23.364/2011 que obriga os institutos de pesquisa a divulgarem as margens de erro das pesquisas antes mesmo de realizá-las. Ao cumprir com essa resolução, os institutos de pesquisa deixam de incorporar em suas margens de erro possíveis problemas na realização das entrevistas e coleta dos dados.
  • A estratificação da amostra, bem como a técnica de coleta das respostas dos entrevistados é de grande importância para a interpretação dos resultados. A depender da estratificação adotada — por cotas, por território ou por ambos —, bem como do método de coleta das respostas dos entrevistados — abordagem pessoal ou abordagem por telefone — segmentos da população podem ficar de fora das pesquisas e, portanto, das análises e resultados reportados.
  • O modo como as perguntas são construídas e apresentadas também pode interferir nas respostas que os entrevistados fornecem. As pesquisas espontâneas, por exemplo, exigem que os respondentes tenham conhecimento prévio dos possíveis candidatos, ao passo que as pesquisas realizadas por telefone exigem, muitas vezes, que os entrevistados memorizem as opções de respostas.
  • Resultados de pesquisas de intenção de votos estão condicionadas ao tempo e ao momento em que são realizadas. Elas se propõem a medir e informar qual é a escolha dos eleitores no momento e nas condições específicas em que são realizadas. Pesquisas eleitorais nem sempre são boas preditoras dos resultados das urnas.
  • Somente a regulação pública da atividade de pesquisa eleitoral pode proteger a democracia dos efeitos mais perniciosos do seu mal uso. E, assim como os contextos político e comunicacional estão em constante transformação, a regulação deve estar em constante atualização.

[1] https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2022/06/coordenador-da-campanha-de-lula-pede-a-aras-que-apure-se-houve-crime-na-pressao-para-xp-cancelar-pesquisas.shtml

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O Pacote da Destruição em pauta

Postado por OLB em 24/jun/2022 - Sem Comentários

Joyce Luz

Apresentação

No dia 9 de março, artistas, representantes da Sociedade Civil, lideranças de importantes movimentos sociais e de Organizações Não Governamentais (ONGs), ligadas à área de meio-ambiente, se reuniram em Brasília para o chamado “Ato pela Terra”. Organizado pelo cantor e compositor Caetano Veloso, o ato teve por objetivo reunir pessoas e organizações para protestar contra o chamado “Pacote da destruição”, em tramitação no Congresso Nacional.

O “Pacote da destruição” é atualmente composto por seis projetos de lei listados e classificados pelo “Movimento 342 Amazônia” e outros diversos atores como danosos aos interesses socioambientais. Em nota anterior, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) apresentou detalhadamente o conteúdo e impacto de cada um destes seis projetos.

Abaixo colocamos, de maneira sumarizada, a identificação e resumo das propostas.

Tabela 1. Identificação dos Projetos que compõem o “Pacote da Destruição”

Projeto Resumo Proposto por Em análise
PL 2159/2021 Flexibiliza as regras e permissões para o licenciamento ambiental. Câmara Senado
PL 2633/2020 Flexibiliza as regras para a regularização fundiária Câmara Senado
PL 510/2021 Flexibiliza as regras para o desmatamento aumentando as áreas para regularização fundiária e extinguindo a necessidade de vistoria Senado Senado
PL 490/2007 Flexibiliza as regras que versam sobre as demarcações de terras indígenas (PL do Marco Temporal) Câmara Câmara
PL 191/2020 Regulamenta a exploração de recursos minerais, hídricos e orgânicos em reservas indígenas Poder Executivo Câmara
PL 6299/2002 Flexibiliza as regras para a aquisição de agrotóxicos Senado Senado

Dentre os seis projetos do pacote, quatro encontram-se em análise no Senado Federal, enquanto outros dois estão na Câmara dos Deputados. Em meio a inúmeros pedidos para que os projetos fossem barrados e em resposta aos manifestantes, o presidente do Senado Federal, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu ter cautela na análise dos projetos de lei que estão tramitando na casa e ainda ressaltou a necessidade de diálogo e de pontos de convergência para que tais propostas não sejam confundidas com a grilagem de terra e o “passe livre para o desmatamento e a violação ambiental”.

Na contramão do Senado, no entanto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), ignorou os manifestantes. No mesmo momento em que o ato acontecia, negociou com os demais deputados e deputadas federais as condições necessárias para aprovação do requerimento de urgência de autoria do líder do governo, Ricardo Barros (PP-PR), para ao PL 191/2020 – projeto que libera a mineração em terras indígenas. O pedido foi aprovado e agora aguarda a deliberação direta no plenário da casa. A principal consequência para o processo como um todo é que com a urgência aprovada, as comissões permanentes, bem como os parlamentares em plenário, perdem tempo e poder de análise do impacto do projeto para o país.

Após as mobilizações e trabalhos para a aprovação da PEC dos Precatórios (PEC 23/2021), que garantiu a maior vitória do governo frente ao eleitorado, o Auxílio Brasil, tanto o Congresso Nacional, quanto o Presidente da República parecem empenhados em encerrar o último ano da atual legislatura cumprindo a promessa, feita ainda em campanha, de aprovar uma agenda ambiental marcada pelo retrocesso e destruição de importantes garantias alcançadas desde 1988.

Com o objetivo de expor e denunciar o avanço dessa pauta, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou os principais andamentos e desdobramentos dos projetos no interior do Congresso Nacional na atual legislatura para identificar o comportamento dos nossos parlamentares frente ao pacote da destruição e tecer considerações sobre o que se pode esperar daqui para frente para os projetos que ainda estão sendo analisados tanto no interior da Câmara dos Deputados, quanto no Senado Federal.

1. Andamento dos projetos no interior da Câmara dos Deputados

Dos seis projetos que compõem o “Pacote da Destruição”, três deles já passaram pela análise e aprovação dos Deputados e agora esperam a análise dos senadores. São eles o PL 2159/2021 (PL do Licenciamento Ambiental), o PL 233/2020 (PL da Grilagem) e o PL 6299/2002 (PL dos Agrotóxicos).

A primeira característica que une e explica o avanço desses três projetos na Câmara dos Deputados, na atual legislatura, é a aprovação do pedido de tramitação em urgência, requerida pelos líderes partidários. A partir da aprovação de um pedido como este, todo e qualquer projeto é automaticamente retirado do interior das comissões para ser votado em plenário. O projeto ganha em termos de prioridade de votação, mas perde muito em tempo hábil de análise dos impactos de seu conteúdo, dado que os relatores das comissões permanentes são obrigados a encerrarem seus pareceres e a os emitirem em plenário, instantes antes de acontecer a votação.

Uma vez em plenário, esses projetos ainda são passíveis de serem modificados pelos parlamentares através da apresentação de emendas, cabendo também aos relatores a decisão sobre o acolhimento ou não destas. No que se refere aos três projetos citados acima, somente as emendas dos parlamentares ligados ao grupo do Centrão foram aprovadas pelos relatores em plenário. As emendas apresentadas pelos demais partidos, em sua maioria pela oposição, foram todas rejeitadas.

No entanto, esse quadro não espanta e pode ser explicado pela presença exclusiva de relatores do Centrão escolhidos para proferirem seus pareceres favoráveis às propostas e às suas respectivas emendas em plenário. A estreita relação dos relatores do PP, do PL e do Solidariedade com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), bem como com o governo resultou não só na agilidade na tramitação dos projetos, bem como na sua aprovação.

Gráfico 1 – Emendas apresentadas e aprovadas na Câmara dos Deputados


Fonte: Câmara dos Deputados

No plenário da Câmara dos Deputados, a adesão ao projeto que flexibiliza as regras para o licenciamento ambiental, ao projeto da grilagem e ao projeto que também flexibiliza as regras para aquisição e distribuição de agrotóxicos no país foi massiva. Mesmo com a realização de audiências públicas que trouxeram para o debate importantes grupos da sociedade civil contrários à proposta, ambos os três projetos foram aprovados por mais de 71% dos parlamentares da casa, em placares idênticos que marcaram 290 votos favoráveis contra 115. Novamente, os partidos do centrão foram os que tiveram mais parlamentares votando favoravelmente às propostas, e de forma coesa.

Gráfico 2. Taxa de adesão dos parlamentares ao “Pacote da Destruição” na Câmara dos Deputados


Fonte: Câmara dos Deputados

Os únicos dois projetos do pacote que ainda estão sob a análise dos deputados e deputadas são: o PL 490/2007, que altera a sistemática de demarcação de terras indígenas e consolida a tese do marco temporal, e o PL 191/ 2020, que libera a mineração em terras indígenas.

O PL 490/2007 está tramitando em regime ordinário e está pronto para ser votado no plenário da Casa. Tanto a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), quanto a Comissão Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR), sob a relatoria dos deputados Wladir Neves (PSDB-MG) e Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), respectivamente, ofereceram pareceres favoráveis à proposta. Somente a relatora, deputada Iriny Lopes (PT-ES), da Comissão de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) apresentou parecer contrário à proposta.

Já o PL 191/2020 foi o projeto que obteve o pedido de urgência, de origem do líder do governo Ricardo Barros (PP-PR), aprovado no mesmo dia em que manifestantes realizavam o “Ato pela Terra”. A julgar pelos pareceres apresentados e pelo rito de tramitação dos demais projetos já aprovados, a expectativa é a de que o cenário favorável à aprovação de ambas as propostas se mantenha.

2. Expectativas quanto ao andamento do Pacote da Destruição no Senado Federal

Além dos projetos que versam sobre o licenciamento ambiental, sobre a grilagem e sobre a aquisição e distribuição de agrotóxicos, o Senado Federal ainda deve concluir a análise do PL 510/2021 que flexibiliza as regras para o desmatamento aumentando as áreas para regularização fundiária e extinguindo a necessidade de vistorias.

Apesar das promessas do Presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de seguir com cautela na análise de tais propostas, a tendência é a de que os projetos, na verdade, também não encontrem resistência para serem aprovados no Senado.

Atualmente, todos os quatro PLs do “Pacote da Destruição” que se encontram na casa (PL 2159/2021; PL 2633/2020; PL 6299/2002 e o PL 510/ 2021) estão ainda na fase de análise pelas Comissões de Meio Ambiente (CMA), de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) e de Constituição e Justiça (CCJ). Não há, até o momento, nenhuma decisão mais substantiva a respeito destas propostas.

Somente a título de realizar um exercício preditivo, o OLB analisou a composição partidária de cada uma das comissões acima citadas e do plenário do Senado. Comparando tal composição com o comportamento que os partidos políticos apresentaram na aprovação destas propostas na Câmara dos Deputados, o esperado, como mostramos no gráfico 3, é que estes projetos também sejam aprovados no Senado Federal.

Como apresentamos anteriormente no gráfico 2, a maioria dos partidos que hoje integram a CA, a CRA, a CCJ e o próprio plenário do Senado votaram majoritariamente a favor da aprovação das propostas do pacote. Ao assumirmos que partidos políticos são atores unitários, o esperado é que o mesmo comportamento apresentado por esses atores na Câmara, se repita, também, no Senado Federal.

Gráfico 3. Composição partidária das Comissões e do plenário do Senado Federal


Fonte: Senado Federal

Em um olhar mais detalhado sobre a tramitação destes projetos no Senado, a ocupação das atuais relatorias das comissões parece confirmar ainda mais o diagnóstico a favor da aprovação das propostas. O PL 510/2021 e o PL 2633/2020, por exemplo, estão tramitando conjuntamente. As matérias encontram-se na CA e na CRA, onde o relator designado, senador Carlos Fávaro (PSD- MT), já apresentou parecer favorável às propostas.

Já o PL 2159/2021 aguarda no interior da CRA o parecer da relatora e senadora Katia Abreu (PP-TO). A expectativa é a de que a relatora também emita parecer favorável à proposta que flexibiliza as regras e permissões para o licenciamento ambiental. Atualmente a senadora faz parte da bancada ruralista – defensora dos interesses do agronegócio no país e já declarou que, segundo ela, haveria um excesso de burocracias e de regras no processo de licenciamento que atrapalhariam o desenvolvimento do agronegócio no país.

Por fim, o PL 6299/2002 que trata sobre as regras de aquisição e distribuição dos agrotóxicos retornou recentemente para análise dos senadores e ainda não está sendo analisado por nenhuma comissão. A expectativa é de que a CMA e a CRA analisem a proposta. O atual presidente da CMA, senador Jaques Wagner (PT-BA), no entanto, se diz preocupado com a alta probabilidade de aprovação. Compondo a minoria e oposição no interior da CMA, Jaques acredita que a maioria dos membros da comissão serão favoráveis à proposta.

3. Conclusões e pontos de destaque

  • Ainda que o chamado “Pacote da Destruição” esteja sendo alvo de constantes manifestações e debates com a realização de audiências públicas, a rápida escalada e as movimentações para sua aprovação parecem ser inevitáveis. Como o OLB mostrou, tanto a composição partidária da Câmara dos Deputados, quanto a composição do Senado Federal favorecem a aprovação das propostas.
  • Com o uso de estratégias regimentais como a aprovação de pedidos de urgência, a Câmara dos Deputados conseguiu acelerar a aprovação de três dos seis projetos que são contrários à preservação ambiental. Com a urgência aprovada, o tempo hábil de análise das comissões e do plenário diminui e o pré-acordo entre parlamentares do centrão acaba sendo determinante para aprovação dos projetos. Os outros dois projetos que ainda estão em análise na casa devem seguir pela mesma estratégia de tramitação.
  • No senado, os projetos que ainda estão em fase de análise apresentam grandes chances de serem aprovados. A atual composição partidária das comissões de Meio Ambiente e da Agricultura e Reforma Agrária confirma o padrão de votação encontrado na Câmara. O mesmo se repete para a composição partidária do plenário do Senado.
  • As chances de aprovação das propostas no Senado também se confirmam quando olhamos para as relatorias. Tais cargos na CMA e na CRA no Senado são ocupados, atualmente, por partidos que defendem abertamente a aprovação do “Pacote da Destruição”.
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Como o tema do meio ambiente e correlatos engajam parlamentares na Câmara

Postado por OLB em 10/jun/2022 - 1 Comentário

Debora Gershon

Apresentação

No dia 5 de junho celebra-se o dia mundial do meio ambiente, data comemorativa instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1972. No Brasil, a semana nacional do meio ambiente, que se inicia no primeiro dia do mês de junho, foi criada por decreto em 1981 para reforçar a importância do dia mundial, servindo como catalisadora da atenção dos governos e da população para as pautas ambientais. A agenda ambiental do governo Bolsonaro é sabidamente negativa. O Congresso, e particularmente a Câmara dos Deputados, também tem mobilizado uma pauta altamente destrutiva no que toca aos direitos ambientais, a exemplo de proposições legislativas que permitem mineração em terras indígenas, flexibilizam o uso de agrotóxicos no país e alteram o licenciamento ambiental, entre outras.

Na semana do meio ambiente, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), que já se debruçou sobre a tramitação dos projetos mais impactantes no tema, analisa como os parlamentares, individualmente, se engajam nas temáticas ambientais e correlatas em seus discursos no plenário. Para tanto, utiliza-se do Índice de Ativismo de Tribuna (IAT), recém criado pelo OLB, para identificar o engajamento parlamentar no debate de determinado assunto em uma escala que varia de 1 (menor ativismo no tema) a 10 (máximo de ativismo no tema). O indicador baseia-se exclusivamente na análise dos discursos proferidos pelos deputados e deputadas no plenário da Câmara. Parlamentares que não discursaram sobre o assunto não possuem nota de IAT.

Para análise do IAT no tema meio ambiente, o OLB classificou os discursos feitos em diferentes momentos das sessões legislativas da atual legislatura[1] em 7 subtópicos: desenvolvimento sustentável; energia e recursos minerais; gestão, licenciamento e fiscalização; mudanças climáticas; preservação e proteção ambiental; recursos hídricos e, por fim, saneamento ambiental. A presente análise considera todos os discursos enquadrados em cada um desses subtópicos, além de outros relativos ao tema meio ambiente de forma geral[2].

De 2019 até o fim de maio de 2022, 312 deputados e deputadas fizeram discursos sobre o meio ambiente. Em outras palavras, quase 40% do total de eleitos para a atual legislatura não trataram da agenda ambiental no espaço de comunicação política privilegiado de que dispõem no Legislativo, a tribuna do plenário. Além disso, a média de IAT daqueles que trataram do tema é baixa — 4,07. Os subtópicos energia e recursos minerais e gestão, licenciamento e fiscalização foram os mais mobilizados nos discursos — 229 e 207 parlamentares os mencionaram, respectivamente. No primeiro caso, a nota média de IAT, no entanto, foi de apenas 2,80 — a menor dentre os 7 subtópicos. Já no subtópico gestão, licenciamento e fiscalização a nota média foi 3,98 — a maior no conjunto desses subtemas.

Gráfico 1 – Número de deputados que discursaram sobre os subtópicos do tema meio ambiente

Recursos hídricos e mudanças climáticas foram os subtópicos que mobilizaram o menor número de deputados e deputadas que se engajaram discursivamente na temática ambiental — 124 e 132. As notas médias de IAT desses subtópicos refletem não só esse baixo número de parlamentares, mas também a baixa frequência dos discursos e a baixa importância de termos associados a esses subtópicos nos discursos em sua íntegra.

Gráfico 2. Média de IAT por subtópico

Para uma análise partidária da ação discursiva dos parlamentares, calculamos a nota média dos partidos nos 7 subtópicos e identificamos os partidos dos 10 parlamentares mais engajados em cada um deles. Quanto à nota média por subtema, chama atenção o comportamento do Cidadania e da Rede, embora os dois partidos tenham bancadas muito pequenas e, portanto, poucos parlamentares com nota de IAT, conforme tabela abaixo.

Tabela 1. Partidos com maior média de IAT por subtópico e número de deputados que discursaram

Tema Partido Nota Deputado(a)s
desenvolvimento sustentável CIDADANIA

4,32

3

energia e recursos minerais REDE

3,48

1

gestão, licenciamento e fiscalização ambiental CIDADANIA

5,55

1

mudanças climáticas CIDADANIA

9,12

1

preservação e proteção ambiental REDE

6,64

1

recursos hídricos PSD

4,10

6

saneamento ambiental CIDADANIA

5,90

2

Se observados os partidos dos 10 parlamentares mais engajados, ainda assim o Cidadania se sobressai. É o partido que abriga, por exemplo, o deputado Arnaldo Jardim, que tem a maior nota de IAT no tema meio ambiente e a segunda maior nota de IAT no subtema mudanças climáticas, de extrema relevância no século XXI, embora objeto de pouco investimento por parte do governo, da Câmara e do Senado. É o PT, no entanto, o partido com mais expoentes nesses dois assuntos. No tema meio ambiente, dos 10 parlamentares destacados, 5 são do PT. No subtópico mudanças climáticas, 6 das maiores notas de IAT também foram atribuídas a parlamentares do partido. No subtópico energia e recursos minerais, objeto de discurso de 229 parlamentares, apenas um deputado tem nota acima da média do IAT geral do meio ambiente, com pontuação muito acima dos demais parlamentares. Trata-se de Charles Fernandes, do PSD.

Gráfico 3. 10 parlamentares mais engajados no tema meio ambiente e nos subtópicos mudanças climáticas e energia e recursos minerais

Feita uma análise semelhante por bancadas estaduais, observa-se que, no tema meio ambiente, as maiores médias de IAT (entre 5,12 e 4,38) são de estados da região Norte — AP, PA, AC, AM e RO. Também são esses os estados com maior nota de IAT no subtema energia e recursos minerais, à exceção de AM. MG é outro estado que se destaca nesse subtópico específico, que mobilizou o maior número de parlamentares ao longo da atual legislatura.

Por fim, vale ressaltar alguns achados do presente estudo. Cerca de 60% dos parlamentares da atual legislatura se engajaram discursivamente na temática ambiental, mas surpreende que 40% não tenham tratado dela na tribuna no plenário da Câmara nos últimos 3 anos e meio. Mesmo os que se engajaram, o fizeram com baixa intensidade, tendo em vista que a nota média de IAT para o tema meio ambiente está abaixo de 5, considerada uma escala de 1 a 10, apesar de uma maior intensidade de engajamento de alguns parlamentares e partidos em particular. Cidadania e Rede têm notas médias de IAT comparativamente maiores em vários subtemas, mas isso é fruto dos discursos de pouquíssimos parlamentares. É o PT que reúne o maior número de expoentes na agenda, os quais, do ponto de vista de sua nota de IAT, mantêm distância expressiva do restante da casa em geral, e também dos demais partidos e das diferentes bancadas estaduais.

Esse é o retrato da Câmara atual: a maioria dos membros prefere não pautar ou pauta pouco os assuntos relativos à agenda ambiental nos espaços de comunicação próprios do legislativo fora dos momentos de votação, enquanto, ao mesmo tempo, vota projetos de lei de grande impacto sobre o meio ambiente.

[1] Detalhes sobre os tipos de discurso levados em conta no cálculo do IAT se encontram em: https://olb.org.br/indice-ativismo-tribuna/.

[2] Discursos com menção específica à Amazônia não foram considerados no IAT do meio ambiente, dado a sua importância autônoma no contexto político e socioambiental atual. Os dados em separado do IAT Amazônia estão disponíveis no site do OLB.

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Atuação da frente parlamentar evangélica na Câmara dos Deputados

Postado por OLB em 24/maio/2022 - 2 Comentários

Debora Gershon

Apresentação

O número de pessoas que se autodeclaram evangélicas no Brasil aumentou muito a partir das últimas décadas do século XX. Atualmente, representam aproximadamente 30% da população brasileira e 24% do eleitorado nacional. Na Câmara dos Deputados, a bancada evangélica (agrupamento informal, e por vezes volátil, de parlamentares em torno dessa identidade religiosa) também cresceu de forma expressiva, embora, na prática, seja difícil estimar esse crescimento com precisão. Geralmente associa-se à bancada parlamentares que se autodeclaram evangélicos, que ocupam cargos em instituições religiosas e que votam de forma alinhada ao grupo em questões relativas à religião e aos costumes. Pela primeira vez, em 2018, o eleitorado evangélico teve voto extremamente concentrado em um único candidato à presidência – Jair Bolsonaro –, com impacto significativo na sua vitória eleitoral. Agora em 2022, os pré-candidatos à presidência vêm desenhando estratégias específicas de aproximação com esse público, na expectativa de, se não garantir o mesmo apoio concentrado de 2018, evitar que seus competidores o façam. Todos esses fatores têm feito crescer o interesse pela análise do comportamento da bancada evangélica no Congresso, sendo muitas as especulações sobre sua adesão ao governo e seu desempenho legislativo nesses últimos três anos.

Com o objetivo de trazer luz a essas questões, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou dados da atual legislatura, mas não com foco na bancada evangélica tal qual mencionada acima e sim na Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional. Diferentemente da bancada, a Frente é um órgão formalmente registrado, que requer adesão deliberada de deputados e deputadas federais e concordância com regras e propósitos específicos definidos quando da sua constituição. A opção pela análise do comportamento da Frente na Câmara, no entanto, também não é isenta de problemas. Alguns deles são examinados na próxima seção. Nas seções seguintes, apresentamos as características básicas da Frente, seu grau de coesão comparativamente ao da Casa, sua capacidade de produção legislativa e sua agenda prioritária. Uma síntese dos resultados está registrada na seção final, intitulada Pontos de Destaque.

A Frente Parlamentar Evangélica e desafios para análise do seu comportamento

A Frente Parlamentar Evangélica do Congresso Nacional é uma frente parlamentar mista, atualmente composta por 181 deputados/as e 8 senadores. Foi fundada formalmente em 2003, embora a articulação de grupos evangélicos dentro da Câmara e do Senado remonte à Constituinte. Nem todos os membros da Frente, contudo, declaram-se evangélicos. Segundo dados coletados pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER) e disponibilizados na plataforma Religião e Poder, os(as) evangélicos(as) representam somente 46% dos parlamentares membros, enquanto os católicos representam 43%. Os demais vinculam-se a outras religiões. É bom lembrar que a criação de frentes parlamentares requer a participação de um terço do Congresso, razão pela qual muitos dos que as compõem não tem uma atuação consistente do ponto de vista temático – integram-na para comunicar um interesse na agenda ao seu eleitorado e, fundamentalmente, para não se transformarem em elemento de veto da iniciativa. Há alguns estudos que retratam o baixo grau de institucionalização das frentes parlamentares no Brasil, com participação nula ou pouco ativa de grande parte dos seus membros. A existência de mais de 340 frentes registradas na Câmara é, por si só, dado relevante para entendimento desse cenário. Estudiosos do tema fazem alerta semelhante no que toca à Frente Evangélica, em particular, indicando que a defesa dos projetos alinhados à comunidade evangélica é, verdadeiramente, feita por um grupo de parlamentares bem menor. Ou seja, a composição da Frente não permite supor automaticamente o alto nível de engajamento de todos os seus membros, dado que dificulta o trabalho de avaliar seu impacto no processo legislativo. Corrobora com essa afirmação o fato de que 70 deputados (39%) da Frente Evangélica (FPE) também compõem a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Tradicionais de Matriz Africana (FPMA) e 85 deputados (46%) a Frente Parlamentar Católica (FPC).

Além disso, os próprios evangélicos que compõem a FPE não conformam um grupo homogêneo, com interesses idênticos, pois pertencem a diferentes correntes religiosas e/ou a diferentes pólos de uma mesma igreja. Desde o início de 2019, essas diferenças têm se evidenciado em disputas pelo controle da presidência, hoje exercida pelo deputado Sóstenes Cavalcante (DEM/RJ).

Essas ressalvas, sem dúvida, tornam limitada a tarefa de entender a agenda dos evangélicos na Câmara a partir da avaliação do impacto político-legislativo da Frente Parlamentar Evangélica. Por outro lado, não é desprezível que um parlamentar a constitua, especialmente na atual legislatura, dados o seu crescimento, a sua visibilidade e, particularmente, a importância do voto evangélico. Esses fatores aumentam o “custo” de um engajamento na Frente de caráter meramente protocolar e permitem um ensaio sobre o efeito que ela produz no conjunto do processo legislativo. As seções seguintes apontam nessa direção, sem perder de vista as limitações de um trabalho dessa natureza.

Características gerais da Frente Evangélica

A Frente Evangélica é hoje composta majoritariamente por homens. Mulheres representam 16,7% do total de membros, proporção equivalente aos 15% do total de cadeiras na Câmara por elas ocupadas. A desigualdade de gênero, portanto, está replicada na Frente, embora nela a sobrerrepresentação masculina seja um pouco menor.

Gráfico 1. Distribuição da Frente Evangélica por gênero

Dos 23 partidos hoje representados na Câmara, 19 compõem a Frente Evangélica – o pluripartidarismo da Frente é, desde a Constituinte, estratégia da bancada evangélica para aumentar a adesão da Câmara a temas afeitos ao grupo. O PL – partido com o maior número de cadeiras da Câmara – é também aquele que empresta mais parlamentares à Frente. Dos 41 membros do partido na Frente, 51% se identificam com ela do ponto de vista religioso. O Republicanos e o PSD – que representam a sexta e a quinta bancadas da Casa, respectivamente – destacam-se em seguida. Embora a Frente não seja essencialmente conservadora, parlamentares filiados a partidos situados mais à esquerda do campo político, a exemplo do PT, PSB e do PDT, somam apenas 9 dos 181 deputados que a compõem.

Gráfico 2. Distribuição da Frente Evangélico por partido

Unidade entre parlamentares da Frente e apoio ao governo

A despeito das ressalvas com relação ao tratamento da Frente Evangélica enquanto bloco monolítico de atuação, os dados indicam que o seu grau de coesão, medido pelo índice de Rice, é significativamente maior do que aquele verificado na Câmara em geral, 0,77 contra 0,58. O índice de Rice varia de 0 (quando 50% do grupo vota de um jeito e 50% de outro) a 1 (quanto todos os parlamentares analisados votam da mesma maneira). Isso significa que os parlamentares da Frente Parlamentar Evangélica na Câmara têm posições bastante semelhantes nas votações nominais da atual legislatura, ainda que não seja possível precisar se essa coesão é de fato impactada pela participação na Frente ou se resulta, exclusivamente, de outras variáveis, a exemplo do posicionamento e da disciplina dos partidos que a integram.

Gráfico 3. Índice de Rice

A adesão dos deputados da Frente às preferências governamentais também é maior do que a da Câmara em geral – 77% contra 66%, respectivamente. A composição partidária da Frente, todavia, parece determinante para esse resultado. Os três partidos que compõem a base mais fiel do presidente Bolsonaro – PL, Republicanos e PP – somam 45% dos seus membros e representam o núcleo mais estruturado e coeso do Centrão, que vem prestando apoio mais forte ao governo do que o restante da Casa, desde o primeiro ano da atual legislatura.

Gráfico 4. Taxa de Governismo

Desempenho legislativo e agenda prioritária

Do ponto de vista do desempenho legislativo, a Frente Parlamentar Evangélica tem desempenho inferior ao conjunto da Câmara. Sua taxa de sucesso legislativo, que indica a proporção de proposições aprovadas do total de apresentadas no período, é de 0,27%, enquanto a taxa de sucesso na Câmara é de 1,15%[1]. Esse quadro se reproduz para todos os temas de que tratam os projetos movimentados, segundo classificação proposta pela própria Câmara, exceto para o tema “política, partidos e eleições”, em que a Frente apresenta taxa de sucesso de 1,31% e a Câmara de 0,96%. A título de ilustração, vale dizer que na atual legislatura 418 projetos foram apresentados sobre o assunto, dos quais 153 (37%) assinados por membros da Frente Evangélica. Apenas 4 foram aprovados.

A maior parte dos projetos apresentados pela Frente, no entanto, versa sobre temáticas majoritariamente tratadas também na Câmara de forma geral: “saúde”, “finanças públicas e orçamento”, “administração pública” e “direitos humanos e minorias”. Ou seja, há coincidência entre as agendas de parlamentares integrantes e não integrantes da Frente na atual legislatura e participação expressiva dos seus membros na autoria dos projetos aprovados sobre grande parte desses temas. Do total de matérias aprovadas na Câmara sobre “finanças e orçamento”, por exemplo, 44% são assinadas por membros da Frente Evangélica. Nos temas “administração pública” e “direitos humanos”, esses percentuais são de 31% e 19%, respectivamente. O tema “saúde” é uma exceção, porque, apesar do grande volume de propostas sobre o assunto iniciadas por parlamentares da Frente, apenas 6% das leis efetivamente contaram com a sua iniciativa.

Gráfico 5. Temas mais Comuns dos Projetos Aprovados assinados pela Frente Evangélica

Se observada, por outro lado, a participação da Frente apenas no total de proposições legislativas apresentadas por tema, desconsiderado o seu desfecho no plenário e/ou nas comissões (quando a votação é terminativa nesses espaços), três temas se destacam: “direito penal e processual penal” (48%), “defesa e segurança” (48%) e “processo legislativo e atuação parlamentar” (49%). Isso significa que, independentemente da aprovação desses projetos, a Frente Evangélica dá impulso a essa agenda. Os dois primeiros temas são aparentemente mais afeitos à Frente Parlamentar de Segurança Pública do que à Frente Parlamentar Evangélica, mas há uma interseção de 128 membros entre ambas. O último tema dialoga com a intenção manifesta desta legislatura de mudar alguns dos ritos do processo legislativo. Durante a presidência de Arthur Lira (PP), vale lembrar, foi aprovada uma grande reforma regimental, com redução dos poderes de veto e barganha da minoria.

Gráfico 6. Temas dos Projetos Apresentados com maior participação da Frente Evangélica

Cabe ainda observar o desempenho legislativo da Frente com relação à chamada “pauta de costumes”. No final de 2020, um boletim do OLB já indicava o avanço pouco expressivo dessa pauta no Congresso a partir da análise das votações nominais de projetos classificados pela própria Câmara nos temas “defesa e segurança”, “direitos humanos e minorias” e “arte, cultura e religião”. Para identificar o ímpeto legislativo da Frente Evangélica sobre o assunto, analisamos o conjunto de proposições apresentadas e aprovadas sobre esses três temas específicos em separado. Foram 4.879 projetos apresentados, 41% dos quais iniciados por parlamentares membros da Frente. No tema “defesa e segurança”, a Frente assinou 47% das propostas, nos temas “direitos humanos e minorias” e “arte, cultura e religião”, 39%.

À semelhança do quadro observado em 2020, no entanto, a “pauta de costumes” não avançou na Câmara do ponto de vista absoluto – somente 62 dos 4.879 propostos foram efetivamente aprovados (1,27%), dos quais 4 de autoria da Frente Evangélica. Essa taxa de sucesso, contudo, é idêntica à verificada no tema “saúde”. Ou seja, do ponto de vista relativo, o dado não é desprezível, ainda que a agenda aprovada não possa ser creditada à Frente Evangélica em particular.

Ativismo de tribuna: como se comportam os parlamentares da Frente

Para avaliar a agenda de interesse dos parlamentares que constituem a Frente Evangélica, analisamos também os seus discursos (na tribuna) sobre alguns dos temas relevantes para a sociedade brasileira nos últimos anos: Meio Ambiente e Amazônia em particular, Direitos Humanos e Agricultura/Pecuária. A tribuna é um espaço dedicado à comunicação política dos parlamentares de grande importância no processo legislativo, na medida em que revela agendas, forma opiniões dentro e fora da Casa e contribui para a conexão entre eleitos e eleitores. O índice de ativismo de tribuna (IAT) é uma métrica desenvolvida pelo OLB para analisar justamente a intensidade do engajamento parlamentar no debate temático. O IAT varia entre 1 (menor ativismo no tema) e 10 (máximo de ativismo no tema) e não informa valência (positiva ou negativa). Parlamentares que não discursaram sobre os assuntos destacados não têm nota de IAT.

Em primeiro lugar, é importante notar que a média do IAT é baixa na Câmara para os quatro temas supracitados na atual legislatura. O tema “direitos humanos” é, dentre os quatro, aquele ao qual os parlamentares da Câmara, em geral, e da Frente Evangélica, em particular, dedicam mais atenção em seus discursos. Ou seja, a Frente Evangélica se sobressai marginalmente no assunto com relação aos demais deputados e deputadas federais, embora não seja possível dizer, com os dados levantados, se esses discursos são uma resposta à pandemia de Covid-19 e ao cenário de desigualdade estrutural no Brasil ou se versam sobre questões próprias da chamada “pauta de costumes”. Essa mesma relação se reproduz nos temas “meio ambiente” e “Amazônia”, em que as médias de IAT da Câmara e da Frente Evangélica se aproximam, com pequena vantagem para a Frente. O inverso se verifica na temática Agricultura e Pecuária, embora 100 dos 181 parlamentares da Frente Evangélica também componham a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

Tabela 1. Notas de IAT da Frente Parlamentar Evangélica e da Câmara dos Deputados em geral

Agricultura e Pecuária Amazônia Direitos Humanos Meio Ambiente

nota

N

nota

N

nota

N

nota

N

Evangélicos

4,28

99

2,97

22

4,77

124

4,14

91

Câmara dos Deputados

4,35

337

2,82

66

4,75

379

4,12

306

Dos parlamentares da Frente que discursaram sobre Direitos Humanos, a maior parte trata dos subtemas “segurança e justiça” (em alinhamento com o grande volume de proposições apresentadas sobre o assunto), “pessoa com deficiência”, “criança e adolescente”, “direitos amplos” (categoria na qual se enquadram uma série de direitos difusos e amplos, tais quais o direito à vida, à liberdade etc) e “mulher” (subtema com a segunda maior nota de IAT, ou seja, com o segundo maior grau de engajamento dos parlamentares). Outros temas geralmente associados à pauta potencial da Frente Evangélica, a exemplo de “cor e raça” , “sexo e gênero” e “liberdade religiosa” foram mencionados por apenas 36, 30 e 13 parlamentares membros, embora, neste último caso, a média do IAT tenha sido a terceira maior.

Gráfico 7. Média do IAT e Número de Deputados da Frente Evangélica que discursaram sobre Direitos Humanos por subtema

Pontos de destaque

  • A Frente Parlamentar Evangélica é majoritariamente composta por não evangélicos(as) – 54% do total de seus membros[2].
  • A composição da Frente Evangélica reproduz a desigualdade de gênero observada na Câmara, embora, nela, a sub-representação feminina seja ligeiramente menor.
  • Mais de 80% dos partidos representados na Câmara têm membros que compõem a Frente Evangélica, mas partidos situados no campo da direita são os que têm maior número de membros. Ou seja, embora a Frente não possa ser considerada inteiramente conservadora, dado o pluralismo da sua composição (vide ter integrantes do PT e do PDT), os partidos conservadores têm peso significativamente maior e capacidade, portanto, de dar o tom.
  • O núcleo duro de apoio ao governo Bolsonaro na Câmara reúne 82 (45%) dos 181 membros da Frente. O PL (atual partido do presidente), sozinho, tem 41 desses 82 parlamentares. Isso provavelmente justifica o fato de que a Frente, quando comparada ao conjunto da Casa, tem uma taxa de adesão ao governo relativamente maior.
  • Embora haja ressalvas com relação à consideração da Frente como grupo monolítico de atuação, o seu grau de coesão é expressivo, quando comparado ao comportamento da Câmara em geral. Isso significa que há, de fato, aproximação na direção do voto dos parlamentares que a constituem, ainda que a participação na Frente não seja determinante desse resultado.
  • Apesar da concentração de partidos do Centrão na composição da Frente (que desde 2019 vem apresentando taxa de sucesso legislativo maior do que o restante da Casa), sua taxa de sucesso legislativo é menor do que a observada na Câmara em geral. Isso é verdadeiro para os diferentes temas de que tratam os projetos na Câmara, exceto “política, partidos e eleições”. Para esse tema, em particular, o desempenho legislativo da Frente foi melhor.
  • Em linhas gerais, a Frente Evangélica buscou emplacar uma agenda bastante semelhante à do restante da casa, com grande número de projetos nos temas saúde, finanças, administração pública e direitos humanos. Teve êxito relativo nos três últimos, mas uma participação muito baixa na autoria dos projetos do tema “saúde” efetivamente aprovados.
  • Destaca-se a participação relativa da Frente na apresentação de projetos sobre os temas direito penal, defesa e segurança e processo legislativo. Na chamada “pauta de costumes”, a participação da Frente no conjunto de projetos apresentados também foi expressiva, cerca de 40%. Não foram os membros da Frente, contudo, os autores do conjunto de projetos aprovados sobre o assunto.
  • A análise da intensidade de engajamento dos parlamentares da Frente Evangélica sobre quatro temas de interesse da sociedade civil brasileira (Meio Ambiente, Amazônia, Direitos Humanos e Agropecuária) também revela poucas diferenças com relação ao restante da Casa. As médias dos índices de ativismo de tribuna (IAT) da Câmara e da Frente se assemelham em todos os casos, embora parlamentares da Frente discursem mais sobre “direitos Humanos” e menos sobre “agricultura e pecuária”. No tema “direitos humanos”, destacam-se discursos relativos à “segurança e justiça” em alinhamento com o grande volume de proposições apresentadas sobre o assunto. Pautas geralmente associadas pelo público em geral à Frente Evangélica, a exemplo de cor e raça, sexo e gênero e liberdade religiosa são objeto de discurso de menos de 20% dos parlamentares que a compõem.
  • A Frente Evangélica do Congresso Nacional tem impacto relevante no processo legislativo por seu tamanho e composição, mas seu trabalho legislativo favorece muito mais a posição do governo na Câmara do que a da comunidade evangélica em geral. Ela não se destaca na alavancagem de projetos supostamente caros ao grupo e tampouco na comunicação política relativa ao assunto. Ou seja, eventuais avanços legislativos em questões potencialmente de interesse dos evangélicos são aparentemente fruto das preferências da Câmara em geral, mais do que dos esforços e iniciativas da Frente Parlamentar.

[1] É sempre bom lembrar que a taxa de sucesso legislativo de deputadas e deputados federais é geralmente muito baixa, dado o volume de projetos aprovados e o poder de agenda do presidente da República.

[2] Dados do Iser.

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Mais mulheres e muitos obstáculos

Postado por OLB em 25/mar/2022 - 1 Comentário

Joyce Luz e Debora Gershon

O ano de 2022 é o último da legislatura marcada pelo maior número de mulheres na história da Câmara dos Deputados. No entanto, mesmo com 77 deputadas federais, número duas vezes maior que a média observada desde a redemocratização, a atuação das mulheres no interior do Legislativo ainda enfrenta obstáculos e parece limitada a poucas esferas de poder. Em boa medida, tais obstáculos estão diretamente relacionados ao fato de que as mulheres não ocuparem postos-chaves das principais instâncias decisórias da Câmara dos Deputados.

Na história de nosso país, a exclusão das mulheres tem sido a regra no âmbito dos trabalhos legislativos. Desde a promulgação da Constituição de 1988, há mais de 34 anos, nenhuma mulher ocupou o cargo de maior poder e influência na Câmara: a presidência da mesa diretora.

No interior das comissões – órgãos de suma importância para a produção e análise das políticas públicas – o padrão da exclusão feminina se repete. São poucas as mulheres que conseguem ocupar o cargo de presidente de comissão. Mesmo com mais mulheres eleitas na última legislatura, essa realidade não se alterou. Em 2021, além da deputada Bia Kicis (PSL-RJ), que ocupa a presidência da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC), somente outras 5 mulheres alcançaram posto semelhante. São elas Aline Sleutjes (PSL-PR), Elcione Barbalho (MDB-PA), Rejane Dias (PT-PI), Professora Dorinha (DEM-TO) e Carla Zambelli (PSL-SP), a maioria, deputadas ligadas a partidos de direita e com pautas conservadoras.

Gráfico 1. Percentual de mulheres na presidência de comissões por legislatura

Mas não é somente no quesito da ocupação de posições de poder no interior da Câmara que as mulheres encontram obstáculos, o mesmo se dá quanto a sua participação no processo legislativo. Deputados homens têm obtido, ao menos nos últimos dois anos, resultados superiores quando comparados às mulheres no que toca à apresentação e aprovação de projetos de lei. Enquanto em 2020, os homens aprovaram 1,3 vezes mais projetos do que as mulheres, em 2021 a taxa de sucesso dos homens é duas vezes maior do que a das mulheres.

Gráfico 2. Taxa de sucesso na aprovação de projetos de lei por sexo

Em suma, ainda que o número efetivo de representantes mulheres na Câmara dos Deputados tenha aumentado desde a última legislatura, os dados coletados pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) revelam que na arena legislativa as representantes mulheres enfrentam ainda muitos obstáculos para se colocarem em pé de igualdade com seus colegas do sexo masculino.

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Governo e Congresso na contramão do meio ambiente: a derradeira agenda de 2022

Postado por OLB em 08/mar/2022 - Sem Comentários

Debora Gershon

A agenda ambiental do governo Bolsonaro é clara desde a campanha eleitoral de 2018. Em pleno ano de 2022, contudo, ela ainda é capaz de causar espanto e indignação, tamanho o nível de destruição a que se propõe. Sem pauta positiva sobre o tema, o governo e, mais recentemente, o Congresso têm desempenhado papel ativo na flexibilização do arcabouço jurídico e institucional construído a duras penas a partir da Constituição de 88, responsável por alçar o Brasil à condição de país com assento nas principais mesas de negociações internacionais acerca de desafios ambientais atuais e futuros.

Desde 2019, Bolsonaro segue à risca suas promessas de campanha para “destravar” o “desenvolvimento” por meio da eliminação de restrições de cunho ambiental e do avanço sobre terras indígenas (TIs). Propôs, embora sem êxito, a extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Se empenhou na tentativa da transferência de competências do MMA para o Ministério da Agricultura (MAPA). Reduziu o orçamento e a autonomia de órgãos de fiscalização e monitoramento, a exemplo do IBAMA, do ICMBio e do INPE. Burocratizou e flexibilizou normas para aplicação de infrações ambientais. Abriu mão de o país sediar a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas – Cop25. Retirou a sociedade civil organizada da composição de conselhos ambientais. Permitiu a elevação a níveis alarmantes do desmatamento, especialmente na região amazônica, perdendo acesso, inclusive, a fundos internacionais. Estimulou, por ação e omissão, o “dia do fogo”, marcado pela queima de diversas áreas de floresta na região norte do Brasil, orquestrada por fazendeiros e grileiros. Não demarcou uma terra indígena (TI) sequer (o primeiro presidente pós-redemocratização a contrariar esse compromisso constitucional) e incentivou o garimpo em terras já demarcadas e em processo de demarcação. Tentou extrair petróleo nos arredores de Abrolhos e Fernando de Noronha, áreas de proteção ambiental. Determinou o fim da proteção às cavernas no Brasil. A implementação dessa extensa agenda ambiental negativa se deu, majoritariamente, por meio do manejo de cargos, de orçamentos e de mudanças infralegais, já que o presidente não demonstrou capacidade para coordenar os esforços do Congresso nessa mesma direção, a despeito do apoio expressivo dos parlamentares da Câmara e do Senado a outras pautas governamentais.

Três eventos, contudo, fizeram a pauta (anti)ambiental do presidente ganhar fôlego legislativo: a saída desonrosa de Ricardo Salles do MMA, acusado de crime ambiental em meados de 2021 e autor da famosa metáfora do “passar a boiada” –, a eleição do deputado Arthur Lira (PP), aliado de Bolsonaro, à presidência da Câmara, em janeiro do mesmo ano, e a proximidade das eleições. A mudança de comando da Câmara, o fortalecimento dos laços com o Centrão ao longo de 2021 e a expectativa de manter o apoio de determinados setores econômicos em outubro de 2022 parecem ter contribuído para encorajar o presidente a transformar sua narrativa e prática infralegal em questões relativas ao meio ambiente em agenda legislativa pública.

A portaria 667/2022, que apresenta a agenda legislativa prioritária do governo federal para 2022, cumpre exatamente essa função, num esforço de coordenação da base do governo no Congresso, mas também de sinalização eleitoreira, particularmente ao agronegócio e à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Das 45 proposições legislativas priorizadas, seis projetos de lei (PLs) impactam profundamente o marco regulatório ambiental brasileiro e o sistema de proteção de populações tradicionais. São eles os PLs 2633/2020 e 510/2021, ambos tratando de regularização fundiária; o PL 3729/2004, que trata de licenciamento ambiental; os PLs 490/2007 e 191/2020, que tratam de demarcação e exploração econômica de TIs e o PL 2629/2020, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país. É um indício de que “a boiada” pode continuar passando, mas agora a olhos vistos e com ampla divulgação, já que isso (re)aproxima o presidente de segmentos que o apoiaram fortemente nas eleições de 2018.

Os dois PLs sobre regularização fundiária favorecem a grilagem por uma série de razões. O PL 2633/2020, por exemplo, permite a regularização de terras públicas invadidas, considerando a inscrição autodeclaratória no Cadastro Ambiental Rural (CAR) como prova suficiente de regularidade ambiental. Além disso, desobriga imóveis de determinado tamanho a aderirem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou a adotarem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), quando houver embargo ou for constatada alguma infração ambiental. Já o PL 510/2020 prevê anistia a invasores e desmatadores ilegais até dezembro de 2014, flexibiliza vistorias de latifúndios, com risco de titulação de áreas em conflito, e permite titular área desmatada ilegalmente sem assinatura prévia de regularização de passivo ambiental. Os dois PLs, embora hoje tramitem em conjunto, foram iniciados em casas legislativas diferentes. O PL 2633/2020 foi iniciado e aprovado na Câmara, tendo seguido para o Senado, onde foi anexado, para tramitação conjunta, ao PL 510/2021, que é de iniciativa dos próprios senadores e conta hoje com 132 propostas de emendas apresentadas na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), na Comissão de Meio Ambiente (CMA) e no plenário. A CRA e a CMA já emitiram parecer conjunto favorável ao PL 510/2021 sob a alegação de que ele aprimora o ordenamento jurídico nacional. O PL 2633/2020 foi considerado prejudicado por similaridade ao PL 510/2021 e não por inoportunidade da proposição. O fato, portanto, de ser essa uma pauta comum à Câmara e ao Senado aumenta suas chances de aprovação.

O PL 3729/2004, por sua vez, altera radicalmente as regras para licenciamento ambiental. Generaliza o licenciamento autodeclaratório, cria a licença por adesão e compromisso (LAC), estabelece uma lista de atividades isentas de licenciamento (incluindo aí as atividades agropecuárias), confere maior autonomia aos estados na definição de empreendimentos sujeitos a licenciamento, limita o poder de decisão de órgãos gestores de unidades de conservação e exclui a necessidade de elaboração de estudos de impacto ambiental para empreendimentos adjacentes a TIs e quilombolas não homologados e titulados, dentre outras medidas. O resultado do projeto tende a ser a redução do sistema integral de licenciamento ambiental hoje praticado a uma exigência de exceção. O PL data de 2004, com sentido completamente diferente do texto hoje proposto, mas não foi adiante em nenhum dos governos desde então. Foi aprovado, na Câmara, em maio de 2021, sob a coordenação de Arthur Lira (PP). Aguarda aprovação no Senado sob o número 2159/2021, já tendo recebido 79 emendas e cerca de 15 manifestações formais de organizações não governamentais e associações com indicações de questões sensíveis e retrocessos. Será relatado pela senadora Kátia Abreu (MDB).

Já os PLs 490/2007 e 191/2021 afetam direta e negativamente as populações indígenas por assumirem a premissa racista, etnocêntrica e integracionista de que a demarcação e a proteção de suas terras são um entrave para o desenvolvimento nacional. O PL 490/2007, de iniciativa da Câmara e que tramita com mais 13 PLs a ele apensados, altera as regras para demarcação, consolidando a tese do marco temporal, segundo a qual a propriedade da terra pode ser garantida às populações indígenas apenas se comprovada uma ocupação de caráter permanente já quando da promulgação da Constituição de 1988. Além disso, o PL permite a exploração econômica dessas terras pelos próprios indígenas, mas também por parceiros não indígenas. Com isso, viabiliza o seu uso para construção de empreendimentos hidrelétricos e facilita a legalização da garimpagem, hoje ilegal. Os garimpos também são objeto do PL 191/2020, de iniciativa do Executivo, que busca regulamentar a atividade extrativa mineral e o desenvolvimento de pesquisas correlatas em TIs. Os dois PLs ainda não foram votados no plenário da Câmara. A expectativa de rejeição do PL 490/2007, no entanto, repousa mais sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) do que sobre o Congresso – o Supremo avalia a constitucionalidade da tese do marco temporal, a despeito da aprovação do projeto por duas das três comissões pelas quais tramitou na Câmara. Quanto ao PL 191/2020, embora haja sinalização de inconstitucionalidade pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e alerta da própria base aliada do governo de que a matéria exigiria mudança constitucional, há diversas manifestações favoráveis a seu conteúdo. O assunto, no entanto, permanece em disputa. Um levantamento do OLB, de julho de 2021, evidenciou que, desde o início de 2019, 146 proposições legislativas com menção a povos tradicionais foram movimentadas na Câmara. Partidos de centro-direita assinaram 43% dessas iniciativas. Ou seja, a pauta não foi exclusividade da esquerda ao longo da atual legislatura. Com a centro-direita mobilizada, há riscos de flexibilização de direitos e conquistas sob a égide do discurso econômico liberal.

Por fim, a tentativa de fazer avançar o PL 6299/2002 é um aceno generoso ao agronegócio por parte do governo e dos parlamentares. Apelidado de PL do veneno, o projeto é uma iniciativa do Senado, já aprovada na Casa. Na Câmara, que funcionou, nesse caso, como casa revisora, o projeto também foi aprovado, em regime de urgência, por ampla maioria agora no início de 2022, mas voltará ao Senado em função das emendas recebidas. Em linhas gerais, o PL 6299/2002 estabelece que o MAPA será o único órgão responsável por registrar agrotóxicos no Brasil, exclui a vedação legal vigente de registro de agrotóxicos comprovadamente nocivos à saúde, submete o registro dos “pesticidas” (e não mais agrotóxicos, pois tal nome carrega conotação pejorativa) à análise de fatores políticos e econômicos que possam justificá-lo e fixa prazo para obtenção do registro, permitindo, inclusive, a obtenção de um registro temporário. A pauta é cara à reeleição do presidente Bolsonaro, mas não só. Outro levantamento do OLB, de agosto de 2020, que se propôs a desenhar preliminarmente o mapa do agronegócio no Congresso, revelou a força desse segmento nas duas casas legislativas. Cerca de 50% dos deputados e senadores da atual legislatura compõem a FPA, que controla as comissões sobre os temas na Câmara e tem posições importantes em comissões correlatas no Senado. Além disso, no Senado, que será mais uma vez palco do debate sobre o assunto, 1 em 4 senadores eleitos em 2018 é proprietário rural.

Dado o favoritismo de Lula nas pesquisas eleitorais, o ímpeto legislativo do presidente para tratar desses PLs tende a crescer, por ser uma de suas estratégias à reeleição. Com isso, ele acena, de um lado, para os produtores de commodities agrícolas e minerais e fortalece, de outro, os laços já existentes com o seu eleitorado mais conservador. Para além dos votos, Bolsonaro vai buscar nesses setores apoio financeiro à sua campanha. Os parlamentares, em sua maioria, ao que tudo indica, também não devem oferecer resistência a essa pauta de devastação se o custo que lhes for imposto para aprová-la não impactar negativamente as suas chances de reeleição. A Câmara, no entanto, mais afetada por esse cálculo (dentre outras razões porque pode renovar, em outubro de 2022, 100% das suas cadeiras) já tratou de emitir posicionamento sobre a maior parte dos projetos citados. As luzes este ano, portanto, estarão voltadas para o Senado, mais refratário aos apelos do governo na atual legislatura, mas que tem número mais reduzido de cadeiras, o que, por si só, pode reduzir os custos gerais da negociação.

O primeiro semestre de 2022, desse modo, pode deixar em escombros o nosso ordenamento jurídico ambiental. Se assim for, deve ficar marcado como o período de maior retrocesso nessa agenda nas últimas três décadas. Para reversão desse quadro, as alternativas parecem limitadas: a opção por uma agenda mais concisa por parte do próprio Congresso, a decisão pela obstrução do processo legislativo por boa parte da oposição (alternativa tornada mais difícil pelas mudanças regimentais conduzidas pelo deputado Arthur Lira), e a pressão constante da sociedade civil nacional e internacional. Essas três alternativas, em tempos de coalizão governamental ampla e bem coordenada, seriam usualmente insuficientes para mudança do quadro que se avizinha. Não é esse, todavia, o tipo de arranjo político que marca a relação do Congresso com o governo, a despeito dos recursos que o governo pode mobilizar nessa direção. Além disso, em ano marcado por eleições nacionais, o apoio do Congresso ao governo tende a ser maior ou menor na dependência da expectativa de desempenho eleitoral do próprio presidente. Nesse contexto, uma estratégia combinada das alternativas supracitadas pode, eventualmente, bagunçar mais o cenário e transferir para 2023 o ônus da retomada de ao menos parte da discussão.

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Ciências Sociais Articuladas – O Centrão na Câmara e o governo Bolsonaro

Postado por OLB em 08/mar/2022 - Sem Comentários

Debora Gershon e Júlio Canello

1. Apresentação

O presidente Jair Bolsonaro foi eleito em 2018 com uma narrativa de enfrentamento da “velha política” e, por extensão, do chamado Centrão – uma agremiação com pouca identidade ideológica, marcada por fisiologismo e alinhamento à direita do campo político do Congresso, hoje constituída por PP, PL, Podemos, PROS, PSD, PTB, Republicanos, Solidariedade, Avante e Patriota, que totalizam 209 cadeiras na Câmara. As críticas de Bolsonaro ao Centrão, contudo, não resistiram à necessidade de distensionamento das relações entre o Executivo e o Legislativo. Já em meados de 2020, o presidente rendeu-se à tentativa de montagem de uma coalizão de governo, distribuindo ao Centrão ministérios e postos de segundo escalão.

Essa aproximação formal, no entanto, não foi motivada por uma suposta baixa adesão da Câmara às preferências do Planalto. Em linhas gerais, o governo Bolsonaro, desde o seu início, vem mantendo taxas expressivas de apoio na Casa, ainda que menores do que as verificadas em governos anteriores, a despeito da enorme dificuldade em definir e coordenar uma agenda legislativa propositiva e autônoma. A agenda do governo é negativa e defensiva desde 2019 e mantém essas características ainda hoje.

Sem agenda consistente, a coalizão montada depois de 1 ano e meio de mandato parece ter sido mais uma resposta eficiente (ou suficiente) às crises provocadas pelo governo em diferentes frentes: a) ambiental, com aumento vertiginoso do desmatamento e destruição paulatina do sistema de licenciamento e fiscalização; b) humanitária, dado o fracasso do Planalto na coordenação e no combate à pandemia de Covid-19; e c) política-criminal, com envolvimento da família Bolsonaro em casos de corrupção, aproximação com milícias e ameaças às instituições democráticas por meio da propagação de fake news, partidarização do Exército e incitamento ao fechamento/invasão do Supremo Tribunal Federal.

A tentativa do governo de fidelizar o Centrão pode ser lida como uma estratégia assertiva de contenção de danos, que ganha força em 2021 com a eleição de Arthur Lira (PP) — aliado do presidente Bolsonaro — à presidência da Câmara. O engavetamento de centenas de pedidos de impeachment e a resistência à abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI) desfavoráveis ao governo falam a favor dessa tese, assim como a derrota do voto impresso, das reformas tributária e administrativa e de grande parte das privatizações. Mesmo com Lira na presidência da Câmara, imprimindo alto grau de centralismo aos trabalhos, não houve ganhos expressivos e sistemáticos para uma eventual agenda legislativa do Planalto.

Para avaliar melhor essa interpretação, nos debruçamos sobre os dados da atuação do Centrão dentro da Câmara desde 2019. A partir de conceitos operacionais como governismo, sucesso legislativo e natureza da agenda aprovada, buscamos respostas para as seguintes perguntas: como o Centrão se comporta nas votações da Câmara? Ele apoia o governo mais do que o conjunto da Casa? Isso mudou (e como) ao longo da legislatura? Qual é o sucesso efetivo do presidente na aprovação de sua agenda e qual é o desempenho dos projetos de parlamentares do Centrão relativamente ao conjunto dos deputados? Qual é a agenda priorizada pela Câmara e aquela emplacada pelo Centrão? A seguir, comentamos os resultados.

2. Adesão ao governo: Câmara e Centrão

Do início de 2019 ao final de 2021, a taxa média de apoios[1] da Câmara ao governo Bolsonaro ficou em torno de 70%, com algumas quedas bruscas antes do segundo semestre de 2020. Comparando ao apoio médio geral, o Centrão apresenta taxas mais elevadas. Esse resultado é provavelmente produto do perfil conservador dos(as) parlamentares da atual legislatura e também da presença da oposição entre os demais partidos. Além disso, esse grupo aumentou seu apoio ao governo, entre 2019 e 2020, de 85% para 89%. O aumento é pouco expressivo, mas denota comportamento inverso ao dos demais partidos.

Gráfico 1. Apoio ao goveno em votações (%)

É importante, no entanto, ressaltar três questões. Em primeiro lugar, antes da adesão mais formal ao governo, o Centrão já apoiava a agenda do presidente em patamares superiores aos demais. Em segundo, a adesão formal ao governo não mudou expressivamente a taxa média de apoio desse grupo. A menor oscilação verificada a partir de junho de 2020 também pode ser observada no padrão do apoio dos demais partidos. Por fim, nem mesmo a eleição de Arthur Lira (PP) resultou em mudança positiva e expressiva desse quadro, afastando a hipótese de que a presidência de Rodrigo Maia (sem partido) estivesse reduzindo o efeito da entrada do Centrão no governo no que diz respeito ao apoio geral em votações. Ao contrário, essa taxa cai marginalmente na presidência de Arthur Lira, se comparada à de 2020.

Gráfico 2. Apoio ao governo em votações nominais na Câmara, 2019-2021 (%)

Quando o foco é o alinhamento geral entre parlamentares, consideradas também as votações sem orientação do governo, o resultado é similar. A distribuição dos(as) deputados(as) em uma escala de notas de 0 a 10 (a partir da aplicação de algoritmos[1] já testado pela ciência política), em que 10 representa maior proximidade ao governo e vice-versa, revela que o número de parlamentares moderadamente governistas (nota 8) e de centro (nota 5) diminuiu com a saída do ex-presidente da Câmara. Com Lira, há aumento do número de deputados com notas 9 e 10, por um lado, mas também de parlamentares com nota 2, por outro. Isso não significa que a Câmara, em geral, atuou mais fortemente em favor do governo, mas é um indicador de que os parlamentares estão relativamente mais distantes entre si, mais polarizados.

Gráfico 3. Alinhamento/Governismo na Câmara – Número de deputados por nota.

E esse aumento da dispersão no polo à direita do alinhamento (notas mais altas), decorre, em grande parte, do deslocamento de parlamentares do Centrão. No período pré-Lira, a média das notas desse grupo ficou em 7,83. Já na atual presidência da Casa, saltou para 8,21.

Gráfico 4. Alinhamento/Governismo na Câmara – NOta média por grupo e período.

Além disso, foram especialmente alguns partidos do Centrão que aumentaram seu comportamento pró-governo sob a gestão do aliado de Bolsonaro. PP, PL e Republicanos se tornaram partidos mais governistas e com alto grau de coesão. As três legendas, juntas, controlam cerca de R$150 bilhões do orçamento de 2022 e ocupam posições de destaque no governo.

Gráfico 5. Alinhamento/Governismo na Câmara

3. Sucesso legislativo do presidente e do Centrão

A taxa de sucesso legislativo do presidente é outro indicador relevante para avaliar o avanço da agenda do governo na Câmara. Enquanto a taxa de apoio mede a adesão dos parlamentares à posição governamental em cada votação, não importando de quem é autoria do projeto, a taxa de sucesso mede o êxito do governo na transformação dos projetos de sua autoria em norma jurídica.

Mais especificamente, o indicador mostra o percentual de projetos de lei ordinária, de lei complementar e medidas provisórias do Executivo que foram exitosos ao longo do governo, por ano de apresentação da matéria.

A tendência esperada, em condições normais, é que a taxa de sucesso seja decrescente, por dois fatores: um cronológico (projetos de primeiro ano têm mais tempo para aprovação do que os de último) e outro político (a “lua de mel” no início do governo e as disputas eleitorais no fim).

As taxas alcançadas por Bolsonaro desde 2019 não estão entre as melhores. Os resultados superam os do segundo, e breve,mandato de Dilma Rousseff e se aproximam da presidência provisória de Temer, mas são menores que aqueles observados nos governos Lula e Dilma I, especialmente em 2019. O primeiro ano de Bolsonaro somente é melhor que Dilma II. Ainda que o desempenho em 2020 tenha melhorado, tal padrão não parece ter se mantido em 2021, mesmo com a entrada do Centrão no governo e com a gestão de Arthur Lira (PP) na Câmara, outro sinal de que o apoio desse grupo parlamentar ao governo não se dá tanto na direção de avançar uma agenda legislativa do presidente.

Gráfico 6. Sucesso legislativo do Presidente

O sucesso legislativo também pode ser medido em relação ao desempenho dos parlamentares. Embora a fórmula para o cálculo da taxa seja a mesma, os resultados são substancialmente diferentes dos alcançados pelo Executivo, devido ao maior poder de agenda do presidente, que decorre de sua posição institucional, das regras do processo legislativo e dos recursos políticos a sua disposição (que incluem cargos e orçamento, mas não só). A consequência é que, em geral, enquanto as proposições do executivo são mais discutidas e aprovadas, é raro que deputados, individualmente ou mesmo em grupo, consigam emplacar os projetos que apresentam, transformando-os em lei. Por conta disso, a comparação relevante para analisar o espaço do Centrão na produção legislativa é relativa ao conjunto dos deputados.

Na atual legislatura, o percentual de projetos de iniciativa de parlamentares aumentou em 2020 e decaiu em 2021. Padrão semelhante ocorreu quanto às proposições do Centrão, mas com diferenças dignas de nota. O salto ocorrido no segundo ano do governo, época das tratativas para a entrada do Centrão na base de apoio de Bolsonaro, foi mais expressivo – sua taxa de sucesso passou de 0,7% para 2,05%, enquanto outros deputados só aprovaram 0,82% dos seus projetos nesse mesmo ano. E, apesar da diminuição em 2021, o desempenho do Centrão seguiu superior à média de todos os parlamentares.

Gráfico 7. Sucesso legislativo do centrão x deputados em geral (2019-2021)

Esse quadro, contudo, não é exclusivo da atual legislatura. Embora em 2020, o grupo tenha alcançado a sua maior taxa de sucesso desde 2003, de lá para cá o Centrão tem obtido sucesso legislativo sistematicamente maior do que o do restante da Casa, exceto em alguns anos durante os governos Lula. Isso nos permite dizer que, nas últimas duas décadas, as chances de um projeto de iniciativa de parlamentares virar lei é maior se o autor (ou um dos autores) pertencer a um partido do Centrão.

4. Temas da agenda: Planalto, Câmara e Centrão

Resta-nos avaliar se os temas que compõem as agendas do governo e do Centrão foram similares ou não, de 2019 a 2021. Como as taxas anuais de sucesso já indicavam, o governo não tem emplacado significativamente sua agenda em termos numéricos. Até agora, apenas 34% das proposições apresentadas entre 2019 e 2021 se tornaram lei. O desempenho relativo do Planalto foi melhor em temas com poucos projetos, como turismo, Direito Civil e Processo Civil e estrutura fundiária. Em termos absolutos, o maior número de matérias aprovadas está nos temas Administração Pública (33), Finanças Públicas e Orçamento (32), Saúde (27), Economia (20) e Trabalho e Emprego (16). Mesmo no tema com maior número de projetos apresentados, Finanças Públicas e Orçamento, a taxa de aprovação foi relativamente baixa (28%).

Gráfico 8. Proposições do Executivo, por tema

Na Câmara, a agenda aprovada em maior número inclui proposições relativas à Finanças Públicas e Orçamento, embora o tema Saúde também tenha sido proeminente. Se considerados os 7 temas de maior relevância para o governo e para a Câmara, há apenas uma diferença mais significativa: o governo investiu mais em Economia enquanto a Câmara priorizou Direitos Humanos e Educação. Fora isso, ambos avançaram legislação relativa às Finanças Públicas e Orçamento, Saúde, Administração Pública, Trabalho/Renda e Previdência. Governo e Câmara, portanto, aprovaram agendas sobre temas bastante semelhantes. Outro ponto que merece destaque, para além do sucesso legislativo geral do Centrão, é a proeminência do grupo na autoria de praticamente todos os temas cujas proposições, entre aquelas apresentadas por deputados, foram transformadas em lei.

Gráfico 9. Proposições de Deputados aprovadas, por tema

5. Afinal, qual é a função do Centrão para o presidente e qual é o seu peso na Câmara?

Apesar da retórica da campanha em 2018, não houve, na Câmara, desde o início do governo, oposição entre Bolsonaro e os partidos do Centrão. Ao contrário, o Centrão tem garantido apoio sistemático ao executivo nas votações, em patamar bastante superior ao oferecido pelos demais partidos. Isso, contudo, não é uma singularidade do governo Bolsonaro e também não resulta da eleição de Arthur Lira (PP) para a Mesa Diretora. O efeito de estabilização no apoio em votações se dá antes de sua ascensão ao comando da Casa e o alinhamento mais estreito com o governo, depois disso, se destaca em algumas bancadas particulares, incluindo a do PP. Ou seja, para o avanço da agenda legislativa presidencial, a entrada do Centrão no governo de fato não representou mudanças importantes. O sucesso legislativo do presidente é baixo e assim permaneceu até o final de 2021.

Por outro lado, o aumento da distribuição de recursos e cargos ao Centrão a partir de 2020 parece ter repercutido na sua capacidade de aprovar projetos de autoria de seus parlamentares, comparativamente aos demais deputados. Embora essa diferença seja relativamente pequena, o fato de o Centrão não ter maioria da Casa (209 entre 513 parlamentares) torna o achado relevante. Mais importante que isso, contudo, é que o Centrão aumenta, em 2020, o seu próprio desempenho com relação ao ano de 2019. Na arena legislativa, esse parece ter sido o principal efeito do ganho de mais espaço no Planalto.

Do ponto de vista da natureza da agenda, governo e Centrão seguem, aparentemente, na mesma direção. Os temas mais priorizados por ambos são praticamente os mesmos, com poucas exceções. Além disso, o nível de apoio oferecido ao governo em votações desde 2019 também sugere relativa convergência de interesses sobre políticas públicas, ao menos quando consideradas as preferências manifestas do Planalto e formalmente apresentadas em proposições legislativas.
No âmbito do processo legislativo, para além das retóricas e narrativas de campanha voltadas ao eleitor, o governo Bolsonaro e o Centrão, majoritariamente, nunca estiveram em lados realmente opostos. A maior distribuição de recursos para o grupo, a partir do segundo semestre de 2020, manteve tudo como estava. O ganho para o governo foi ter se mantido de pé.

[1] A taxa considera somente votações nominais com orientação do líder do governo e com diferença entre maioria e minoria dos votos de pelo menos 10%.

[2] W-nominate, que extrai dimensões latentes a partir dos dados de votação. Utilizamos a dimensão com maior poder explicativo, usualmente interpretada, para o caso brasileiro, como sendo governo-oposição. Parlamentares com padrões de votação similares receberam scores similares. Quanto maior a diferença nos padrões de votação, maior a distância entre os scores.

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Ciências Sociais Articuladas – O orçamento da Educação, Ciência e Tecnologia no Brasil: 22 anos de avanços e retrocessos

Postado por OLB em 22/fev/2022 - Sem Comentários

Joyce Luz, João Feres Júnior e Debora Gershon

1. Apresentação

No último dia 21 de janeiro o Presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), sancionou a Lei Orçamentária de 2022 (LOA 2022) – PLN 19/2021. A proposta originalmente elaborada pelo Executivo chegou para análise e alterações do Legislativo ainda no final de agosto. Após mais de 3 meses e meio de tramitação no interior do Congresso Nacional, a Comissão Mista de Orçamento (CMO), sob o comando da Senadora Rose de Freitas (MDB-ES) e com a relatoria-geral atribuída ao Deputado Hugo Leal (PSD-RJ), devolveu a LOA de 2022 para a sanção presidencial.

Durante a tramitação da proposta, houve muitos pontos e acontecimentos que impactaram não só o conteúdo da proposta orçamentária, como também a relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. A aprovação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos precatórios, por exemplo, aumentou as receitas disponíveis do governo e abriu margem para a criação do Auxílio Brasil — novo programa de transferência de renda anunciado pelo Governo Federal ainda em 2021. Ao mesmo tempo, o corte efetuado pelo Legislativo de cerca de 50% do orçamento, planejado para as receitas do Ministério da Economia, desagradou ao presidente e à equipe econômica.

A última polêmica envolvendo o Orçamento da União, previsto agora para 2022, foram os vetos em áreas importantes para o desenvolvimento e melhoria da qualidade de vida no país frente à manutenção de algumas despesas e gastos “supérfluos” do Presidente da República na peça orçamentária. Com um total de vetos às receitas, que ultrapassa os 3 bilhões de reais, os Ministérios do Trabalho e da Educação foram os que mais sofreram com os cortes. Como já apurado pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), enquanto o Ministério do Trabalho perdeu mais de 1 bilhão de reais de sua receita, o Ministério da Educação perdeu algo em torno dos 800 milhões de reais – as subáreas mais atingidas foram a educação básica, o fundo de desenvolvimento da educação e o fomento às pesquisas.

Diante desse cenário e incentivado, sobretudo, pelos recentes cortes na Educação, o OLB analisou a evolução das despesas[1] e investimentos do governo nas áreas de Educação, Ciência e Tecnologia de 2000 a 2022, levando em conta não só o orçamento em sua totalidade, mas também o montante destinado a investimentos, melhorias e criação de novas políticas públicas.

O foco das análises recai sobre o Ministério da Educação (ME) e sobre o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), tendo em vista que os dois ministérios abrigam as duas principais agências responsáveis pelo fomento à pesquisa no Brasil, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), no ME, responsável pelos programas de Pós-Graduação de todo o país, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), principal entidade que promove o financiamento de pesquisas no país, no MCT.

O presente relatório está dividido em três seções principais. A primeira analisa o Orçamento da União em sua totalidade e as verbas especificamente destinadas a investimentos. A segunda apresenta dados e interpretações do orçamento e dos investimentos no Ministério da Educação e na CAPES. A terceira, por sua vez, trata de análise semelhante à da segunda, mas com foco no Ministério da Ciência e Tecnologia e no CNPq.

Cabe aqui registrar que todos os valores de receita foram corrigidos pela inflação acumulada[2] no período. A principal fonte oficial de extração dos dados utilizada foi a plataforma do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (SIOP)[3].

2. Orçamento de 2022: panorama da proposta

O valor aprovado para o orçamento de 2022 é o maior desde 2000, atingindo 4,73 trilhões de reais, conforme observado no Gráfico 1. Este valor é bastante superior à média anual da série de 3,61 trilhões de reais.

Gráfico 1. Orçamento Anual aprovado (2000-2022)

O valor total do orçamento, contudo, é pouco elucidativo das prioridades dos governos. É preciso olhar sua distribuição pelo Grupo de Natureza das Despesas (GND). O GND é uma classificação do orçamento cuja finalidade é identificar e agrupar por semelhança os objetos de gasto governamental. Há 7 grupos de despesa, de acordo com a classificação adotada pelo Governo:

  1. Pessoal e Encargos Sociais: despesas orçamentárias com pessoal ativo, inativo e pensionistas, relativas a mandatos eletivos, cargos, funções ou empregos, civis, militares e de membros de Poder, com quaisquer espécies remuneratórias.
  2. Juros e Encargos da Dívida: despesas orçamentárias com o pagamento de juros, comissões e outros encargos de operações de crédito internas e externas contratadas, bem como da dívida pública mobiliária.
  3. Outras Despesas Correntes: despesas orçamentárias com aquisição de material de consumo, pagamento de diárias, contribuições, subvenções, auxílio-alimentação, auxílio-transporte, etc. De maneira geral, engloba as despesas para o funcionamento das políticas públicas e programas já existentes.
  4. Investimentos: despesas orçamentárias a serem alocadas na melhoria, manutenção e criação de novas políticas públicas.
  5. Inversões Financeiras: despesas orçamentárias com a aquisição de imóveis ou bens de capital já em utilização; aquisição de títulos representativos do capital de empresas ou entidades de qualquer espécie, já constituídas, quando a operação não importe aumento do capital; e com a constituição ou aumento do capital de empresas.
  6. Amortização da Dívida: despesas orçamentárias com o pagamento e/ou refinanciamento do principal e da atualização monetária ou cambial da dívida pública interna e externa, contratual ou mobiliária.
  7. Reserva de Contingência: fundo de despesa criado para separar recursos que estejam sem uso e possam ser utilizados de forma emergencial.

Dentre esses 7 GNDs, o grupo “Investimento” e “Outras Despesas Correntes” são os únicos que permitem remanejamento das verbas e receitas alocadas. Os demais grupos comportam despesas obrigatórias, ou seja, não passíveis de cancelamento ou modificação ao longo da execução do ano orçamentário. Para este relatório, priorizamos a análise das receitas de investimentos, visto que elas garantem a melhoria e criação de novas políticas públicas.

Como apresentado no Gráfico 2, os dois grupos que mais recebem recursos no orçamento ao longo dos anos são os de Amortização da Dívida e de Outras Despesas Correntes. Na média, Amortização da Dívida ocupa 45% das receitas aprovadas, enquanto as Despesas Correntes ocupam 31%. O mais preocupante, no entanto, é o grupo de Investimentos que recebe, em média, apenas 2% dos valores aprovados para o orçamento.

Gráfico 2. Porcentagem de recursos aprovados por GND na LOA (2000-2022)

Conforme mencionado anteriormente, o grupo de Investimento é o que mais permite ao Governo criar e melhorar políticas públicas. Essa rubrica é fundamental para benfeitorias e ampliação de políticas e obras nas áreas de Saúde, Educação, Habitação, Infraestrutura, Lazer, Transporte etc.

O Gráfico 3, revela que, desde 2016, esses valores vêm caindo vertiginosamente no Brasil. Após 8 anos de valores crescentes, durante os governos do PT, com pico de 139 bilhões de reais em 2013, no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff, o valor aprovado para o grupo caiu para um patamar de aproximadamente 40 bilhões durante o Governo Bolsonaro, ou seja, foi reduzido a menos de um terço do maior valor da série.

Gráfico 3. Valores aprovados para Investimento (2000-2022)

3. O orçamento da Educação

Considerada como uma das prioridades de todos os governos, a área de Educação tem previsão para receber em 2022 aproximadamente 137 bilhões de reais –valor próximo ao pico da série, que é de 142 bilhões em 2014, atingido após anos consecutivos de crescimento expressivo. Vale ressaltar, no entanto, que o orçamento total da Educação em 2022, superior em 60 bilhões ao aprovado em 2021, apenas reverte o quadro de sucateamento observado desde 2015, aprofundado em 2020 e, particularmente, em 2021. Os dois anos marcam a eclosão e o agravamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, sem resposta à altura do Governo Federal na área.

Gráfico 4. Orçamento do Ministério da Educação (2000-2022)

Se considerarmos as parcelas destinadas ao Investimento, além disso, o quadro é ainda mais desanimador, como mostra o gráfico 5, a seguir. Novamente, observamos um padrão consistente de crescimento da proporção dos investimentos no orçamento total da Educação ao longo do segundo mandato do presidente Lula (2006-2010) e do primeiro mandato de Dilma Rousseff até 2015. Depois desse ano, há queda de 17% para 14% ainda na gestão da presidente. O governo Temer chega a diminuir os investimentos para 10% e no governo Bolsonaro essa parcela é reduzida a 8%.

Gráfico 5. Porcentagem de Investimentos do Ministério da Educação (2000-2022)

O gráfico 6 apresenta os investimentos em termos absolutos. Nele, o tamanho da redução fica ainda mais evidente. De um pico de 21 bilhões em 2015, caímos para um valor seis vezes menor em 2022 – 3,5 bilhões.

Gráfico 6. Valores de Investimentos do Ministério da Educação (2000-2022)

2.1. O Orçamento da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior)

Considerada uma Unidade Orçamentária (UO) pertencente ao Ministério da Educação, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) depende para funcionar dos recursos do ministério. O gráfico 7 apresenta os valores aprovados para o orçamento da CAPES ao longo dos últimos 22 anos. Assim como observado no orçamento total do Ministério da Educação, os recursos destinados à CAPES começam a crescer durante os governos petistas, embora mais expressivamente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff. Depois de 2015, que corresponde ao pico da série histórica aqui analisada (8,54 bilhões), as receitas da agência entram em ritmo de queda, atingindo a marca de 1,9 bilhões de reais em 2021 –valor mais de 4,5 vezes menor do que o de 2015. Em 2022 o orçamento previsto para a agência subiu para 3,8 bilhões, mas este valor ainda é muito inferior aos mais altos da série.

Gráfico 7. Orçamento da CAPES (2000-2022)

O gráfico 8 apresenta os valores absolutos de investimento da CAPES nos últimos 22 anos. O destaque aqui é para as duas piores marcas já observadas na série e que acontecem sob o governo do presidente Bolsonaro: a) em 2021 a CAPES não recebeu nenhum recurso para a área de investimento; b) o recurso aprovado para 2022 é o menor valor já destinado para investimentos na Capes nesses 22 anos: parcos 8,11 milhões de reais.

Gráfico 8. Valores de Investimentos da CAPES (2000-2022)

3. O orçamento do Ministério da Ciência e da Tecnologia

Responsável por toda a área de pesquisa e tecnologia no país, o Ministério da Ciência e da Tecnologia possui orçamento cerca de 10 vezes menor que o Ministério da Educação. O gráfico 9 mostra que a receita aprovada para o órgão não ultrapassou o valor de 19, 4 bilhões de reais – melhor marca alcançada em 2017. O padrão da curva difere do observado nos gráficos do ME, contudo. Nota-se o mesmo crescimento ao longo dos governos do PT, mas ele continua sob Temer, ainda que com enorme variação, decaindo fortemente no governo Bolsonaro, com destaque para o ano pandêmico de 2021. Trata-se de um governo, portanto, que, a despeito da própria pandemia, não investe em ciência e tecnologia.

Gráfico 9. Orçamento Ministério da Ciência e Tecnologia (2000-2022)

Além do baixo valor de receitas aprovado para este ministério ao longo dos anos, a parcela de investimentos também é baixa, como mostra o gráfico 10. O pico ocorreu em 2007, durante o governo Lula, com a tímida marca de 4%, e nos anos do governo Bolsonaro regrediu para uma média de 1,5% ao ano.

Gráfico 10. Porcentagem de Investimentos do MCT (2000-2022)

Ao considerarmos os valores absolutos destinados para investimentos em Ciência e Tecnologia, podemos observar crescimento em boa parte do governo petista, mas um padrão de queda que já começa em 2012 e vem até os dias de hoje. A queda de 2012 para 2021 foi de 3,34 bilhões para 240 milhões, ou seja, um valor quase 14 vezes menor. Para 2022 há um aumento no valor, mas bastante tímido.

Gráfico 11. Valores de Investimentos em Ciência e Tecnologia (2000-2022)

3.1. Valores de Investimentos em Ciência e Tecnologia (2000-2022)

O CNPq é a agência que financia a maior parte da pesquisa e desenvolvimento científico no país. Considerado como uma unidade orçamentária (UO) – tal como a CAPES –, o CNPq possui suas receitas vinculadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia. Como mostra o gráfico 12, diferentemente do padrão identificado em gráficos anteriores, a série temporal começa em patamares relativamente altos, no final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso, permanece em patamar mais baixo ao longo dos dois governos Lula e passa por crescimento contínuo sob Dilma para cair estrepitosamente a partir da presidência de Temer. O governo Bolsonaro produziu o valor mais baixo da série em 2021, 540 milhões de reais –que corresponde a valor mais de cinco vezes menor que o pico de 2013, 2,77 bilhões. Em 2022 está previsto um gasto maior, mas que ainda assim será o segundo mais baixo da série.

Gráfico 12. Orçamento CNPq (2000-2022)

Com a lupa no orçamento destinado a investimentos no interior do CNPq, observa-se que a quantidade de recursos alocados ao longo dos anos varia muito. De qualquer forma, a tendência geral é de queda no Governo Bolsonaro. Em 2020 a entidade recebeu apenas 9,9 milhões de reais, passando para 11,9 milhões em 2021 e chegando aos 16,67 milhões de reais agora em 2022 – valores bem inferiores à média de 48,72 milhões de reais para o período analisado.

Gráfico 13. Valores de Investimentos do CNPq (2000-2022)

Pontos de atenção

  • Após 8 anos em ritmo de crescimento, o orçamento destinado para investimentos, melhorias e criação de novas políticas públicas vem caindo expressivamente desde 2014. Agora em 2022, a rubrica atingiu uma das suas piores marcas, com valores semelhantes aos observados no país entre 2000 e 2007.
  • Apesar dos recursos destinados para o Ministério da Educação em 2022 serem elevados, eles apenas revertem tendência recente de queda. Além disso, o órgão detém pouca margem para investimentos. Em 2022 o Ministério vai receber apenas 3,45 bilhões de reais para investimentos na educação em todo o país.
  • Vinculado ao Ministério da Educação, a CAPES também tem recebido poucos investimentos ao longo dos últimos 5 anos. Em 2021 a entidade não recebeu valores para serem alocados em investimentos e agora em 2022 a previsão de recursos é a pior de toda a série histórica com apenas 8,1 milhões de reais.
  • Os recursos destinados para investimentos na área de Ciência e Tecnologia seguem a baixa alocação de recursos para o ministério ao longo dos anos. Desde 2013 o órgão apresenta padrão de queda nas receitas de investimentos. Em 2020 e 2021 o ministério recebeu apenas 446,5 milhões e 237,3 milhões de reais para investimentos. A previsão de 2022 é de apenas 722,4 milhões. Valores semelhantes só foram observados em 2000, 2003, 2004 e 2016.
  • Vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, o CNPq desde 2020 vem atingindo suas piores marcas de recursos para investimentos dos últimos 17 anos, em 2020 foram apenas 9,9 milhões, em 2021 11,9 milhões e agora em 2022 serão 16, 67 milhões de reais.
  • Apesar do orçamento aprovado para 2022, ano eleitoral, ser o maior da série aqui analisada, Educação, Ciência e Tecnologia não são prioridades do governo.

[1] Somente foram considerados os valores aprovados (Dotação Inicial) do Orçamento da União

[2] O índice escolhido foi o IPCA (Índice de Preços do Consumidor), disponibilizado pelo Banco Central na seguinte plataforma: https://www.bcb.gov.br/controleinflacao/indicepreco

[3] https://www.siop.planejamento.gov.br/modulo/login/index.html#/

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