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Ciências Sociais Articuladas – Proposições de interesse nos últimos 20 anos

Postado por OLB em 26/jun/2021 - Sem Comentários

1. Apresentação

O governo federal desempenha um papel de suma importância na gestação e instituição das políticas de educação, ciência e tecnologia no Brasil. Mantém uma ampla rede própria de ensino, abarcando os níveis médio, técnico e superior, tem agências de fomento à da pesquisa e ao desenvolvimento da ciência e tecnologia nacionais, além de atuar na conformação dos marcos regulatórios das duas áreas no país.

O arcabouço institucional que hoje regula as políticas educacionais foi estabelecido por um conjunto de leis aprovadas em diferentes governos nas últimas décadas. Alguns dos exemplos mais relevantes da legislação educacional são a Lei de Diretrizes da Educação Básica (Lei 9394 de 1996), as leis que instituíram o FUNDEF (Lei 9424 de 1996) e o FUNDEB (Lei 11494 de 2007),  o PROUNI (Lei 11096 de 2005), a Lei de Cotas (Lei 12711 de 2012) e os planos nacionais de educação. Dentre as legislações relevantes para a área de Ciência e Tecnologia, assume destaque o Marco Legal da Ciência, Tecnologia e Inovação, sancionado em 2016 (Lei 11243 de 2016), que modificou a Lei da Inovação de 2004 (Lei 10.973 de 2004). Sabe-se pouco, no entanto, a respeito do esforço de regulação do Congresso e do Planalto no que toca às áreas durante o governo de Bolsonaro. Em contrapartida, é notório que o atual governo e diversos parlamentares da atual legislatura constroem narrativa em favor do controle político da educação e do descrédito da ciência.

Nesse cenário, entender a evolução nas últimas décadas do comportamento parlamentar e do papel legislativo desempenhado pelo governo nos temas de Educação, Ciência e Tecnologia ganha importância redobrada. Com esse objetivo, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou as proposições legislativas apresentadas junto à Câmara dos Deputados de 1989 até 2021, incluídas aquelas que chegaram do Senado, bem como as matérias de iniciativa do Poder Executivo, de modo a avaliar o peso dos temas da Educação, Ciência e Tecnologia no processo legislativo. Foram considerados os seguintes tipos de proposição: projetos de lei ordinária (PL), projetos de lei complementar (PLC), medidas provisórias (MPV) e propostas de emenda à Constituição (PEC).

Os resultados estão apresentados em duas seções a seguir, uma dedicada à avaliação da evolução do interesse nos temas, medido pelo volume e proporção de iniciativas, e outra à análise do papel desempenhado pelo Executivo nessa agenda.

2. Proposições de Educação, C&T na Câmara: o interesse no tema

Entre 1989 e 03 de maio de 2021, das 71.957 proposições iniciadas na Câmara dos Deputados, 5.222 trataram dos temas Educação, Ciência e Tecnologia (C&T). Foram 4.937 PLs, 78 PLCs, 150 PECs e 57 MPVs. O gráfico 1 mostra o total de proposições com início de tramitação na Câmara em cada ano, destacando aquelas relativas à Educação e C&T.

Gráfico 1.

Embora o total de proposições tenha variado bastante anualmente, alguns pontos devem ser destacados: a) pequena tendência de queda no início da década de 1990, seguida por um aumento a partir da década de 2000; b) picos nos primeiros anos das legislaturas – quando parlamentares dedicam-se mais intensamente a mostrar sua agenda à base eleitoral;  e c) crescimento expressivo do número de matérias apresentadas nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, em parte pelo ímpeto de partidos de direita e centro-direita, conforme observado em relatório anterior.  Por fim, o volume de matérias nos temas de Educação e C&T parece acompanhar a evolução das proposições totais, mas mantém-se praticamente residual ao longo do período. É importante ressalvar que interesse legislativo não se converte necessariamente em eficácia legislativa. Ou seja, o fato de determinada legislatura, partido ou parlamentar apresentar muitas proposições não corresponde necessariamente a sua capacidade efetiva de aprovar as matérias propostas.

No gráfico 2, discriminamos o total de proposições sobre o tema por governo e ano. Em termos absolutos, há aumento consistente no total de proposições sobre os temas ao longo dos últimos governos, incluindo o de Bolsonaro.

Gráfico 2.

Padrão semelhante de crescimento da agenda pode ser observado no gráfico 3, que averigua o percentual de proposições nos temas Educação e C&T sobre o total de proposições com tramitação iniciada na Câmara dos Deputados em cada ano. O interesse nos temas começa a crescer na segunda metade da década de 1990, quando sai de um patamar próximo a 1% do total de proposições iniciadas para percentuais superiores a 7% em quase todos os anos seguintes.

Gráfico 3.

Há três momentos de maior participação na agenda geral legislativa de matérias relativas à Educação, Ciência e Tecnologia: o primeiro no governo Fernando Henrique Cardoso (11,3%), o segundo no governo Lula (11,3%) e o terceiro no governo Bolsonaro (11,2%). Nota-se, entretanto, que, entre os anos de 2003 e 2010, a proporção de proposições classificadas como Educação e C&T manteve-se acima de 9% em todos os anos. Assim, desconsiderados os picos, pode-se dizer que os anos do governo Lula foram aqueles em que o tema esteve presente na agenda legislativa de maneira mais consistente, quando vista a partir da apresentação de proposições na Câmara. Vale ponderar, contudo, que a apresentação de projetos não significa necessariamente um interesse por parte das lideranças e espaços de poder relevante dentro do legislativo, ou seja, que esses números definam a agenda decisória efetiva do plenário e das comissões, por exemplo. Representa, isso sim, o tamanho dos temas em atividade chave nas preferências dos parlamentares e demais proponentes de iniciativas legislativas. Exatamente por essa razão, para desdobrar outros aspectos da agenda decisória e da eficácia legislativa, é que se mostra relevante dedicar alguma atenção às matérias aprovadas.

3. Predominância do Executivo em matérias aprovadas

Nos últimos 20 anos, a grande maioria das proposições com tramitação iniciada na Câmara foi de autoria de deputados(as), conforme observado no gráfico 4.

Gráfico 4.

No entanto, ao distribuirmos os dados por ano (gráfico 5), é possível notar um ligeiro aumento das proposições de autoria do Senado na segunda metade da primeira década dos anos 2000.

Gráfico 5.

Das matérias de Educação e C&T com tramitação iniciada na Câmara no período considerado, apenas 224 (4,2%) foram transformadas em norma jurídica. Esse percentual é de 5,1% para os demais temas. Ou seja, foi um pouco menor a capacidade do Congresso de transformar propostas em lei nos dois temas citados, proporção que, porém, não representa uma diferença estatisticamente significativa. Quando discriminamos por tipo de autor, entretanto, notamos que a maior parte das matérias que se tornaram normas jurídicas são de autoria do Executivo, conforme demonstrado no gráfico abaixo.

Gráfico 6.

A análise, em separado, das proposições de autoria do Executivo (gráfico 7) novamente revela um maior ativismo sobre o tema a partir do início dos anos 2000. Os anos de 2004, 2006 e 2011 são aqueles em que observamos maior número de proposições do Executivo transformadas em norma jurídica. Os dois picos que se seguem ao término dos governos petistas apresentam padrão ligeiramente diferente daquele que caracterizou a primeira década dos anos 2000. Em 2016 e 2020, o sucesso do Executivo em aprovar suas matérias foi consideravelmente menor, ao mesmo tempo em que o número de proposições apresentadas varia consideravelmente ano a ano.

Gráfico 7.

Desse modo, apesar do grande número de proposições sobre os temas Educação e C&T nos dois primeiros anos da atual legislatura, o padrão da legislatura 2019-2022 ainda não é semelhante ao do passado recente, em particular se comparado ao da primeira década dos anos 2000. Em primeiro lugar, porque o interesse da atual legislatura no tema ainda é incipiente e desacompanhado de liderança determinada do Executivo. Em segundo, porque o Executivo mostrou-se até então menos ativo e eficaz na condução de sua agenda sobre os temas. É cedo, no entanto, para avaliar se o ânimo dos novos parlamentares pode ainda resultar em mudanças institucionais de maior importância.

4. Pontos de destaque

  • De 1989 a maio de 2021, há tendência de crescimento do interesse legislativo em matérias relativas aos temas Educação e C&T, especialmente após a segunda metade da década de 1990.
  • A partir do início dos anos 2000, entretanto, observamos um aumento consistente tanto em termos do percentual dessas proposições sobre o total, quanto do ponto de vista do sucesso legislativo do Executivo. Os governos de Lula são marcados por maior capacidade governamental de aprovar matérias relativas aos temas.
  • O desempenho da atual legislatura, em termos de volume de proposições apresentadas, é indício de que os temas Educação e C&T estão na agenda de preferências dos atuais legisladores.
  • Entretanto, a atuação legislativa do governo Bolsonaro nos temas revela a (falta de) atenção para essa agenda no Planalto e a dificuldade de tramitação de uma agenda governamental não diretamente relacionada ou a questões econômicas ou a medidas de enfrentamento à pandemia – casos em que o Executivo tem obtido maior sucesso. Em 2019, o Executivo não conseguiu aprovar qualquer matéria sobre os temas. Isso só aconteceu nos anos de 1993 e 1999, se considerado todo o período aqui analisado. Em 2020, a taxa de sucesso legislativo em Educação e C&T foi de apenas 27% – a menor, se considerados todos os anos da série em que o Executivo teve maior ativismo nos assuntos.
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O Congresso e a legislação trabalhista: o que mudou na pandemia?

Postado por OLB em 30/abr/2021 - Sem Comentários

Debora Gershon, Leonardo Martins Barbosa, Pieter Zalis

1. Introdução

Questões relativas a “Trabalho e emprego” são objeto frequente de proposições legislativas desde a redemocratização. De 1988 para cá, reformas trabalhistas estruturais foram aprovadas pelo legislativo federal: uma no primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso e outra, bastante profunda no governo Temer, dedicada a reduzir o custo do trabalho e das demissões, a flexibilizar a alocação de mão de obra e a dificultar a existência de instituições de defesa do(a) trabalhador(a). Esses dois casos, cognominados “reformas”, foram objeto de debate público e atraíram alguma atenção da imprensa, a despeito da cobertura altamente enviesada em prol dos empregadores. No entanto, isso não se dá no caso de alterações legislativas de menor porte, mesmo quando seu efeito não é desprezível. Desde o ano 2000, houve um aumento expressivo no volume anual de proposições apresentados pelo Executivo e, principalmente, pelo Legislativo.

Nos últimos 21 anos, uma média de 230/240 propostas relativas a “Trabalho e Emprego” foi apresentada em cada uma das 21 sessões legislativas(vide o boletim de 2020 do OLB sobre o assunto), em movimento não necessariamente correlacionado com a variação, para cima ou para baixo, das taxas de desemprego. Ou seja, a despeito da conjuntura econômica, deputados e deputadas legislam ou buscam legislar frequentemente sobre o assunto. E o fazem, inclusive, no que toca à iniciativa de apresentação de projetos de lei, independentemente de seus partidos estarem na oposição ou na base de apoio ao governo (esses dados também podem ser encontrados no boletim do OLB acima citado). Partidos de esquerda e de direita, governistas ou oposicionistas, assinam proposições sobre o tema, ainda que, no mérito, possam buscar mudanças em direções completamente opostas. “Trabalho e Emprego”, portanto, é tema de interesse transversal, do ponto de vista partidário, embora o PT, por seu histórico e trajetória, tenha ocupado consistentemente posição de destaque.

No governo de Bolsonaro, o cenário não é distinto. O presidente sinaliza, desde o início de seu mandato, sua preferência por mudanças pró-mercado na seara trabalhista. Os(as) deputados(as) eleitos(as) para a legislatura 2019-2022 também demonstraram a relevância do tema para as suas agendas. Em 2019, cerca de 540 proposições sobre o tema foram apresentadas na Câmara – um salto significativo com relação ao número de proposições apresentadas nos primeiros anos de novas legislaturas desde 1989. Até então, o maior número de proposições apresentadas ocorreu no primeiro ano do segundo mandato de Dilma Rousseff (390).

Com o advento da pandemia de Covid-19 em 2020, nossa hipótese é de que a câmara baixa tenha conferido atenção ainda maior ao assunto trabalhista. Isso porque os efeitos da crise sanitária somaram-se às transformações estruturais que já vinham sendo experimentadas no mundo do trabalho, acionando os partidos (alguns muito mais do que outros) na direção do aumento de medidas de regulação de novas formas de trabalho e/ou proteção do trabalhador. Com o objetivo geral de verificar a validade dessa hipótese, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou todas as proposições que tramitaram na Câmara sobre o tema em 2019, 2020 e início de 2021, considerada a indexação temática da própria Câmara. Com isso, buscamos estender o trabalho feito anteriormente, que tratava somente das proposições apresentadas no ano de 2019 e início de 2020, desconsiderando matérias que tramitaram no período, mas que foram iniciadas em legislaturas anteriores.

Nossos objetivos específicos são: a) avaliar o ímpeto legislativo para o assunto nos últimos 2 anos, especialmente em 2020; b) avaliar o comportamento dos partidos no tema “Trabalho e Emprego”, considerados sua iniciativa e seu comportamento quando das votações em plenário; e c) identificar a legislação aprovada no período. Os resultados estão descritos a seguir.

2. Volume e distribuição: impacto da pandemia

De janeiro de 2019 a 22 de abril de 2021, 3.601 proposições sobre o tema “Trabalho e Emprego” tramitaram na Câmara dos Deputados, considerados os seguintes tipos: PL, PLP, PEC e MPV. Os anos de 2019 e 2021 foram os de maior movimentação, embora, no primeiro, como era de se esperar, tenha havido tramitação expressiva de matérias propostas em legislaturas anteriores.

Gráfico 1. Proposições tramitadas na Câmara dos Deputados entre 2019 e 2021

Do total de matérias tramitadas entre 2019 e 2021, 1.697 foram efetivamente iniciadas nesse período, das quais 56% em 2020, em comparação a apenas 32% em 2019, o que pode sinalizar resposta dos parlamentares aos efeitos da pandemia de Covid-19. Os dados de 2020 e 2021 confirmam, portanto, a tendência observada em boletim anterior: a legislatura atual tem ímpeto legislativo maior sobre o assunto se comparada às legislaturas anteriores.

Gráfico 2. Proposições movimentadas entre 2019 e 2021 por ano de apresentação


Obs.: Os dados acima incluem proposições movimentadas na Câmara, de iniciativa dos senadores e dos deputados. Ainda assim, a comparação com o boletim anterior é válida, dado que o Senado tem a autoria de pequena parte das proposições sobre o tema.

Das mais de 3,5 mil matérias que tramitaram, ressalta-se que 94,3% são de autoria de Deputados, 3,2% de Senadores, 1,6% do Poder Executivo e 0,9% de outros órgãos/comissões. Fica assim preservado o padrão que marcou a trajetória da Nova República de predominância do Legislativo nas proposições sobre o assunto, em que pese a dominância do Executivo nas matérias aprovadas.

Do ponto de vista da iniciativa dos partidos no tema, os dados para o período indicam que o “Trabalho e Emprego” mantém-se, igualmente, como objeto de interesse de partidos tanto à esquerda quanto à direita do campo político da Câmara. O PT, contudo, permanece na liderança. O partido é autor de 674 proposições que tiveram alguma movimentação entre 2019 e 2021, seguido de longe pelo Solidariedade, que é autor de 499 das 3.601 proposições movimentadas.

Gráfico 3. Partidos autores das propostas tramitadas entre 2019 e 2021

3. Comportamento partidário no tema

O comportamento partidário nas votações sobre o tema em plenário não difere significativamente do observado em outras matérias. É alta a adesão de praticamente todos os partidos à orientação de voto dada pelo líder do governo na Câmara. As exceções são as cinco legendas que compõem o bloco mais oposicionista da casa: PSOL, PCdoB, PT, PSB e PDT. Os três primeiros, vale dizer, com perfil oposicionista em número significativamente maior de votações, conforme demonstrado no gráfico abaixo. O gráfico distribui votos de todos os partidos da Câmara com 10 ou mais parlamentares, de acordo com o seu grau de apoio ao governo (mais detalhes ao fim do texto, na nota metodológica).

Gráfico 4. Índice de governismo dos principais partidos nas votações sobre trabalho e emprego

4. Objetos de legislação: o que é da pandemia e o que fica?

Apesar do alto número de proposições movimentadas entre 2019 e 2021, apenas 21 foram efetivamente transformadas em norma jurídica, das quais 12 são de autoria do Executivo. Ou seja, enquanto o Executivo iniciou apenas 1,6% das proposições que tramitaram desde 2019, ele responde por 57% das matérias aprovadas, demonstrando claro domínio sobre a agenda legislativa. Deputados e senadores, que são numericamente os grandes proponentes do tema, obtiveram uma taxa geral de aprovação bem inferior, de 29% e 14%, respectivamente.

Das 21 matérias transformadas em norma jurídica, nada menos do que 16 o foram depois do início do estado de calamidade e 5 antes. Além disso, 12 têm por objeto temas diretamente relativos à pandemia, enquanto 9 não tratam diretamente dela. Do total de matérias, 5 referem-se de algum modo a categorias especiais de profissionais, com particular destaque para o PL 1826/2020, que estabelece diretrizes de proteção aos trabalhadores da saúde.

Tabela 1. Temas das proposições sobre trabalho e emprego aprovadas (2019-2020)

Subtemas

Frequência

Administração Pública

4

Assistência Social

4

Categorias especiais

5

Contratos de trabalho

3

Previdência e FGTS

2

Salário mínimo

1

Suporte a empresas

2

Total

21

Chamamos particular atenção, entretanto, à MPV 936, transformada na Lei 14.020/2020, que permitiu, até dezembro de 2021, redução proporcional de jornada de trabalho e salários e suspensão temporária de contrato, com contrapartida financeira do governo. O governo se prepara para reedição de medida provisória com conteúdo similar. Será importante, contudo, posteriormente observar o que estará circunscrito ao momento de calamidade e o que será laboratório para uma nova rodada de transformações futuras da legislação, inclusive no que se refere às condições de teletrabalho.

5. Conclusão

Os dados acima permitem-nos observações adicionais à pesquisa realizada em 2020.

Em primeiro lugar, está confirmada a hipótese de que a legislatura atual demonstra interesse maior no tema “Trabalho e emprego” em relação a legislaturas anteriores, embora esse grau de interesse do legislativo permaneça não sendo correspondente à sua capacidade de transformar as proposições em lei. Foram 21 matérias sobre o assunto transformadas em norma jurídica entre janeiro de 2019 e abril de 2021. O número é muito baixo se comparado ao total de propostas que tramitaram. Por outro lado, isso também pode expressar o esforço da Câmara em responder aos desafios impostos pela propagação do coronavírus. De 1989 a 2020, somente 163 proposições do gênero foram transformadas em norma jurídica (vide boletim anterior). Nesse cenário, o resultado alcançado pela atual legislatura não é nada desprezível.

Em segundo lugar, nas votações realizadas entre 2019 e 2021, é bastante expressivo o apoio da maioria da Câmara à posição do governo, enquanto a esquerda manteve-se na oposição. Assim, embora a Câmara tenha destinado maior atenção ao tema, é plausível inferir que as soluções adotadas não foram consensuais.

Por fim, vale dizer que apesar do protagonismo da esquerda na apresentação de propostas, do ponto de vista da aprovação o Executivo permanece dominante. Nesse sentido, a agenda referente ao trabalho e emprego na pandemia foi conduzida pelo Ministério da Economia. Mudanças significativas podem ser realizadas em proposições esparsas e que não são tratadas como uma reforma ampla do setor. No caso, as medidas adotadas em 2020 podem ser um indicativo dos caminhos a serem seguidos pelo governo na evolução dessa pauta no pós-pandemia.

6. Nota metodológica

Para avaliar o grau de apoio dos partidos ao governo nas votações sobre o trabalho e emprego, calculamos o índice de governismo de cada sigla da seguinte maneira:

Onde é o total de votos do partido a favor do governo (ou seja, votos que seguiram a orientação do líder do governo na Câmara dos Deputados); é o total de votos do partido contra o governo; e é o total de abstenções de cada partido.

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Decretos presidenciais e o meio ambiente

Postado por OLB em 19/abr/2021 - Sem Comentários

Leonardo Martins Barbosa, Pieter Zalis, João Feres Júnior

1. Introdução

A política ambiental conduzida pelo presidente Jair Bolsonaro é atualmente uma das pautas mais controversas de um governo marcado por polêmicas. No primeiro ano de seu mandato houve um aumento expressivo de queimadas nas áreas de fronteira agrícola, o que gerou críticas assertivas de importantes parceiros internacionais do Brasil, como a Noruega e a Alemanha, países financiadores do Fundo de Desenvolvimento da Amazônia. O principal risco é o de que em pouco tempo se desmonte o arcabouço de políticas ambientais que vinham se consolidando a partir da redemocratização, inclusive com a criação do Ministério do Meio Ambiente, em 1992.

O início da pandemia causou ainda maior temor em organizações, ativistas e especialistas no tema ambiental. Em um vídeo vazado de uma reunião ministerial, em 2020, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, considerou o momento excepcional produzido pela COVID-19 como uma oportunidade para “passar a boiada”, ou seja, para se promover uma série de mudanças administrativas na área, reformulando políticas ambientais sem a anuência do Congresso, quando isso fosse possível. Com a atenção da sociedade voltada para a pandemia, o governo encontraria menor oposição a decretos que alterassem regras de proteção e fiscalização ambiental. Essa declaração de intenções tornou-se ainda mais preocupante em razão de o funcionamento do Congresso ter se tornado remoto, o que compromete parte dos mecanismos institucionais disponíveis à oposição e à sociedade civil organizada para debater temas polêmicos de iniciativa do governo. Com efeito, o avanço dessa agenda no Congresso tem encontrado resistência. Em 2019, a Câmara aprovou uma reforma do código florestal que, entretanto, não passou no Senado.

Dado esse contexto, o objetivo deste boletim é avaliar se de fato há um esforço do Executivo desde o início do governo de Bolsonaro para alterar o arcabouço das políticas ambientais no país. A equipe do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) levantou e analisou dados sobre decretos presidenciais desde 1989. Para distinguirmos os decretos sobre meio ambiente, selecionamos aqueles que foram indexados com um conjunto de palavras-chave referentes ao tema. É importante esclarecer que incluímos também termos relativos à questão fundiária e à mineração, pois comportam atividades de grande impacto sobre o meio ambiente[1].

Embora não tenha havido um crescimento na quantidade de decretos ambientais especificamente no início da pandemia, descobrimos que há uma tendência expressiva nesse sentido desde 2016. Na primeira seção, apresentamos a evolução dos decretos presidenciais ao longo das últimas décadas. Na segunda, examinamos o recorte temporal específico ao governo Bolsonaro e à pandemia. Por fim, analisamos os decretos ambientais de 2016 em diante, a partir de uma classificação temática realizada pela equipe do OLB.

2. Decretos presidenciais e o meio ambiente

Desde a promulgação da Constituição de 1988, os decretos presidenciais perderam poder de lei e assumiram caráter apenas administrativo. Entretanto, eles ainda reservam ao presidente considerável poder de gestão sobre o sistema de proteção no Brasil, mesmo sem promover mudanças nos marcos legais. Ou seja, trata-se de um instrumento importante do poder Executivo para promover políticas sem a necessidade da anuência do Congresso Nacional.

O gráfico 1 mostra a evolução da quantidade total de decretos presidenciais desde 1989, ou seja, sem discernir aqueles pertinentes ao tema meio ambiente. Como se pode observar, a queda é abrupta nos primeiros anos depois da redemocratização.

Gráfico 1. Decretos presidenciais por ano

Temos portanto a mudança de um padrão no qual o executivo governava, por meio de decretos, com grande autonomia em relação ao Congresso, para um padrão próprio da democracia, no qual parte expressiva da decisão sobre políticas públicas é transferida para as casas legislativas, com decorrente queda vertiginosa do número de decretos executivos. Passados os anos iniciais, houve alguns momentos de pico na quantidade total de decretos, como nos anos de 1998 e 2002. Depois disso, há uma queda mais ou menos constante, particularmente expressiva a partir de 2010, mas que é revertida a partir de 2016, ano de deposição de Dilma Rousseff, e atinge um pico no governo de Jair Bolsonaro.

Gráfico 2. Decretos presidenciais por mandato

Destacamos em seguida apenas os decretos relativos ao meio ambiente. Sua evolução desde 1989 está apresentada no gráfico 3, abaixo:

Gráfico 3. Decretos presidenciais sobre o meio ambiente

O início do período apresenta um padrão semelhante ao observado na quantidade total de decretos presidenciais, com uma queda abrupta no início da década de 1990. Apenas recentemente verificamos um novo aumento expressivo. A partir de 2017, a quantidade de decretos relativos ao meio ambiente aumenta e mantém-se em patamar mais elevado do que nos anos anteriores. Ou seja, houve aumento no governo Michel Temer e manutenção de patamar relativamente elevado no mandato de Bolsonaro.

O gráfico 4 nos ajuda a observar essa evolução nos últimos anos. Nele mostramos a proporção de decretos presidenciais no tema meio ambiente sobre o total de decretos presidenciais. Constatamos com isso que a partir do governo Temer, não apenas há um incremento absoluto na quantidade de decretos sobre o tema, mas também relativo.

Gráfico 4. Percentual dos decretos ambientais

Em outras palavras, os decretos sobre meio ambiente crescem proporcionalmente mais do que o aumento geral de decretos presidenciais, mesmo se incluirmos o governo Bolsonaro, ao longo do qual o aumento no total de decretos foi mais expressivo. Entre 1992, a proporção de decretos ambientais sobre o total de decretos presidenciais foi em média de 2.4%. Entre 2017 e 2020, foi de 4.5%. Isso sinaliza o aumento da importância do meio ambiente na agenda desses presidentes.

3. Governo bolsonaro e a pandemia

Analisamos também especificamente o recorte temporal do mandato de Bolsonaro, de modo a averiguar se a pandemia levou o governo a aumentar a quantidade de decretos ambientais. O gráfico 5 apresenta o total de decretos presidenciais, divididos entre aqueles emitidos antes e depois do início da pandemia, e o gráfico 6, aqueles referentes ao meio ambiente. Verificamos assim que, na verdade, houve uma redução no total de decretos presidenciais em ambos os casos.

É importante ponderar que isso não significa necessariamente a inexistência de decretos de maior impacto para as políticas de meio ambiente publicadas nesse período, ou que mudanças não tenham sido feitas por meio de portarias e resoluções ministeriais.

Gráfico 5. Decretos antes e durante a pandemia

Gráfico 6. Decretos sobre o meio ambiente antes e durante a pandemia

O menor ativismo durante a pandemia fica mais claro no gráfico 7, no qual desagregamos o atual mandato por trimestre. O período em que o governo Bolsonaro publicou o maior número de decretos presidenciais sobre meio ambiente estendeu-se do terceiro semestre de 2019 até o primeiro trimestre de 2020:

Gráfico 7. Evolução por trimestre dos decretos ambientais no governo Bolsonaro

4. Os decretos desde 2016

Para entender melhor os interesses do governo na área ambiental, os decretos presidenciais de Temer e de Bolsonaro referentes ao meio ambiente foram classificados em subtemas pela equipe do OLB. Temos um total de 28 decretos no governo de Michel Temer (maio de 2016 a 2018) e 39 no de Bolsonaro (até o fim de 2020). O gráfico 8 mostra a distribuição dos decretos por tema.

Gráfico 8. Temas dos decretos ambientais

No governo de Michel Temer, o tema de destaque é a questão fundiária, o que envolve principalmente decretos sobre reforma agrária, quilombolas ou regulação fundiária. Em segundo lugar, temos a regulação de áreas específicas de reserva ambiental ou indígena. No caso de Jair Bolsonaro, os temas de destaque são referentes à administração pública, e economia e desenvolvimento. O primeiro envolve questões administrativas (criação de comitês, comissões, agências, etc.), enquanto o segundo trata de ações de incentivo e fomento a atividades econômicas. Aqui, temos principalmente temas relativos à atividade agropecuária e de extração mineral.

Cabe notar que o terceiro maior tema se refere à gestão militar da Amazônia, instituída pelo governo em 2019 como resposta às críticas domésticas e internacionais ao aumento das queimadas na região. Dos 28 decretos ambientais de Temer, apenas 4 diziam respeito diretamente à Amazônia Legal. Dos 39 de Bolsonaro, mais de um quarto – 10 decretos – são dessa natureza.

5. Conclusões

A análise dos decretos presidenciais que versam sobre o meio ambiente nos mostra um quadro um pouco distinto do imaginado pela retórica do ministro do meio ambiente, mas esperado, dadas as condições calamitosas instauradas pela pandemia. Com efeito, há um aumento significativo desses decretos, mas o aumento não se dá no governo Bolsonaro: ele é iniciado antes, a partir de 2016, ano da deposição de Dilma Rousseff. Desde então, os decretos presidenciais sobre o tema têm se mantido em patamar relativamente alto.

Ainda assim, o governo Bolsonaro destaca-se em relação ao de Temer pelo teor dos decretos que assina, principalmente voltados para o estímulo de atividades econômicas em áreas sensíveis, importantes na agenda ambiental da sociedade civil, e pela militarização da gestão da Amazônia Legal.

[1] Os termos foram: meio ambiente, ministério do meio ambiente, propriedade rural, área de proteção ambiental, mineração, desmatamento, terras indígenas, reserva indígena, assentamento rural, impacto ambiental, conselho nacional de meio ambiente, cadastro ambiental rural, propriedade rural, ibama, recursos ambientais, fundo nacional do meio ambiente, sisnama, crime contra o meio ambiente, licença ambiental e ministério do meio ambiente.

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Ciências Sociais Articuladas – Educação superior e C&T no plenário da câmara

Postado por OLB em 14/abr/2021 - Sem Comentários

1. Apresentação

Este relatório apresenta dados e informações relativos às proposições que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado Federal nos temas de Educação e Ciência, Tecnologia e Inovação, com o objetivo de contribuir para criação de um sistema de monitoramento temático e para o eventual planejamento de ações e campanhas em defesa desses temas no Brasil.

Desde o início da atual legislatura, considerando Projetos de Lei (PL), de Lei Complementar (PLC), Medidas Provisórias (MPV) e Propostas de Emenda à Constituição (PEC), 23.309 proposições tiveram alguma movimentação na Câmara, das quais 2.041 (8,7%) tratam sobre pelo menos um dos dois temas de interesse. Nesse subconjunto, há propostas iniciadas em diversos anos desde a década de 1990 – as duas mais antigas são datadas de 1991, uma relativa à Educação e outra à Ciência e Tecnologia. Do ponto de vista da tramitação, há matérias aguardando despacho da Mesa (15%), outras estacionadas nas comissões (cerca de 80%) e uma pequena proporção delas no plenário (5%), nas seguintes situações: a) pronta para pauta; b) aguardando deliberação; c) aguardando definição de encaminhamento; e d) tramitando em conjunto. Todas essas, se não houver pedido de mudança no regime de tramitação, podem ir a voto a qualquer tempo. O volume de proposições, no entanto, não é motivo, por si só, de preocupação substantiva. Isso porque quase 53% das matérias estão tramitando em conjunto, ou seja, estão apensadas a outras proposições que tratam do mesmo objeto ou de assunto muito próximo. Ainda sobre o estado dos projetos, 25 já foram transformadas em normas jurídicas e 18 aguardam apreciação pelo Senado.

No Senado, há 2.117 proposições de mesmo tipo em andamento, das quais 96 (4,5%) relativas aos dois temas em análise. O padrão de divulgação dos estágios de tramitação dessas matérias difere do da Câmara, mas ainda assim é possível identificar quantas e quais têm maior probabilidade de votação no plenário no curto prazo por estarem nos estágios: a) incluídas na ordem do dia; b) aguardando inclusão na ordem do dia de requerimento; e c) prontas para deliberação. Das 56 proposições que se enquadram nessas categorias, apenas uma está relacionada à Educação/Ciência, Tecnologia e Inovação.

É bom ressaltar que nem todas as propostas legislativas são submetidas à deliberação de plenário. Na Câmara e no Senado, as comissões têm poder de apreciação conclusiva e terminativa, respectivamente, sobre a maior parte das proposições, embora esse modo de aprovação tenha sido prejudicado com o estabelecimento do Sistema de Deliberação Remoto nas duas casas, que suspendeu o funcionamento das comissões permanentes. Na Câmara, em situação de processo legislativo regular, devem ir a plenário somente as propostas de lei complementar, as propostas de lei ordinária que propõem modificação de códigos, as de iniciativa das comissões ou da sociedade civil e as iniciadas ou emendadas pelo Senado. É importante ressaltar que o não cumprimento de prazos, a divergência entre as comissões e a aprovação de requerimentos de urgência, dentre outros fatores, implicam na perda do poder conclusivo comissional em quaisquer situações em que ele se aplica. No Senado, há papel semelhante das comissões em projetos de autoria dos senadores. O presidente da casa ainda tem a prerrogativa para conferir poder de apreciação terminativa na tramitação de matérias específicas diversas, embora haja restrições, das quais a mais importante são as propostas de emenda à Constituição.

Neste relatório, optamos por analisar mais cuidadosamente as matérias que estão no plenário nas diferentes situações supracitadas. São elas as menos consensuais (requerem o voto do conjunto da casa) e as que tendem a suscitar maior debate público quando de suas votações, dada a visibilidade do voto na instância deliberativa máxima do legislativo. Por essa razão, tendo em vista o quadro no Senado, o relatório dedica-se quase exclusivamente à Câmara dos Deputados.

As informações analisadas foram extraídas por meio das plataformas de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Numa primeira etapa, adotamos a classificação temática geral das duas casas legislativas para identificação de propostas cuja indexação temática incluísse os temas “Educação” e “Ciência, Tecnologia e Inovação”. Em seguida, classificamos as propostas em temas menores para melhor avaliação do quadro de interesses legislativos. As informações estão atualizadas até 29/03/2021.

2. Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação no plenário da Câmara

Na Câmara, 109 propostas legislativas que mencionam os temas “Educação” e “Ciência, Tecnologia e Inovação” estão no plenário.

Gráfico 1. Distribuição das propostas no plenário da Câmara por autoria

Desse total, 102 (93%) são de autoria da própria Câmara e 99 (91%) tratam exclusivamente de Educação. Ou seja, Ciência, Tecnologia e Inovação não é tema da agenda de curto prazo dos(as) deputados(as) federais. Apenas 10 matérias dedicam-se ao assunto, devendo-se ressalvar que, dentre elas, apenas duas são relativas a políticas de pesquisa científica. Uma altera a lei que prevê sanções e penas para ações lesivas ao meio ambiente, com especificação de crime contra animais, e outra proíbe a criação de subsidiárias de empresas públicas ou sociedades de economia mista para realização de desinvestimento, com consequente perda de controle acionário por parte do Estado. Todas as demais dedicam-se à identificação, segurança e inviolabilidade digital.

No tema Educação, 73 das 99 matérias que tramitam no plenário da Câmara tratam da Educação Básica. Ensino Superior é subtema de somente 10% das propostas de Educação que podem vir a voto a qualquer tempo. As propostas gerais desse tópico tratam de qualidade do ensino e gestão, acessibilidade, bolsas, extensão universitária e segurança. Duas conferem atenção a cursos específicos: Medicina e Filosofia/Teologia. (ver Quadro 1 no anexo).

Gráfico 2. Subtemas das propostas de Educação no plenário da Câmara

No subtema Educação Básica, a prioridade dos parlamentares é mudar a base curricular nacional. Há 21 projetos que visam a sua alteração, propondo inclusão de programas e disciplinas com atenção a diferentes temas, dentre os quais: ética, cidadania, filosofia, organização do Estado, inserção no mercado de trabalho, introdução ao direito e empreendedorismo. Essas propostas foram apresentadas quase que integralmente por partidos do campo da centro-direita na Câmara, 62% delas apenas no ano de 2019, primeiro ano do governo de Bolsonaro. O tema é relevante, pois afeta não apenas a formação discente, como traz impactos para o mercado de trabalho de profissionais das ciências sociais no ensino básico.

Gráfico 3. Subtemas das propostas de Educação Básica no plenário da Câmara

Se observada a distribuição das proposições no plenário nos dois macro temas aqui sob análise, considerado o ano de sua apresentação, nota-se (como era de se esperar) que a maior parte delas foi iniciada na legislatura 2019-2022, coincidente com o mandato de Bolsonaro. No entanto, 18% das propostas que hoje aguardam inclusão na ordem do dia foram iniciadas ao longo do segundo mandato de Dilma, com concentração na autoria dos seguintes partidos: PSD (5), PP (3) e MDB (2).

Gráfico 4. Distribuição das propostas no plenário por governo em que foram iniciadas


Obs.: Desconsiderada uma proposição iniciada em 1991.

No governo Bolsonaro, as propostas dos temas “Educação” e “Ciência, Tecnologia e Inovação” que estão no plenário são majoritariamente de autoria do PSL, que ao lado do PT possui a maior bancada da Câmara. O PT, contudo, tem autoria de apenas 4 do total das 54 proposições de interesse iniciadas na atual legislatura. O PL (PR até 2019) responde por 7 delas, enquanto PSD e PDT respondem por 5 cada um.

Gráfico 5. Distribuição das propostas no plenário, iniciadas no governo Bolsonaro, por autoria partidária – temas Educação e Ciência, Tecnologia e Inovação

Cabe ressaltar que das 10 propostas do plenário que versam sobre Ensino Superior partidos da esquerda são autores de 3 (PDT 2 e PT 1). O PSL, sozinho, também tem a autoria de 3 projetos, enquanto o Executivo é autor de 1.

Quando olhamos para a totalidade de projetos dos dois grandes temas que tiveram alguma movimentação na atual legislatura, inclusive os que não estão no plenário, a ordem dos partidos sofre alteração. PT aparece em primeiro lugar, com 250 proposições, seguido do PSDB (180), PDT (148), DEM (147) e PSL (130), ocupando a quinta posição. Para todos os temas, o PT segue como partido com mais projetos (2.071) e o PSL fica em sexto lugar (1.242). A diferença entre essas posições à medida que a tramitação da matéria avança em direção ao plenário é representativa, no caso dos temas de interesse, da centralidade de partidos próximos ao governo na condução destas agendas junto à Câmara dos Deputados.

Por fim, é importante mencionar que a discussão feita nesta seção é quantitativa e não debate os aspectos mais substantivos das matérias, sem discriminar, caso a caso, a importância relativa de cada projeto no interior da agenda e suas chances de aprovação. Veja-se, por exemplo, que nem todas as proposições sinalizadas como prontas para deliberação em plenário guardam a mesma centralidade. 88 dos 109 projetos selecionados tramitam em conjunto, ou seja, estão apensados a outras proposições.

3. Pontos de destaque

  • Os temas Educação e Ciência, Tecnologia e Inovação reúnem na Câmara e no Senado 8,7% e 4,5%, respectivamente, do total de proposições que tiveram alguma movimentação de janeiro de 2019 até final de março de 2021.
  • Quando considerados os dois temas de interesse, a agenda da Câmara está concentrada em “Educação Básica”.
  • Seis partidos na Câmara têm a autoria de 65% de todas as proposições do tema “Educação” que se encontram no plenário: PSL, PL, PSD, PDT, PSDB e PT, com destaque para o PSL.
  • O subtema “Ensino Superior” reúne apenas 10% das matérias que podem ser concluídas no plenário da Câmara no curto prazo e trata de questões diversas, sem atenção a investimentos em pesquisa científica. Partidos à direita do campo político-ideológico da Câmara são proponentes majoritários dessas medidas.
  • Em “Ciência, Tecnologia e Inovação”, não há qualquer incentivo à pesquisa científica nos projetos que estarão na agenda de curto-prazo da Câmara.
  • No Senado, a única matéria relativa a um dos dois temas em análise, pronta para votação em plenário, está na ordem do dia. Trata-se do PL 5066/2020, que modifica a Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, e a Lei nº 12.351, de 22 de dezembro de 2010, para dispor sobre o estímulo à pesquisa e à adoção de novas tecnologias na exploração e produção de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos.

Anexo

Quadro 1. Lista das 10 propostas legislativas sobre Ensino Superior no Plenário da Câmara, com identificação de subtema principal

PL Ano Autoria Partido Ementa Subtema principal Situação no plenário
1919 1991 Deputada Celia Mendes PPR Cria o Programa Nacional para Atividades de Extensão Universitária em Saúde, na Amazônia Legal Extensão universitária – área saúde Pronta para Pauta
1153 2003 Deputado Wasney de Roure PT Acrescenta inciso ao art. 44 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Cursos superiores – área Filosofia/Teologia Pronta para Pauta
4372 2012 Poder Executivo Poder Executivo Cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação da Educação Superior – INSAES, e dá outras providências. Qualidade e Gestão Pronta para Pauta
119 2015 Deputado Juscelino Rezende Filho PRP Dispõe sobre a implantação de critérios de avaliação das escolas e dos estudantes de Medicina. Cursos superiores – Medicina Tramitando em Conjunto
3632 2015 Senador Cristovam Buarque PDT Obriga beneficiário de bolsa de estudo de programa da União a prestar colaboração a estabelecimento público de educação básica. Requisitos bolsas Pronta para Pauta
5318 2019 Deputado Eduardo Bismarck PDT Altera a redação do art. 4º da Lei nº 10.436, de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras, para incluir seu ensino obrigatório em cursos de formação em áreas da Saúde e correlatas que especifica. Acessibilidade Tramitando em Conjunto
6071 2019 Deputado Junio Amaral PSL Altera a Lei nº 9.536, de 11 de dezembro de 1997, de forma a assegurar a transferência ex officio entre instituições vinculadas a qualquer sistema de ensino, aos estudantes que sejam servidores civis ou militares da União, do Distrito Federal ou dos estados. Qualidade e Gestão (transferência servidores) Tramitando em Conjunto
2306 2020 Deputada Luisa Canziani/outros PTB Estabelece incentivo fiscal em favor das empresas que firmarem parceria com universidades e institutos de ensino superior ou de pesquisa, para o desenvolvimento de projetos relativos ao COVID-19. Incentivo fiscal projetos sobre Covid Pronta para Pauta
2553 2020 Deputado Gurgel PSL Acrescenta o art. 24-K ao Decreto-Lei nº 667, de 2 de julho de 1969, para dispor sobre a transferência entre instituições de ensino superior de militares estaduais ou distritais, quando ocorrer mudança de domicílio por determinação da Administração. Qualidade e Gestão (transferência militares) Aguardando Definição Encaminhamento
4773 2020 Deputado Felício Laterça PSL Altera a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento), para outorgar aos vigilantes das universidades rurais a autorização para porte de arma de fogo. Segurança (porte de armas em universidades rurais) Tramitando em Conjunto
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Ciências Sociais Articuladas – Emendas e Orçamento

Postado por OLB em 25/mar/2021 - Sem Comentários

1. Apresentação

Este é o primeiro relatório do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) com o objetivo de monitorar o Congresso Nacional nos temas de educação superior e Ciência & Tecnologia, e produzir análises pautadas em conhecimento especializado e dados do processo legislativo.

Com base na Lei de Orçamento Anual para 2021, analisamos as emendas ao orçamento propostas por parlamentares e bancadas no âmbito da Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) do Congresso Nacional. São três os objetivos principais de nossa análise aqui:

  1. analisar a evolução do investimento em ensino superior e pesquisa científica no Brasil nos últimos anos;
  2. avaliar o peso do setor no orçamento público, em geral, e nas emendas parlamentares, em particular;
  3. iniciar o mapeamento de atores relevantes nas matérias de interesse, tendo em vista seu engajamento na formação do orçamento público.

Em razão do estágio atual de tramitação do orçamento federal de 2021, o material aqui apresentado serve como ponto de partida para se pensar a elaboração do orçamento de 2022.

2. Processo legislativo do orçamento público federal

O orçamento público federal é constituído por três leis complementares cuja tramitação está prevista entre os artigos 165 e 169 da Constituição Federal: o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). As três são de iniciativa exclusiva do Poder Executivo, mas devem, obrigatoriamente, ser enviadas à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização – a CMO – para serem apreciadas pelo Congresso. A CMO é composta por 30 deputados e 10 senadores, com igual número de suplentes, e comandada por um presidente e três vices, escolhidos anualmente na segunda quinzena de fevereiro, com possibilidade de extensão desse prazo até a primeira terça-feira de março. É importante mencionar que há subcomissões temáticas no âmbito da CMO que analisam os relatórios setoriais do orçamento, com prioridades e metas. Essas subcomissões aprofundam a discussão sobre investimentos, sendo espaços de potencial interlocução.

O Plano Plurianual tem vigência de quatro anos, do segundo ano do mandato presidencial em curso ao primeiro do mandato seguinte, sendo votado ao fim do primeiro ano de cada governo, após encaminhamento de sua proposta até 31 de agosto. As duas outras peças orçamentárias (LDO e LOA) são elaboradas anualmente, com o objetivo de, respectivamente, definir metas e diretrizes e autorizar gastos e investimentos.

Para monitoramento da atividade legislativa relativa ao orçamento, a LOA é a lei mais importante, pois é ela que prevê receitas e despesas e recepciona emendas parlamentares, individuais e de bancadas. Com a aprovação das emendas constitucionais 86 de 2015 e 100 de 2019, a execução de despesas previstas com emendas individuais e de bancadas se tornou obrigatória, salvo poucas exceções, até o limite, respectivamente, de 1,2% e 1% da receita líquida total do exercício anterior. Cada parlamentar pode apresentar individualmente até 25 emendas, enquanto cada bancada estadual pode apresentar até 23. Oito emendas, no máximo, também podem ser apresentadas pelo conjunto da Comissão.

A votação da LOA deve seguir a aprovação da LDO e, por isso, ela usualmente sofre atrasos, decorrentes de crises políticas ou de situações extraordinárias, não sendo raro, portanto, sua votação em março do ano de referência. É esse o caso da LOA de 2021, que apenas agora está sendo apreciada na CMO para emissão de parecer, inclusive sobre as emendas parlamentares. A votação final tanto da Lei, quanto das emendas, entretanto, é feita no plenário do Congresso.

As datas importantes na tramitação da LOA deste ano são as seguintes:

  • 10 fev – 1 março: prazo para apresentação de emendas à receita e despesa
  • 4 mar: votação do relatório preliminar e suas emendas
  • 5 mar – 14 mar: Publicação dos relatórios setoriais
  • 15 mar – 19 mar: Votação dos relatórios setoriais
  • 20 mar – 22 mar: Publicação do relatório geral
  • 23 mar: Votação do relatório geral
  • 24 mar: Votação em Plenário do relatório geral

Em relação aos relatórios setoriais e às emendas, as áreas temáticas de maior interesse para o objeto de análise deste relatório são a Área Temática IV, programa 5013 (educação superior), e Área Temática XI, o CNPq (2401).

3. Evolução das emendas orçamentárias: visão geral

De 2016 a 2020, o número de emendas individuais ao orçamento cresceu de forma contínua, saindo de 6.000 para 8.000. As exceções foram os anos de 2017 e 2020. Cada um dos 594[1] parlamentares em exercício apresentou, em média, pouco mais de 10 emendas individuais no curso desses anos. A proporção dessas emendas dedicadas às áreas de Educação e Ciência & Tecnologia (C&T) variou entre 8% e 14% do total, chegando ao seu ápice em 2020, quando uma em cada 7 emendas dos parlamentares tratou de um tema ou de outro.

As emendas de bancadas são apresentadas em menor número, segundo a regra vigente, mas, a partir de 2019, quando sua execução tornou-se também obrigatória, elas passaram a ter peso no orçamento semelhante ao das emendas individuais. Do ponto de vista temático, as bancadas estaduais dedicam à Educação e Ciência & Tecnologia proporção de emendas bastante similar àquela observada nas emendas propostas por cada parlamentar individualmente.

Gráfico 1. Número de Emendas por Tipo e Tema – escala natural

Gráfico 2. Número de Emendas por Tipo e Tema – escala logarítmica

Se observados os valores empenhados[2] na execução das emendas ao orçamento em cada ano, nota-se um crescimento de 363%, de cerca de R$7 bilhões em 2016 para aproximadamente R$33 bilhões em 2020. Os recursos destinados às áreas de Educação e C&T representam, em média, somente 6% e 1% da média do valor empenhado para todas as emendas nos últimos 5 anos, respectivamente.

Tabela 1. Valor empenhado em emendas parlamentares ao orçamento: 2016-2020

Ano

Valor total (R$)

Educação (R$)

C&T (R$)

Educação

C&T

2016

7.223.283.967,83

325.789.723,73

46.552.007,12

5%

1%

2017

10.704.235.747,00

387.194.424,56

177.817.545,46

4%

2%

2018

11.307.101.377,77

650.258.189,37

232.786.861,51

6%

2%

2019

12.973.770.235,32

1.323.165.160,14

105.873.231,01

10%

1%

2020

33.467.381.714,56

3.100.838.533,15

138.697.298,70

9%

0%

Média

11.307.101.377,77

650.258.189,37

138.697.298,70

6%

1%

A análise do número de emendas por partido, tanto na Câmara quanto no Senado, revela a importância do PT para os temas ora examinados. Deputados e senadores do partido apresentam grande volume de emendas nos dois temas, fato que não pode ser explicado, nas duas casas, e tampouco em todos os anos, exclusivamente pelo tamanho de suas bancadas.

Na Câmara, o número de emendas orçamentárias de parlamentares petistas cresceu sistematicamente de forma bastante expressiva a partir de 2018. O partido esteve na dianteira dos temas em todos os anos, seguido pelo PSDB, que perdeu a segunda posição em 2018 e 2020 para o MDB e para o PSB, respectivamente.

Em 2020, cabe observar que as três primeiras posições foram ocupadas por partidos à esquerda do campo político na Casa. O PSOL chama a atenção pela quantidade de emendas apresentadas frente ao tamanho de sua bancada. O gráfico abaixo demonstra o número de emendas apresentadas nessas áreas pelos oito partidos mais atuantes nos temas.

Gráfico 3. Emendas de Educação e C&T por Partido – Câmara dos Deputados

No Senado, a predominância das bancadas de esquerda é menos clara, a despeito de também nessa casa o PT ter tido posição de destaque até 2019. Enquanto os deputados federais apresentaram 30.395 emendas de 2016 a 2020, os senadores apresentaram 4.380. Ao longo desses cinco anos, a segunda posição de importância nos dois temas foi ocupada pelos seguintes partidos: PSB, Podemos e MDB.

Durante a gestão do presidente Bolsonaro, o MDB, que abriga a maior bancada da Casa, aumentou seus investimentos na área, ultrapassando o volume de emendas propostas pelo PT em 2020. Com a segunda bancada do Senado em 2020, o Podemos também cresceu em termos de volume de emendas no último ano, ocupando a segunda posição. Vale notar o desempenho negativo do DEM que, com bancada idêntica à do PT, apresentou ¼ das emendas dessa legenda para os temas Educação e C&T.

Gráfico 4. Emendas de Educação e C&T por Partido – Senado

As bancadas que apresentaram maior volume de emendas entre 2016 e 2020, por sua vez, foram as de Goiás e do Rio de Janeiro, com 9 emendas cada uma. No outro extremo, estão as bancadas de Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Sul, que levaram aos seus estados uma única emenda quando considerados os dois temas em conjunto. A explicação para o bom desempenho do Rio de Janeiro pode residir na ampla rede de instituições federais de ensino superior no estado, ao passo que causas prováveis para Goiás dependem de análise mais pormenorizada.

Gráfico 5. Emendas de Bancada de Educação e C&T – 2016-2020

4. Pontos de destaque

Este relatório apresentou um balanço inicial das emendas parlamentares para as áreas de Educação e C&T. A visão agregada revela padrões gerais que devem ser observados para o delineamento de novas análises. Um primeiro ponto a ser ressaltado é a concentração de parlamentares mobilizados nas referidas áreas temáticas em partidos de esquerda, notavelmente o PT e, a partir da atual legislatura na Câmara dos Deputados, PSOL e PSB. Esse cenário revela uma boa porta de entrada para a incidência parlamentar, mas ao mesmo tempo expõe o limite a ser enfrentado: é importante aumentar a interlocução com outros campos políticos, inclusive mapear quais parlamentares de outros partidos engajam-se ou têm potencial para se engajar no tema é caminho a ser explorado.

Um segundo ponto que deve ser desenvolvido é a sensibilidade de bancadas estaduais aos interesses do ensino superior. O bom desempenho do Rio de Janeiro sinaliza que redes de instituições federais podem ser melhor aproveitadas em outras unidades federativas. Novamente aqui, um olhar atento a bancadas e emendas pode ajudar na elaboração de estratégias de médio prazo.

[1] O número é maior que as 513 cadeiras porque deputados frequentemente assumem postos no executivo federal ou se elegem prefeitos durante seus mandatos, sendo assim substituídos no posto.

[2] O empenho do recurso significa que houve programação, por parte do governo, para realização daquele investimento. Optou-se, neste relatório, por usar os valores empenhados, em detrimento de valores liquidados e valores pagos, com o objetivo de comparar os recursos propostos por tipo de emenda e tema. Isso porque as regras vigentes para as emendas orçamentárias garantem a obrigatoriedade de sua execução, mas não definem prazo para que essa execução aconteça. A decisão fica a cargo do Planalto. Nesse sentido, a comparação entre valores liquidados e pagos, ainda que muito importante para análise, por exemplo, do uso das emendas como instrumento de manejo de coalizões, cumpre objetivo distinto do que se pretende neste estudo.

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Mulheres na Câmara: produção legislativa dos últimos anos e perspectivas para 2021

Postado por OLB em 08/mar/2021 - Sem Comentários

Debora Gershon, Joaquim Meira

1. Introdução

O ano de 2021 começa na Câmara sem qualquer expectativa de avanços expressivos em pautas femininas e feministas, apesar de haver, neste ano, mais mulheres do que jamais houve na Mesa Diretora, órgão importante na condução e organização dos trabalhos legislativos. Três das quatro secretarias eleitas em fevereiro são ocupadas por mulheres: Marília Arraes (PT) ocupa a segunda secretaria, Rose Modesto (PSDB) a terceira, e Rosângela Gomes (Republicanos) a quarta. No biênio 2019-2020, Soraya Santos (PL) foi a única mulher a integrar a Mesa, tendo assumido o papel de primeira secretária. De 1999 a 2020, apenas quatro mulheres foram eleitas para a Mesa Diretora, segundo estudos do próprio OLB, o que faz do feito de 2021 motivo de celebração. Entretanto, dificilmente isso reverterá o quadro de sub-representação das mulheres em cargos estratégicos, com impacto efetivo sobre a agenda legislativa.

A Câmara é majoritariamente masculina, do ponto de vista numérico e cultural, e sua agenda é formalmente definida pelo presidente, que partilha tal responsabilidade com as lideranças partidárias, em sua maioria homens. A presidência da Câmara em 2021 está nas mãos do deputado Arthur Lira (PP), tendo havido apenas uma única candidata feminina ao posto, Luiza Erundina (PSOL), sem qualquer viabilidade eleitoral. O novo presidente tem posicionamento conservador e já foi acusado de violência doméstica em 2006, embora tenha sido absolvido em processo cujo resultado é ainda hoje contestado pela suposta vítima.

Para a presidência das comissões, ao menos uma mulher, Bia Kicis (PSL), indicada pelo próprio Arthur Lira, deve presidir uma das mais importantes comissões da Casa – a de Constituição e Justiça (CCJ). Kicis é aliada do presidente Bolsonaro e de perfil extremamente conservador e polêmico. Muito provavelmente não contribuirá para o avanço de pautas que assegurem direitos de longa data reivindicados por movimentos sociais de mulheres e organizações da sociedade civil. Ao contrário, é possível que faça exatamente o inverso, especialmente no que se refere aos direitos sexuais e reprodutivos.

Para além da CCJC, é importante observar como a coalizão majoritária, que levou à vitória do candidato governista, Arthur Lira (PP), se comportará em temas sociais, de interesse específico das mulheres. Há indícios de que a polarização observada no início de 2019 em assuntos relativos a políticas de gênero e políticas para a mulher se reproduzirá, com partidos de centro-esquerda, de um lado, e partidos de direita e extrema direita do outro. Neste início de 2021, já foram apresentadas diversas proposições que tendem a reforçar essa polarização, a exemplo o PL 232/2021, da deputada Carla Zambeli (PSL), que retrocede na notificação de abuso sexual por parte das mulheres, exigindo emissão de boletim de ocorrência, ou da Indicação 23/2021, da deputada Chris Tornieto (PSL), que pretende excluir o termo “gênero” em resolução do Conselho Nacional de Educação, ou ainda do PL 211/2021, da mesma autora, que proíbe o uso de “linguagem neutra” na língua portuguesa. Por outro lado, há também projetos que visam a reduzir a desigualdade entre os sexos nas relações de trabalho, que reservam vagas de emprego ou estágio para mulheres transexuais, travestis e homens transexuais em empresas privadas e que instituem cotas para transgêneros nas eleições[1]. Embora a pauta econômica deva prevalecer sobre as demais diante da crise de grandes proporções provocada pela pandemia da Covid-19, um balanço de 2020 feito pelo CFEMEA[2] alerta para o fato de que, mesmo em ano marcado por ações emergenciais de combate à crise decorrente da propagação do coronavírus, foram inúmeras as tentativas do Executivo e do Legislativo de retrocesso no campo dos direitos sexuais e reprodutivos.

Para avançar nesses direitos, mas também em pautas transversais com impacto potencial significativo na desigualdade de gênero que assola o Brasil, é preciso que haja mais mulheres produzindo políticas públicas.

Estudo realizado em 2020 pelo Observatório do Legislativo Brasileiro mostra que, além de sub-representadas numericamente na Câmara, as mulheres ocupam um menor número de posições institucionais relevantes. Nunca presidiram a Casa, comandam pouquíssimas comissões, destacando-se as de competência e impacto mais restritos, e têm participação em posições de relatoria proporcional à sua bancada, sem qualquer sinal, portanto, de correção da sub-representação geral. Além disso, elas têm carreira legislativa mais curta do que a dos homens. Esse quadro, vale dizer, não se justifica apenas pelas barreiras enfrentadas no momento eleitoral, nem tampouco condizem com seu desempenho individual uma vez eleitas. Mulheres parlamentares têm produção legislativa per-capita semelhante à dos homens (e inclusive um pouco superior), investem mais na sua própria formação para o cargo e, por razões que ainda não exploramos, têm chances maiores de aprovação dos seus projetos.

O presente Boletim, produzido no início de 2021, tem por objetivo dar prosseguimento a esse debate, de modo a lançar luz sobre o importante papel que as mulheres exercem no processo legislativo, a despeito dos obstáculos existentes. Para isso, comparamos a produção legislativa de homens e mulheres na Câmara dos Deputados de 1989 a 2020, com foco em dados relativos a propostas legislativas, emendas, requerimentos de informação e audiências públicas. Comparamos as diferentes legislaturas e governos, mas com especial atenção à legislatura atual.

2. Produção legislativa por Gênero na Câmara

2.1 Mulheres aumentam sua efetividade na Câmara e têm produção legislativa média maior do que a dos homens

A atual legislatura da Câmara tem a maior proporção de mulheres eleitas da história da Câmara (15%), embora tal percentual esteja ainda muito abaixo do observado em outros países, inclusive na América Latina. Reunimos, neste boletim, alguns dados para verificar se esse grupo historicamente pequeno de parlamentares possui atuação legislativa diferente da dos homens.

No que se refere às proposições legislativas, observa-se um aumento na efetividade da atuação das parlamentares mulheres: o aumento no número de deputadas foi acompanhado de um aumento ligeiramente maior no número de proposições apresentadas. Na 48ª legislatura (1987-1991), a primeira desde a redemocratização, as mulheres eram apenas 5% da Câmara e apresentavam 4% das proposições, hoje elas são 15% e suas proposições chegam a mais de 16% do total. O gráfico abaixo demonstra a proporção de proposições legislativas apresentadas por homens e por mulheres na Câmara, comparada à proporção de mulheres deputadas.

Gráfico 1. Proposições apresentadas por sexo do/a Deputado/a

Quando analisada a média de proposições apresentadas por cada deputada e deputado na Câmara, anualmente, desde a redemocratização, nota-se que a média feminina ultrapassa a masculina em diversos anos da série e que, quando isso não acontece, as mulheres mantêm-se com produção média bastante semelhante à dos homens. Na atual legislatura, contudo, há um descolamento expressivo, digno de atenção, das duas curvas expostas no gráfico abaixo. Em 2019, cada deputada apresentou em média 15 proposições contra 10 de iniciativa dos deputados. Embora essa diferença tenha caído marginalmente em 2020 (média de 12 projetos de mulheres contra 9 de homens), as mulheres permanecem com uma produção média maior do que a dos homens.

Gráfico 2. Proposições apresentadas por sexo do/a Deputado/a, 1989-2020

Se observado o tipo de proposição iniciada por mulheres, nota-se, além disso, atenção especial às Propostas de Emenda à Constituição (PECs), que tratam de temas mais estruturais, exigindo, inclusive, quórum qualificado para aprovação.

Gráfico 3. Proporção de proposições apresentadas por sexo do/a Deputado/a, 2019-2020

2.2 Direitos humanos, educação e saúde: propostas com maior participação feminina na autoria

Consideramos nesta seção os temas das proposições apresentadas por homens e mulheres, de acordo com a classificação disponibilizada pelo Sistema de Documentação da Câmara. A análise da produção legislativa por tema revela o tamanho da participação das mulheres em assuntos específicos. Os temas Direitos Humanos e Minorias (25%), Educação e Saúde (20%) são os de maior participação proporcional feminina. No outro extremo, temas como Meio Ambiente, Agricultura e Pecuária, e Esporte e Lazer têm maior participação masculina: mulheres apresentaram apenas 7,5%, 8% e 9% das proposições nestes temas, respectivamente.

Gráfico 4. Temas de proposições apresentadas por sexo do/a Deputado/a

Se considerados os grupos de mulheres e homens, em separado, nota-se, contudo, que Economia é tema de grande interesse e produção da bancada de ambos. É o terceiro tema, em termos de importância, entre as mulheres e o segundo entre os homens.

Gráfico 5. Temas de proposições apresentadas por sexo do/a Deputado/a

2.3 Emendas de plenário e requerimentos de informação: mulheres superam os homens a despeito de sua sub-representação

O esforço de produção legislativa não se resume à autoria de propostas e projetos. A apresentação de emendas é também atividade de suma importância no processo legislativo. As emendas podem adicionar questões marginais às propostas em análise ou mudá-las radicalmente. A apresentação de emendas requer análise pormenorizada do teor do projeto e, ao mesmo tempo, reflete o grau de profissionalização das assessorias parlamentares. Muitas vezes as emendas são mais importantes do que a proposição original no desfecho do projeto de lei. Por isso, são um importante indicador da atividade parlamentar.

Apesar de numericamente sub-representadas na Câmara, as mulheres dedicam-se à atividade de emendamento tanto quanto os homens, superando-os nas legislaturas coincidentes com o mandato de Bolsonaro e, especialmente, com os de Lula, sem que ainda tenhamos explorado as razões para tanto.

Gráfico 6. Emendas de plenário por sexo do/a Deputado/a, 1998-2020

Se observados os requerimentos de informação, as mulheres também assumem a liderança na Casa em praticamente todas as legislaturas, à exceção de curtos períodos nos governos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), Lula II e Dilma II. Os requerimentos de informação constituem importante instrumento à disposição do Congresso para cobrar transparência do Executivo. De um ponto de vista político, a apresentação desses requerimentos pode revelar a dificuldade dos gabinetes em acumular informação de forma independente do governo, mas também pode cumprir tão somente a função de tornar clara/exposta sua preferência para orientação da coalizão.

Gráfico 7. Requerimentos de informação por sexo do/a Deputado/a, 1989-2020

3. Participação da sociedade civil na Câmara é fortemente relacionada à atuação das mulheres

Outro tipo de requerimento com impacto relevante na produção de políticas públicas é o requerimento de audiência pública, feito para convidar organizações, movimentos sociais e instituições externas ao Congresso para o debate de determinados temas. Sem as audiências, a participação formal da sociedade civil no processo legislativo fica comprometida. Da redemocratização até o momento, a média anual de requerimentos de audiência apresentados por mulheres foi sistematicamente maior do que a apresentada pelos homens, com poucas exceções. Houve crescimento geral dos pedidos de audiência pública a partir de meados do governo Dilma I e durante os governos Temer e Bolsonaro, mas as mulheres mantiveram ao longo do período uma proporção de requerimentos em relação aos seus pares homens de aproximadamente 2 para 1, como mostra o gráfico abaixo.

Gráfico 8. Requerimentos de Audiência Pública apresentados por sexo do/a Deputado/a, 2000-2020

4. Fiscalização da máquina pública: mulheres têm posição de destaque

Por fim, analisamos também a participação de mulheres e homens em requerimentos para a instalação de Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI). Segundo sua definição constitucional, a CPI tem como função investigar fatos que sejam muito importantes “para a vida pública e para a ordem constitucional, legal, econômica ou social do País”. Por meio da CPI o Legislativo se investe de poderes para investigar as ações tanto de agentes dos outros poderes quanto de agentes e instituições da sociedade.

A proposição de uma CPI pode ser feita por qualquer parlamentar, mas sua aprovação depende da votação favorável de ⅓ da Câmara. Ao longo dos últimos 30 anos, as mulheres, na média, assinaram mais requerimentos de CPI do que os homens, embora haja certa convergência a respeito dos momentos oportunos para apresentação desse tipo de requerimento, conforme figura abaixo. As exceções ficam por conta do governo Temer e Bolsonaro, em que as curvas do gráfico abaixo se descolam. Ou seja, há decréscimo da média de pedidos de CPI de iniciativa dos homens contra um aumento dessa média quando observadas as mulheres.

Gráfico 9. Requerimentos de Instituição de CPI por sexo do/a Deputado/a, 1989-2020

5. Considerações finais

Embora sub-representadas no Congresso, numericamente e em cargos de liderança, as mulheres exercem atividade legislativa significativa e muitas vezes com desempenho superior ao dos homens. Do ponto de vista da proposição de novos projetos de lei e emendamento, por exemplo, a média é bastante similar entre os dois sexos, com uma participação expressiva de mulheres em temas de grande impacto social, como Direitos Humanos, Educação e Saúde. Quando avaliamos outros indicadores de atividade parlamentar – requerimentos de CPI, informação e audiências públicas –, a performance das mulheres é, em geral, melhor que a dos homens. Sua atuação fortalece o papel de fiscalização do poder legislativo e contribui sobremaneira para a consolidação da participação da sociedade civil no processo de elaboração de políticas públicas.

Tal desempenho legislativo é fator mais do que suficiente e relevante para fortalecer argumentos e movimentos que eliminem entraves dos processos eleitoral e legislativo com o fito de aumentar a representação feminina no parlamento. Uma Câmara com uma bancada feminina maior e com mais mulheres em cargos estratégicos será certamente uma Câmara mais diversa, mais representativa e com grande efetividade no trabalho parlamentar. O ano de 2021 traz alguns avanços na composição da Mesa e tende a reproduzir o bom desempenho feminino na casa, mas sem grandes mudanças no patamar da desigualdade de gênero da instituição.

[1] CFEMEA, Radar Feminista no Congresso Nacional, 01 a 05 de fevereiro de 2021.

[2] CFEMEA, Mulheres e Resistência no Congresso Nacional 2020.

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