Arquivo da Categoria "Sem categoria"

Governo e Congresso na contramão do meio ambiente: a derradeira agenda de 2022

Postado por OLB em 08/mar/2022 - Sem Comentários

Debora Gershon

A agenda ambiental do governo Bolsonaro é clara desde a campanha eleitoral de 2018. Em pleno ano de 2022, contudo, ela ainda é capaz de causar espanto e indignação, tamanho o nível de destruição a que se propõe. Sem pauta positiva sobre o tema, o governo e, mais recentemente, o Congresso têm desempenhado papel ativo na flexibilização do arcabouço jurídico e institucional construído a duras penas a partir da Constituição de 88, responsável por alçar o Brasil à condição de país com assento nas principais mesas de negociações internacionais acerca de desafios ambientais atuais e futuros.

Desde 2019, Bolsonaro segue à risca suas promessas de campanha para “destravar” o “desenvolvimento” por meio da eliminação de restrições de cunho ambiental e do avanço sobre terras indígenas (TIs). Propôs, embora sem êxito, a extinção do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Se empenhou na tentativa da transferência de competências do MMA para o Ministério da Agricultura (MAPA). Reduziu o orçamento e a autonomia de órgãos de fiscalização e monitoramento, a exemplo do IBAMA, do ICMBio e do INPE. Burocratizou e flexibilizou normas para aplicação de infrações ambientais. Abriu mão de o país sediar a Conferência das Partes da Convenção do Clima das Nações Unidas – Cop25. Retirou a sociedade civil organizada da composição de conselhos ambientais. Permitiu a elevação a níveis alarmantes do desmatamento, especialmente na região amazônica, perdendo acesso, inclusive, a fundos internacionais. Estimulou, por ação e omissão, o “dia do fogo”, marcado pela queima de diversas áreas de floresta na região norte do Brasil, orquestrada por fazendeiros e grileiros. Não demarcou uma terra indígena (TI) sequer (o primeiro presidente pós-redemocratização a contrariar esse compromisso constitucional) e incentivou o garimpo em terras já demarcadas e em processo de demarcação. Tentou extrair petróleo nos arredores de Abrolhos e Fernando de Noronha, áreas de proteção ambiental. Determinou o fim da proteção às cavernas no Brasil. A implementação dessa extensa agenda ambiental negativa se deu, majoritariamente, por meio do manejo de cargos, de orçamentos e de mudanças infralegais, já que o presidente não demonstrou capacidade para coordenar os esforços do Congresso nessa mesma direção, a despeito do apoio expressivo dos parlamentares da Câmara e do Senado a outras pautas governamentais.

Três eventos, contudo, fizeram a pauta (anti)ambiental do presidente ganhar fôlego legislativo: a saída desonrosa de Ricardo Salles do MMA, acusado de crime ambiental em meados de 2021 e autor da famosa metáfora do “passar a boiada” –, a eleição do deputado Arthur Lira (PP), aliado de Bolsonaro, à presidência da Câmara, em janeiro do mesmo ano, e a proximidade das eleições. A mudança de comando da Câmara, o fortalecimento dos laços com o Centrão ao longo de 2021 e a expectativa de manter o apoio de determinados setores econômicos em outubro de 2022 parecem ter contribuído para encorajar o presidente a transformar sua narrativa e prática infralegal em questões relativas ao meio ambiente em agenda legislativa pública.

A portaria 667/2022, que apresenta a agenda legislativa prioritária do governo federal para 2022, cumpre exatamente essa função, num esforço de coordenação da base do governo no Congresso, mas também de sinalização eleitoreira, particularmente ao agronegócio e à Frente Parlamentar Agropecuária (FPA). Das 45 proposições legislativas priorizadas, seis projetos de lei (PLs) impactam profundamente o marco regulatório ambiental brasileiro e o sistema de proteção de populações tradicionais. São eles os PLs 2633/2020 e 510/2021, ambos tratando de regularização fundiária; o PL 3729/2004, que trata de licenciamento ambiental; os PLs 490/2007 e 191/2020, que tratam de demarcação e exploração econômica de TIs e o PL 2629/2020, que flexibiliza o uso de agrotóxicos no país. É um indício de que “a boiada” pode continuar passando, mas agora a olhos vistos e com ampla divulgação, já que isso (re)aproxima o presidente de segmentos que o apoiaram fortemente nas eleições de 2018.

Os dois PLs sobre regularização fundiária favorecem a grilagem por uma série de razões. O PL 2633/2020, por exemplo, permite a regularização de terras públicas invadidas, considerando a inscrição autodeclaratória no Cadastro Ambiental Rural (CAR) como prova suficiente de regularidade ambiental. Além disso, desobriga imóveis de determinado tamanho a aderirem ao Programa de Regularização Ambiental (PRA) ou a adotarem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), quando houver embargo ou for constatada alguma infração ambiental. Já o PL 510/2020 prevê anistia a invasores e desmatadores ilegais até dezembro de 2014, flexibiliza vistorias de latifúndios, com risco de titulação de áreas em conflito, e permite titular área desmatada ilegalmente sem assinatura prévia de regularização de passivo ambiental. Os dois PLs, embora hoje tramitem em conjunto, foram iniciados em casas legislativas diferentes. O PL 2633/2020 foi iniciado e aprovado na Câmara, tendo seguido para o Senado, onde foi anexado, para tramitação conjunta, ao PL 510/2021, que é de iniciativa dos próprios senadores e conta hoje com 132 propostas de emendas apresentadas na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA), na Comissão de Meio Ambiente (CMA) e no plenário. A CRA e a CMA já emitiram parecer conjunto favorável ao PL 510/2021 sob a alegação de que ele aprimora o ordenamento jurídico nacional. O PL 2633/2020 foi considerado prejudicado por similaridade ao PL 510/2021 e não por inoportunidade da proposição. O fato, portanto, de ser essa uma pauta comum à Câmara e ao Senado aumenta suas chances de aprovação.

O PL 3729/2004, por sua vez, altera radicalmente as regras para licenciamento ambiental. Generaliza o licenciamento autodeclaratório, cria a licença por adesão e compromisso (LAC), estabelece uma lista de atividades isentas de licenciamento (incluindo aí as atividades agropecuárias), confere maior autonomia aos estados na definição de empreendimentos sujeitos a licenciamento, limita o poder de decisão de órgãos gestores de unidades de conservação e exclui a necessidade de elaboração de estudos de impacto ambiental para empreendimentos adjacentes a TIs e quilombolas não homologados e titulados, dentre outras medidas. O resultado do projeto tende a ser a redução do sistema integral de licenciamento ambiental hoje praticado a uma exigência de exceção. O PL data de 2004, com sentido completamente diferente do texto hoje proposto, mas não foi adiante em nenhum dos governos desde então. Foi aprovado, na Câmara, em maio de 2021, sob a coordenação de Arthur Lira (PP). Aguarda aprovação no Senado sob o número 2159/2021, já tendo recebido 79 emendas e cerca de 15 manifestações formais de organizações não governamentais e associações com indicações de questões sensíveis e retrocessos. Será relatado pela senadora Kátia Abreu (MDB).

Já os PLs 490/2007 e 191/2021 afetam direta e negativamente as populações indígenas por assumirem a premissa racista, etnocêntrica e integracionista de que a demarcação e a proteção de suas terras são um entrave para o desenvolvimento nacional. O PL 490/2007, de iniciativa da Câmara e que tramita com mais 13 PLs a ele apensados, altera as regras para demarcação, consolidando a tese do marco temporal, segundo a qual a propriedade da terra pode ser garantida às populações indígenas apenas se comprovada uma ocupação de caráter permanente já quando da promulgação da Constituição de 1988. Além disso, o PL permite a exploração econômica dessas terras pelos próprios indígenas, mas também por parceiros não indígenas. Com isso, viabiliza o seu uso para construção de empreendimentos hidrelétricos e facilita a legalização da garimpagem, hoje ilegal. Os garimpos também são objeto do PL 191/2020, de iniciativa do Executivo, que busca regulamentar a atividade extrativa mineral e o desenvolvimento de pesquisas correlatas em TIs. Os dois PLs ainda não foram votados no plenário da Câmara. A expectativa de rejeição do PL 490/2007, no entanto, repousa mais sobre o Supremo Tribunal Federal (STF) do que sobre o Congresso – o Supremo avalia a constitucionalidade da tese do marco temporal, a despeito da aprovação do projeto por duas das três comissões pelas quais tramitou na Câmara. Quanto ao PL 191/2020, embora haja sinalização de inconstitucionalidade pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e alerta da própria base aliada do governo de que a matéria exigiria mudança constitucional, há diversas manifestações favoráveis a seu conteúdo. O assunto, no entanto, permanece em disputa. Um levantamento do OLB, de julho de 2021, evidenciou que, desde o início de 2019, 146 proposições legislativas com menção a povos tradicionais foram movimentadas na Câmara. Partidos de centro-direita assinaram 43% dessas iniciativas. Ou seja, a pauta não foi exclusividade da esquerda ao longo da atual legislatura. Com a centro-direita mobilizada, há riscos de flexibilização de direitos e conquistas sob a égide do discurso econômico liberal.

Por fim, a tentativa de fazer avançar o PL 6299/2002 é um aceno generoso ao agronegócio por parte do governo e dos parlamentares. Apelidado de PL do veneno, o projeto é uma iniciativa do Senado, já aprovada na Casa. Na Câmara, que funcionou, nesse caso, como casa revisora, o projeto também foi aprovado, em regime de urgência, por ampla maioria agora no início de 2022, mas voltará ao Senado em função das emendas recebidas. Em linhas gerais, o PL 6299/2002 estabelece que o MAPA será o único órgão responsável por registrar agrotóxicos no Brasil, exclui a vedação legal vigente de registro de agrotóxicos comprovadamente nocivos à saúde, submete o registro dos “pesticidas” (e não mais agrotóxicos, pois tal nome carrega conotação pejorativa) à análise de fatores políticos e econômicos que possam justificá-lo e fixa prazo para obtenção do registro, permitindo, inclusive, a obtenção de um registro temporário. A pauta é cara à reeleição do presidente Bolsonaro, mas não só. Outro levantamento do OLB, de agosto de 2020, que se propôs a desenhar preliminarmente o mapa do agronegócio no Congresso, revelou a força desse segmento nas duas casas legislativas. Cerca de 50% dos deputados e senadores da atual legislatura compõem a FPA, que controla as comissões sobre os temas na Câmara e tem posições importantes em comissões correlatas no Senado. Além disso, no Senado, que será mais uma vez palco do debate sobre o assunto, 1 em 4 senadores eleitos em 2018 é proprietário rural.

Dado o favoritismo de Lula nas pesquisas eleitorais, o ímpeto legislativo do presidente para tratar desses PLs tende a crescer, por ser uma de suas estratégias à reeleição. Com isso, ele acena, de um lado, para os produtores de commodities agrícolas e minerais e fortalece, de outro, os laços já existentes com o seu eleitorado mais conservador. Para além dos votos, Bolsonaro vai buscar nesses setores apoio financeiro à sua campanha. Os parlamentares, em sua maioria, ao que tudo indica, também não devem oferecer resistência a essa pauta de devastação se o custo que lhes for imposto para aprová-la não impactar negativamente as suas chances de reeleição. A Câmara, no entanto, mais afetada por esse cálculo (dentre outras razões porque pode renovar, em outubro de 2022, 100% das suas cadeiras) já tratou de emitir posicionamento sobre a maior parte dos projetos citados. As luzes este ano, portanto, estarão voltadas para o Senado, mais refratário aos apelos do governo na atual legislatura, mas que tem número mais reduzido de cadeiras, o que, por si só, pode reduzir os custos gerais da negociação.

O primeiro semestre de 2022, desse modo, pode deixar em escombros o nosso ordenamento jurídico ambiental. Se assim for, deve ficar marcado como o período de maior retrocesso nessa agenda nas últimas três décadas. Para reversão desse quadro, as alternativas parecem limitadas: a opção por uma agenda mais concisa por parte do próprio Congresso, a decisão pela obstrução do processo legislativo por boa parte da oposição (alternativa tornada mais difícil pelas mudanças regimentais conduzidas pelo deputado Arthur Lira), e a pressão constante da sociedade civil nacional e internacional. Essas três alternativas, em tempos de coalizão governamental ampla e bem coordenada, seriam usualmente insuficientes para mudança do quadro que se avizinha. Não é esse, todavia, o tipo de arranjo político que marca a relação do Congresso com o governo, a despeito dos recursos que o governo pode mobilizar nessa direção. Além disso, em ano marcado por eleições nacionais, o apoio do Congresso ao governo tende a ser maior ou menor na dependência da expectativa de desempenho eleitoral do próprio presidente. Nesse contexto, uma estratégia combinada das alternativas supracitadas pode, eventualmente, bagunçar mais o cenário e transferir para 2023 o ônus da retomada de ao menos parte da discussão.

Compartilhe:

Mapa do Agronegócio no Congresso

Postado por OLB em 13/ago/2020 -

por Debora Gershon, Fernando Meireles, Leonardo M. Barbosa

Apresentação

Desde o início da gestão do presidente Bolsonaro, os temas “Meio Ambiente” e “Amazônia” têm ocupado grande espaço nos debates políticos e nas mídias nacional e internacional, não apenas porque ações assertivas de preservação ambiental são cada vez mais urgentes mundo afora, mas também porque o governo brasileiro tem sistematicamente emitido sinais contrários às agendas ambiental e climática. Em favor de uma suposta maximização dos ganhos do agronegócio brasileiro, o governo desconsidera que a questão ambiental é hoje fator determinante para a própria estabilidade e crescimento do setor.

Em agosto de 2019, as queimadas na Amazônia levaram o Brasil ao centro do debate internacional. Em junho de 2020, houve novo crescimento das queimadas – 20% a mais com relação ao mesmo mês do ano anterior. Internamente, contudo, a questão ambiental tem estado na pauta desde o início do governo de Jair Bolsonaro. Especialistas, ativistas e organizações não governamentais, logo no início do mandato, enfrentaram tentativas de extinção do Ministério do Meio Ambiente, cortes orçamentários no ICMBio e no IBAMA, redução de unidades de conservação ambiental, bloqueio de verbas destinadas a políticas de combate a mudanças climáticas, dentre outras ações do gênero. Em janeiro de 2020, Bolsonaro reativou o Conselho da Amazônia e transferiu sua gestão do Ministério do Meio Ambiente para a Vice-Presidência, sem muitos resultados concretos do órgão, a não ser a proibição das queimadas no bioma amazônico por 120 dias a partir de meados de julho. Recentemente, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, considerou a pandemia de Covid-19 uma oportunidade para avanço do projeto de desregulamentação e simplificação de regras infralegais da área.

Os problemas dessa agenda, entretanto, não se resumem às decisões do Executivo. O setor ruralista tem representação historicamente forte no legislativo brasileiro e avessa à legislação ambiental. Ao mesmo tempo, há poucas informações sistematizadas sobre o Congresso que permitam identificar o interesse individual, a agenda e o posicionamento de cada parlamentar sobre o assunto. Com o objetivo de contribuir para diminuir essa lacuna, o Observatório do Legislativo Brasileiro fez um mapeamento inicial do agronegócio na Câmara dos Deputados e no Senado Federal. Este boletim prioriza os seguintes aspectos: a) patrimônio e ocupação; b) participação de proprietários rurais em comissões e frentes; c) produção legislativa e ativismo parlamentar sobre o tema.

1. Proprietários rurais concentrados no Senado e em partidos de centro-direita

Identificar parlamentares vinculados direta ou indiretamente ao agronegócio não é tarefa simples, e detectar a propriedade de terras por deputados e senadores cumpre um primeiro papel essencial nessa direção. Para isso optamos por três caminhos: a) identificar o exercício de atividades relacionadas ao agronegócio por meio das autodeclarações de ocupação realizadas no momento do registro das candidaturas junto ao TSE; b) identificar a existência e o tamanho de propriedades rurais em nome dos parlamentares nas declarações patrimoniais constantes do mesmo órgão; e c) identificar propriedades rurais em nome de parlamentares na base fornecida pelo Incra. Nos três casos, há problemas. Nas autodeclarações de ocupação, é muito comum que deputados e senadores se autoidentifiquem como políticos em exercício do cargo x ou y, sem que haja referência a sua atividade pregressa à vida política. Já nas declarações patrimoniais, extraídas das estatísticas dos pleitos de 2014 e 2018, há imprecisões e lacunas que subestimam a magnitude do vínculo com o setor e a intensidade da defesa de seus interesses. Na base da Incra, os proprietários são identificados por nome e não CPFs, o que torna mais difícil a tarefa de excluir homônimos. Ainda assim, os dados revelam informações instigantes.

Somente 7 dos 513 deputados federais se autodeclararam no exercício de atividades relacionadas à agropecuária. No Senado, esse número é de apenas 1. No que se refere às propriedades no campo, no entanto, de 10% a 16% dos deputados têm propriedades rurais declararam, quando observados os dados do TSE e do Incra, respectivamente. Segundo levantamento feito pelo Ruralômetro[1] em 2014, esse percentual era de 55% no início da última legislatura, não estando claro se o cenário atual retrata queda significativa da representação desse perfil ou se há aumento importante na subnotificação. No Senado, para o qual não há dados comparativos na ferramenta do Ruralômetro, esse percentual é hoje de 25%, ou seja, 1 a cada 4 senadores possui bens rurais. Se incluídos os dados do Incra, essa proporção sobe para 35%.

Além disso, o Senado supera a Câmara no que se refere ao valor das propriedades listadas. O valor médio no Senado é R$ 1.98 milhões, enquanto na Câmara é quase 3,5 vezes menor, R$ 0.57 milhões. Nas duas casas, boa parte dos proprietários possui mais de uma propriedade rural.

Tabela 1. Congressistas por posse de propriedade rural

Fontes Posse?

Câmara

Senado

Proprietários Câmara (%)

Proprietários Senado (%)

TSE Sim

57

21

11%

26%

Não

434

58

85%

72%

Sem inf

22

2

4%

2%

TSE + Incra Sim

83

28

16%

35%

Não

408

51

80%

63%

Sem inf

22

2

4%

2%

No que se refere à distribuição partidária, utilizados os dados do TSE, obtidos por CPF do parlamentar, cinco partidos de centro e centro-direita reúnem sozinhos 60% dos proprietários rurais do Congresso – MDB, PSD, PP, PL e DEM. Quando observado o percentual de proprietários por partido, observamos novamente a prevalência desses partidos. No MDB e no DEM, inclusive, o percentual de proprietários supera 20% de suas bancadas no Congresso.

Figura 1.

2. A bancada ruralista nas comissões: Senado novamente se destaca

A propriedade de bens rurais não implica necessariamente defesa formal de interesses do agronegócio e a defesa de tais interesses não é monopólio dos congressistas que possuem propriedades rurais. Uma primeira forma de avaliar a atuação política dos parlamentares sobre o tema é identificar quais comissões e frentes impactam o setor, nas duas casas legislativas, em virtude dos temas de que tratam; se congressistas com propriedades rurais ocupam predominantemente esses espaços; e qual o perfil dos deputados não proprietários que coabitam esses órgãos/associações.

Na Câmara dos Deputados, observamos a composição das comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural (CAPADR) e de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS). Nelas, não há sobrerrepresentação dos proprietários rurais, apenas 6 de 69 parlamentares do total dessas comissões são proprietários (8,6%), em contraste com os parlamentares proprietários na casa, cerca de 11% (TSE). Já no Senado, o papel dos proprietários rurais é bastante relevante nas duas comissões mais importantes para o setor – a Comissão do Meio Ambiente (CMA) e a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária (CRA). Quase 50% dos senadores proprietários ruralistas ocupam cadeiras nesses órgãos, o que é indício de que a posse de propriedade rural entre senadores pode estar relacionada com atuação mais propositiva e influência maior dos ruralistas na legislação sobre o setor e assuntos correlatos.

Tabela 2. Membros de comissões de interesse específico (IE) do agronegócio por posse de terra

Proprietários rurais

Câmara

Senado

(IE)

Outras

(IE)

Outras

Sim

6

51

10

11

Não

59

375

21

37

Sem inf

4

18

0

2

3. O tamanho e a importância da FPA na produção de informação e tomada de decisão

Tão importantes, nesse caso, quanto as próprias comissões são as frentes parlamentares constituídas para tratar do tema. As frentes não têm papel estruturalmente definido na avaliação das proposições, mas cumprem ao menos duas tarefas interdependentes de suma importância: garantem visibilidade ao tema que lhes dá origem e ajudam a organizar em coalizões os apoiadores das posições defendidas.

No primeiro ano da atual legislatura, o número de frentes criadas (mais de 300) foi 4 vezes maior que a média das frentes instituídas no primeiro ano das legislaturas coincidentes com Lula I, Lula II, Dilma I e Dilma II. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), no entanto, que aqui nos interessa, não é nova. Data da Constituinte (entre 1987 e 1988) a criação desse grupo de parlamentares dedicado à defesa dos interesses do setor, que, desde então, tornou-se uma das principais frentes temáticas no Congresso. É a maior frente parlamentar mista atualmente existente, reunindo quase 50% dos membros de cada casa – 246 deputados e 39 senadores. O tamanho é suficiente para fazer avançar proposições de interesse e barrar iniciativas contrárias ao setor.

Figura 2.

Como membros da FPA, destacam-se partidos como PP e MDB, que, conforme dito anteriormente, abrigam boa parte dos proprietários rurais. PSL e Novo, no entanto, que reúnem poucos proprietários rurais, também se destacam na composição da frente. A força da FPA parece advir, portanto, em boa medida, de sua grande capacidade de atrair parlamentares não proprietários, ao menos se considerado exclusivamente o perfil de seu patrimônio declarado, conforme gráfico a seguir.

Figura 3.

Outro dado relevante é a presença de membros da FPA nas comissões que impactam o setor, aquelas relacionadas à agropecuária e meio ambiente anteriormente citadas. Na Câmara, onde cada parlamentar pode integrar no máximo até duas comissões permanentes, a sobrerrepresentação de membros da FPA nos órgãos que legislam sobre agronegócio é evidente. Dos deputados que ocupam vagas nas duas comissões, 43 pertencem à frente e 26 não. Dito de outro modo, 62% dos membros das comissões pertencem à FPA. No Senado, há equiparação na proporção de vagas ocupadas por membros e não membros da FPA nas duas comissões correlatas, mas 40% dos membros da FPA ocupam cadeira em uma delas. Ou seja, a despeito do fato de que as regras de funcionamento do Senado facultam aos senadores integrar até seis comissões permanentes simultaneamente, o que reduz a necessidade de priorização de um único tema sobre o qual atuar, senadores da FPA mantêm forte atuação nas duas comissões.

Tabela 3. Membros de comissões de interesse específico (IE) do agronegócio por pertencimento à FPA

FPA

Câmara

Senado

Específicas

Outras

Específicas

Outras

Sim

26

241

16

26

Não

43

203

15

24

4. O impacto da FPA na produção legislativa em temas afeitos ao agronegócio

Para investigar o impacto da atuação de grupos potencialmente ligados ao agronegócio na produção legislativa, analisamos, inicialmente, a autoria de proposições apresentadas nas áreas de agropecuária e meio ambiente, nas duas casas legislativas, considerados os seus tipos mais relevantes – Projetos de Lei, Proposta de Emenda Constitucional e Projetos de Lei Complementar. Dado que há lacunas nas informações sobre ocupação profissional e propriedades rurais, optamos pela identificação da incidência dos parlamentares da FPA, comparativamente aos demais, na autoria de propostas sobre os temas, não importando, para esta fase da pesquisa, se as propostas foram ou não transformadas em norma jurídica. O resultado é revelador.

Na Câmara, 48% das proposições relativas à agropecuária e ao meio ambiente são de autoria de membros da FPA – proporção idêntica ao percentual de deputados que participam da Frente. No Senado, no entanto, o impacto da Frente na definição de propostas sobre os temas é muito mais expressivo. 70% das propostas nas duas áreas foi apresentada por senadores da FPA, o que significa potencial impacto da frente na agenda ambiental indicativa que circula no Casa.

Figura 4.

5. Índice de ativismo de tribuna

Por fim, buscamos analisar o esforço empreendido pelos congressistas para formação de opinião e construção de consensos nos temas Meio Ambiente e Uso do Solo. A tribuna é, nesse sentido, elemento fundamental, motivo pelo qual o OLB criou um índice novo, chamado Índice de Ativismo na Tribuna (IAT). O indicador varia entre 0 (nenhum ativismo na tribuna sobre o tema) e 10 (máximo de ativismo na tribuna sobre o tema). Sua metodologia baseia-se na análise de discursos parlamentares, procurando neles palavras-chave relativos ao tema[2]. É importante frisar, entretanto, que a análise de engajamento não tem qualquer valor de valência. O que o índice revela não é a posição de determinado parlamentar, se favorável ou contrária à agenda em questão, mas o quanto ele se engaja no tema a despeito de seu posicionamento.

Na Câmara, 207 parlamentares (40%) tiveram alguma pontuação no índice, a maior parte deles (66%) com menos de 5 pontos, o que denota um engajamento baixo do conjunto da casa. Apesar disso, 23 parlamentares obtiveram nota acima de 7 (de médio a alto engajamento), destacando-se a presença significativa, nesse conjunto, de membros da FPA (13), mas também de filiados a partidos de esquerda (principalmente do PT), com posição provavelmente contrária à do primeiro grupo. É importante notar, ainda, que poucos deputados com nota acima de 7 fazem parte das duas principais comissões que discutem o tema. Ou seja, lideranças mais engajadas na tribuna não tomam decisões no âmbito das comissões.

Figura 5. Deputados e deputadas com IAT acima de 7 por pertencimento à FPA e a comissões de interesse do agronegócio

No Senado, 20% dos parlamentares têm nota acima de 7. Há maior presença de parlamentares com propriedade de terra nesse conjunto e participação mais ativa desse senadores e senadores nas comissões que discutem Meio Ambiente e Agropecuária.

Figura 6. Senadores e senadoras com IAT acima de 7 por pertencimento à FPA e a comissões de interesse do agronegócio

Nas duas casas, há clara predominância de parlamentares bem posicionados no IAT oriundos de estados com forte relação com o tema da agricultura ou pertencentes à Amazônia legal.

Figura 7. Congressistas com IAT acima de 7 por estado de origem

Conclusão

Mensurar o quanto os interesses do agronegócio brasileiro estão representados no Congresso e refletidos na sua agenda requer análise conjugada de uma série de variáveis relativas ao perfil político-partidário do parlamentar e às suas atividades legislativas. Neste estudo do tema na atual legislatura, o OLB fez um primeiro mapeamento de algumas dessas variáveis. A despeito dos limites observados nos dados consultados, há alguns achados importantes. A pequena parcela de deputados e senadores que declaram possuir propriedades rurais concentra filiados a partidos de centro-direita. O Senado é a instituição que tem maior proporção dos proprietários, ¼ da casa, garantindo sobrerrepresentação dos mesmos em comissões permanentes dedicadas a temas relativos à agropecuária e ao meio ambiente.

São os dados de composição e atuação da FPA, contudo, que mais revelam o possível impacto do agronegócio no Congresso. Cerca de 50% dos deputados e senadores da atual legislatura compõem a Frente, que controla as comissões sobre o tema na Câmara e tem participação importante em comissões correlatas no Senado. Os membros da FPA também possuem índice de ativismo de tribuna mais elevado nos temas Meio Ambiente e Uso do Solo comparativamente aos demais congressistas. Os mais engajados no levantamento desses temas em seus discursos são parlamentares oriundos de estados em que agropecuária tem peso relevante.

Outros dados serão agregados a este primeiro mapeamento sobre o peso do agronegócio no Congresso, mas, até então, pode-se afirmar que o setor tem capilaridade suficiente nas duas casas legislativas, especialmente, no Senado, para pender a balança da agenda ambiental do Legislativo em seu favor.

Metodologia

As análises apresentadas neste boletim foram feitas a partir de dados coletados de diferentes fontes oficiais. Do Repositório de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, extraímos as seguintes informações:

  • lista de Deputados titulares na Câmara;
  • lista de Senadores titulares no Senado;
  • filiação partidária atualizada dos congressistas;
  • lista de ocupantes de comissões permanentes nas duas casas legislativas;
  • discursos proferidos em Plenário;
  • proposições (PL, PEC, MPV e PLP) apresentadas e tramitadas na Câmara dos Deputados desde 2019;
  • classificação das proposições por tema, realizada pelo Setor de Informação da Câmara, e por autoria.

Como forma de identificar parlamentares com propriedades rurais, recorremos às declarações de bens realizadas pelos congressistas no momento do registro de suas candidaturas junto ao TSE em 2018 (e em 2014 para senadores cujos mandatos terminam em 2022). Organizamos essas informações de forma a manter apenas ocorrências que diziam respeito aos seguintes tipos de propriedades declaradas: fazendas, glebas, imóveis rurais, áreas rurais, áreas de loteamento, terrenos agrícolas e propriedades rurais. Feito isso, contabilizamos as ocorrências de propriedades por congressista e deflacionamos os valores declarados de cada uma pelo IPCA de maio de 2020 (usando os indexadores fornecidos pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada). Do TSE, também extraímos informações como escolaridade, sexo e ocupação profissional declarada de cada congressista.
As proposições legislativas consideradas em nossas análises foram Projetos de Lei, Medidas Provisórias, Projetos de Lei Complementar e Propostas de Emenda à Constituição. Coletamos dados de proposições como essas apresentadas desde 2019 até o final de maio de 2020. Para agrupá-las nas áreas de interesse do agronegócio, utilizamos as classificações desenvolvidas pelos setores de documentação da Câmara e do Senado: no primeiro caso, consideramos os temas Agricultura, pecuária, pesca e extrativismo, meio ambiente e desenvolvimento sustentável e estrutura fundiária; já na câmara alta, consideramos os temas agricultura, pecuária e abastecimento, política fundiária e reforma agrária, meio ambiente. Como informações sobre a tramitação das proposições são disponibilizadas em estruturas e formatos diferentes em cada casa, o banco de dados final foi sistematizado para permitir a análise da produção legal do Congresso.
Finalmente, para realização dos cruzamentos entre bases de dados, utilizamos IDs únicos para cada parlamentar extraídos do TSE (no caso, o código sequencial de candidatura), da Câmara dos Deputados e do Senado Federal; e também número de CPF dos parlamentares, disponível tanto nos repositórios do TSE quanto da Câmara. Na ausência de dados atualizados sobre a frente mista pela agropecuária, extraímos a composição da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) a partir do website do grupo na internet, utilizando os nomes dos parlamentares para identificar os pertencentes à frente. A base final foi consistida para checar a validade das informações.
________________
[1] Plataforma criada pela ONG Repórter Brasil.
[2] As palavras usadas na busca e análise foram: propriedade agrícola, reserva indígena, fundiário, fundiária, desmatamento, reserva ambiental, fronteira agrícola, inca, proteção ambiental, fazenda, gleba, imóvel rural, lote rural, área rural, loteamento, terreno agrícola, propriedade rural, agropecuária, pecuária, extrativismo, agricultura

Compartilhe:

30 anos de produção da Câmara sobre trabalho e emprego

Postado por OLB em 01/maio/2020 - Sem Comentários

por Debora Gershon e Fernando Meireles

Apresentação

Passados 77 anos da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a manutenção de direitos trabalhistas é tarefa ainda desafiadora. Nas últimas duas décadas, o Brasil passou por grandes transformações no mundo do trabalho e, por conseguinte, em suas normas regulatórias. Apesar do sentido inequívoco verificado nos últimos anos de flexibilização das regras vigentes, houve também movimentos no sentido inverso, de expansão dos direitos existentes. Recentemente, o tema “trabalho e emprego” assumiu nova proeminência no legislativo, majoritariamente alinhado à ideia de que a legislação atual é enrijecida e, portanto, um obstáculo ao pleno desenvolvimento da economia nacional.

Com o objetivo de identificar o perfil da produção da Câmara dos Deputados a respeito da temática trabalho e emprego, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou 6381 proposições entre 1989 e 2020, selecionadas segundo classificação do setor de documentação da Câmara (ver seção metodologia). O resultado é um balanço inédito sobre a agenda trabalhista da câmara baixa brasileira nos anos seguintes à redemocratização.

Balanço geral: volume e autoria da agenda

Nos últimos 30 anos, 6381 proposições sobre trabalho e emprego passaram pela Câmara dos Deputados, das quais 6014 (94%) são projetos de lei ordinária (PLs), 184 projetos de lei complementar (PLP), 123 propostas de emenda constitucional (PEC) e 64 medidas provisórias (MPV). Em todo o período, o Poder Executivo apresentou somente 150 proposições (2%), enquanto os deputados têm autoria de 92% delas. Demais órgãos da Câmara, Congresso Nacional e Senado Federal são autores das 6% restantes.

plot of chunk unnamed-chunk-1

Se observado o volume anual de proposições sobre o tema, dois aspectos chamam a atenção. Em primeiro lugar, há um número muito maior de propostas apresentadas no início de cada legislatura. O dado não surpreende, na medida em que também é historicamente maior o volume total de proposições do primeiro ano de mandato, como decorrência, dentre outras razões, do fato de que parlamentares recém-eleitos buscam resultados mais imediatos diante de um eleitorado geralmente ainda atento aos feitos de seus escolhidos. Em segundo lugar, fica evidente o salto no número de proposições apresentadas no ano de 2019, comparativamente ao restante da série. Dos governos retratados na pesquisa, o início do mandato de Bolsonaro destaca-se como aquele em que a Câmara produziu mais projetos sobre trabalho e emprego. Foram apresentadas 542 proposições, um aumento de quase 40% em relação ao primeiro ano da legislatura anterior. Consideradas as preferências políticas dos atuais parlamentares, é possível que esse crescimento já expusesse um ímpeto renovado para flexibilizar a legislação trabalhista.

plot of chunk unnamed-chunk-2

Por governo, é a partir do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que o padrão de atuação legislativa sobre o tema muda, com crescimento expressivo do número de proposições apresentadas na Câmara. De FHC II a Dilma I, mantém-se uma média anual de aproximadamente 230/240 propostas. No segundo mandato de Dilma, com a economia entrando em crise, essa média cresce, embora, no governo de Temer, ela volte ao padrão anteriormente observado em FHC e Lula. Já Bolsonaro apresenta média anual de projetos sobre o assunto maior do que em qualquer outro período da série.

O comportamento da Câmara em cada mandato não dialoga necessariamente com os movimentos de aumento e queda das taxas de desemprego, dado que, embora em momentos de desemprego alto tenha havido certo aumento do número de projetos, a queda do desemprego entre os anos de 2003 e 2014 não se refletiu em diminuição consistente do número de proposições.

plot of chunk unnamed-chunk-3

Os partidos na agenda trabalhista

Dentre as proposições sobre o tema que tiveram como autor um(a) deputado(a) federal, o partido com maior número de iniciativas é o PT, responsável por cerca de 1 em cada 6 proposições apresentadas por parlamentares. PT, PSDB, MDB e DEM, partidos com grandes bancadas, são juntos responsáveis por quase metade de todas as proposições do período. Destes, PT e MDB são os que mantêm participação mais acentuada ao longo de toda a série.

plot of chunk unnamed-chunk-4

Para possibilitar uma comparação mais acurada entre os partidos, considerando-se que o número de proposições de cada um deles depende do tamanho de sua bancada, o gráfico abaixo apresenta a média de proposições por parlamentar em cada partido, por governo. As linhas verticais tracejadas indicam a média da Câmara em todo o período, que é de 0.53 proposições por parlamentar/ano.

plot of chunk unnamed-chunk-5

Os dados mostram que ser governo ou oposição não é fator determinante para que os partidos apresentem proposições sobre o tema. Ideologia e base social, por outro lado, podem explicar a atuação do PCdoB e do PT em quase todos os governos desde 1989, independentemente de sua posição frente ao governo. No segundo governo do PT, o PCdoB, partido governista aliado, apresentou maior média de propostas sobre o assunto, enquanto o PT, por sua vez, manifestou comportamento bastante semelhante nos governos FHC II e Lula I. Ou seja, muito embora o tema possa ser mais afeito a alguns partidos do que a outros, a posição do Executivo, somada a alguns fatores externos conjunturais, parece mobilizar esforços na Câmara de partidos oposicionistas e governistas, simultaneamente, ainda que em direções eventualmente opostas.

Proteção ou flexibilização: como se comportaram os governos desde 1989

A despeito das mais de 6300 proposições sobre trabalho e emprego nos últimos 30 anos, apenas 163 foram transformadas em norma jurídica. Os dois governos de Lula e o primeiro de Dilma são aqueles em que a Câmara aprovou o maior número de mudanças legislativas sobre o tema. Vale ressaltar, no entanto, que muitas das proposições apresentadas na Casa durante o governo de Bolsonaro ainda tramitam no Congresso Nacional.

plot of chunk unnamed-chunk-6

No que diz respeito à autoria das iniciativas aprovadas no período, destaca-se o Poder Executivo, que aprovou 68 das 150 propostas de sua iniciativa – o que corresponde a uma taxa de sucesso de 45%. Em contraposição, de forma semelhante ao que se observa em outros temas, apesar da maior proatividade na elaboração de projetos, a Câmara transforma em norma jurídica apenas uma ínfima parcela de tudo aquilo que propõe (1,5%).

Dentre os governos do período, considerados, neste caso, apenas os projetos de autoria governamental, o primeiro mandato de Lula novamente se destaca como aquele de maior êxito – foram 21 normas sancionadas frente a um total de 35 proposições enviadas à Câmara (taxa de sucesso de 60%). Dentre as 21 matérias de sua iniciativa que versam sobre o assunto, estão a criação de política de valorização do salário mínimo, a reforma da previdência do setor público, o seguro-desemprego para pescadores artesanais em época de defeso, o reconhecimento formal das centrais sindicais, dentre outras. Dilma II e Temer também tiveram altas taxas de aprovação do que propuseram, embora o número de projetos de sua iniciativa tenha sido incomparavelmente inferior.

Importante ressaltar, contudo, que taxas de sucesso legislativo menores não indicam que os governos tenham sido pouco exitosos na aprovação de medidas de grande impacto sobre as relações de trabalho em âmbito nacional. Nos governos de FHC, por exemplo, houve aprovação de uma série de novas regras de contratação flexível e remuneração, a exemplo do contrato por prazo determinado, do banco de horas e da participação em lucros e resultados; enquanto no governo de Temer foi aprovada uma das maiores reformas trabalhistas dos últimos tempos, com instituição do contrato de trabalho intermitente, regulamentação de terceirização em atividades-fim, ampliação do uso do contrato de trabalho do autônomo sem prazo definido e priorização de acordos de trabalho individuais em detrimentos dos coletivos.

O próximo gráfico apresenta proposições transformadas em normas jurídicas em cada governo. A categoria “Outras” inclui medidas que perderam eficácia, projetos rejeitados, arquivados e com tramitação não finalizada, dentre outras situações do gênero.

plot of chunk unnamed-chunk-7

Trabalho e emprego na legislatura atual

Nada menos que 712 proposições sobre trabalho e emprego foram apresentadas na Câmara em menos de 1 ano e meio de trabalho legislativo, dentre as quais se incluem a reforma da previdência e o programa emergencial de suporte a empregos. A média de apresentação de projetos dessa natureza por parlamentar durante a atual legislatura é de 1.36, 2.5 vezes maior do que a média per capita nos 30 anos da série. O quadro é indicativo de que o assunto é, no momento, caro ao parlamento e ao governo. O aprofundamento da flexibilização da legislação trabalhista é uma das bandeiras do ministro da Economia, Paulo Guedes, como também de grande parte da Câmara, embora não sem resistência de partidos de esquerda. Além disso, a necessidade de resposta urgente à crise da Covid-19 tem aumentado o número de medidas sobre o assunto, bem como proporcionado divisão ainda maior do parlamento.

A distribuição partidária dessas proposições, contudo, segue padrão relativamente semelhante ao observado anteriormente. Partidos com bancadas maiores, como PT e PSL, lideram em número de proposições encaminhadas à Mesa Diretora, seguidos por partidos mais à esquerda como PSB e PDT. Ou seja, mantém-se a máxima de que mais deputados produzem mais sobre qualquer tema, bem como o padrão de que a temática em tela não é monopólio de partidos de situação ou oposição. As diferenças nas médias per capita de apresentação de projetos entre eles são muito pequenas – exceção, no entanto, à cargo do Podemos, partido fiel à agenda governamental, que apresenta média por parlamentar muito superior às demais legendas.

plot of chunk unnamed-chunk-8

Para entender como o plenário da Câmara tem se comportado nas votações sobre trabalho e emprego, selecionamos 50 votações com registro aberto de votos dentre as 78 realizadas entre 2019 e abril de 2020 e utilizamos um algoritmo popular na Ciência Política que mensura as preferências dos parlamentares a partir de seus votos. Como resultado, cada parlamentar foi posicionado em uma escala de -10 a 10, em que -10 indica maior oposição ao governo e 10 maior governismo. A distribuição do plenário nesta escala pode ser vista abaixo.

plot of chunk unnamed-chunk-9

O resultado indica existirem dois grandes grupos que polarizam as votações sobre o tema no plenário, com preponderância do grupo mais governista. A distância entre os grupos, além disso, é ainda mais saliente pela ausência de um número considerável de parlamentares ocupando o centro do espectro de governismo, embora nem todos os partidos tenham alto grau de coesão do ponto de vista de seu posicionamento frente ao tema.

O comportamento parlamentar no tema trabalhista, portanto, é semelhante ao padrão geral de comportamento da atual legislatura. O gráfico seguinte desagrega a posição de alguns partidos na escala, ajudando a entender o cenário de polarização.

plot of chunk unnamed-chunk-10

Conforme indica o gráfico, PT e DEM são os partidos mais disciplinados nas votações sobre medidas relativas à trabalho e emprego, dado a pouca dispersão de suas curvas relativamente a outras legendas. Ou seja, são esses os principais partidos estruturados da disputa política em torno de proposições sobre o tema, cujos votos de seus parlamentares apresentam pouca divergência.

Do ponto de vista da localização espacial dos partidos, novamente aqui o centro aparece escassamente povoado, com casos isolados de votos, especialmente do PDT e do PSB. Vale observar, por fim, que a posição do PT não está tão radicalmente à esquerda quanto estão à direita as posições do DEM e do PSL. Isso sugere que parte da polarização observada no gráfico é resultado principalmente do posicionamento desses dois partidos, devendo-se considerar que o PSL vota de forma mais governista que o DEM, embora também menos disciplinada. A proximidade ideológica entre os dois partidos é interessante de se observar, em um momento em que o presidente Jair Bolsonaro encontra enormes dificuldades para formar uma base relativamente coesa.

Um ranking das legendas que ocupam assentos na Câmara, organizadas por posição no eixo governismo, pode ser visto no gráfico abaixo, em que os pontos indicam a posição média de cada bancada, acompanhada de intervalos de confiança de 90%.

plot of chunk unnamed-chunk-11

Conclusão

O legislativo foi o grande propositor da agenda trabalhista dos últimos 30 anos, embora tenha sido o executivo o poder a definir o sentido das alterações efetuadas nas normas que regulam o mundo do trabalho. Há algumas explicações potenciais para este fato, dentre as quais destacamos duas. A primeira delas é que, ao menos até 2005, o executivo era efetivamente o autor da maior parte de todas as proposições aprovadas na Câmara. O sucesso dos parlamentares na aprovação de seus projetos era muito pequeno em todas as matérias indiscriminadamente. A agenda legislativa era controlada pelo governo. A segunda diz respeito à natureza da própria agenda. Normas que regulam as relações de trabalho têm impacto profundo sobre a vida dos(as) brasileiros(as) e sobre a economia em geral. É assunto que mobiliza esforços de qualquer governo no sentido de reduzir ao mínimo a atuação parlamentar divergente da agenda governamental.

Ao longo de todo o período, a alteração da CLT foi o subtema de maior destaque e o PT o partido que mais proposições apresentou, parte delas dedicada à proteção ao trabalhador, em movimento consistente com a origem sindical do partido. A decisão pela apresentação das propostas não responde à lógica governo-oposição, embora os dados da legislatura atual indiquem que é essa divisão a que dita o comportamento partidário em plenário, com partidos mais ou menos disciplinados. No que diz respeito à aprovação da agenda legislativa sobre o tema, os dois governos de Lula foram o período de maior êxito, sob o ponto de vista do sucesso tanto do legislativo quanto do executivo.

O resultado, no entanto, que mais sobressai na pesquisa é a limitada participação dos(as) deputados(as) federais na legislação efetiva sobre o assunto, comparativamente ao seu esforço de formulação e proposição. É possível que a agudização recente do protagonismo do Congresso passe a produzir resultados diferentes, mas também é imperativo que, do ponto de vista do aumento de sua própria eficiência, a Câmara avalie o custo de se apresentar mais de centenas de projetos sobre determinado assunto por ano, sem que haja trabalho de sistematização, concatenação e priorização da agenda.

Metodologia

Para elaborar este relatório, coletamos um conjunto de informações sobre a atividade legislativa na Câmara dos Deputados. Os dados que utilizamos foram extraídos do Portal de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e processados pela equipe de pesquisadores do OLB. Para calcular as estatísticas descritivas que reportamos nos gráficos, utilizamos o ambiente de programação estatístico R. Particularmente, utilizamos a classificação feita pelo setor de Documentação da Câmara para identificar proposições sobre trabalho e emprego. Por esse critério, a amostra de proposições que analisamos contém 6381 proposições apresentadas entre 1989 e 17 de abril de 2020.

Para calcular o ranking de governismo sobre trabalho e emprego, coletamos o registro de votações realizadas entre fevereiro de 2019 e abril de 2020 do repositório de Dados Abertos da Câmara. Desse universo, excluímos votações que não tiveram conflito, isto é, votações nas quais não houve sequer 2% de parlamentares que votaram contrários à maioria vencedora – procedimento comum para evitar que votações unânimes entrem no cômputo do governismo. Ao final, a amostra que analisamos contém 45 e votações, que foram então analisadas por meio do algoritmo W-nominate, que extrai dimensões latentes a partir dos dados de votação. Nesse processo, o algoritmo encontra quais dimensões explicam a maior parte da variação nos resultados das votações. Em nossa aplicação, utilizamos a dimensão com maior poder explicativo, a qual interpretamos, com base em em testes adicionais, como sendo governo-oposição. Parlamentares com padrões de votação similares receberam scores similares, enquanto outros com históricos de votos divergentes foram posicionados com maior distância. Para facilitar a exibição dos resultados, transformamos os scores do w-nominate para o intervalo de -10 a 10. Alguns dos gráficos que reportamos no texto exibem funções de densidade, isto é, a probabilidade de que um ou uma parlamentar tenha dado score; valores mais altos indicam que há mais parlamentares com determinado score, e vice-versa.

Compartilhe:

A produção da Câmara frente ao Coronavírus

Postado por OLB em 09/abr/2020 - Sem Comentários

por Debora Gershon

Apresentação

Diante da pandemia de Covid-19, deputados federais e poder executivo, à semelhança do que se observa nas casas legislativas mundo afora, têm apresentado várias proposições na Câmara com o objetivo de enfrentar suas consequências.

De 4 de fevereiro a 31 de março, 293 proposições foram apresentadas com este fim, considerados projetos de lei ordinária (PL), projetos de lei complementares (PLP), medidas provisórias (MPVs) e projetos de decreto legislativo (PDL).

Gráfico 1. Proposições – Covid-19, por tipo.

Deste total, 34 projetos têm autoria coletiva, sendo os demais de iniciativa individual. O poder executivo foi responsável pela apresentação de apenas 9 dessas proposições (3%), reafirmando o protagonismo do Congresso — observado desde meados dos anos 2000 — na produção de políticas públicas no Brasil.

Para entender a agenda da Câmara para lidar com a Covid-19, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou os 293 projetos apresentados até 31/03, segundo as seguintes variáveis: tipo; partido de origem e temas específicos de que tratam.

Medidas Provisórias relativas ao Covid-19

Embora cerca de 90% das proposições apresentadas no período sejam do tipo “projeto de lei ordinária”, há 7 medidas provisórias nesse pacote, cuja iniciativa é prerrogativa do poder executivo. As MPVs produzem efeitos imediatos, mas são transformadas em lei somente após aprovação das duas casas legislativas, em prazo definido, sob pena de perda de sua eficácia.

Das 7 MPVs, 3 abrem crédito extraordinário para os seguintes ministérios: Defesa; Educação e Saúde; Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; Relações Exteriores e Cidadania. As demais tratam dos temas: flexibilização de legislação trabalhista (MPV 927/2020), aviação civil, acesso à informação, além de medidas gerais de enfrentamento ao vírus, tais como regulação de situações de isolamento social e flexibilização de processos licitatórios. A Câmara já apreciou, com recomendação de aprovação, duas das MPVs publicadas, que abrem crédito extraordinário para Educação/Saúde e Defesa.

Gráfico 2. MPVs – Covid-19, por tema.

Posicionamento partidário

Dos 24 partidos com bancada na Câmara, 22 apresentaram projetos para enfrentamento da situação socioeconômica resultante da pandemia atual. PTB e Rede foram os únicos que, até 31 de março, não propuseram ação legislativa relativa ao assunto em projetos de iniciativa individual. A Rede participa de um único projeto de autoria coletiva.

O PT foi o partido que mais apresentou projetos no período (cerca de 20%), seguido pelo DEM (11%). O PSL, que possui 53 deputados em exercício (mesmo número de deputados em exercício do PT), tem autoria de somente 8% do total de proposições.

Projetos de autoria coletiva também se destacaram dentre as proposições apresentadas, somando 12% do total. A maior parte desses projetos (56%) é assinada por  coalizões de partidos posicionados mais à esquerda do espectro político-ideológico da Casa. Coalizões mais à direita e mistas têm autoria de 32% e 12% dos projetos coletivos, respectivamente.

A oposição, portanto, tem tomado a frente das iniciativas parlamentares sobre a Covid-19. Os 5 partidos mais oposicionistas da Casa (PT, PSOL, PCdoB, PSB e PDT) assinaram, juntos, cerca de 40% dos projetos sobre o tema.

Gráfico 3. Partidos com projetos relacionados à Covid-19.

Classificação temática dos projetos de lei

Para classificação temática das proposições, os 293 projetos analisados foram agrupados em 15 assuntos, conforme gráfico abaixo. O tema “proteção aos vulneráveis” representa 21% do total, destacando-se aí projetos de atenção à população de baixa renda e ao trabalhador formal. Apenas um projeto legislativo trata, no entanto, da população de baixa renda que reside, especificamente, em favelas e periferias. Agricultores e trabalhadores domésticos também têm recebido pouquíssima atenção do parlamento.

Gráfico 4. Temas dos projetos relacionados à Covid-19.

Gráfico 5. Subtemas do tema “proteção aos vulneráveis”.

O segundo maior grupo de projetos específicos da Câmara trata do tema “mudanças contratuais – serviços, locações, financiamentos e empréstimos” (15%). Das 43 propostas relativas ao assunto, metade proíbe a interrupção de serviços essenciais à população. A Câmara também tem se dedicado a propor “medidas gerais para enfrentamento da pandemia”. Aí se enquadram projetos de assuntos diversos, tais como: antecipação de feriados; proibição de greves em serviços essenciais; e alteração de data para entrega de IR. Há 15 projetos (5% do total) que pretendem reduzir, temporariamente, salários e subsídios recebidos por deputados, senadores e gestores executivos, a maior parte deles proposta pelo DEM. O adiamento das eleições municipais foi proposto exclusivamente pelo PL.

Relação entre propositores e temas

As seções acima identificam siglas mais propositoras (incluindo o executivo) e temas mais comumente tratados, restando, portanto, analisar como essas duas variáveis se relacionam. A figura abaixo permite justamente observar essa relação. A espessura das conexões denota maior proporção de projetos sobre o assunto.

Embora se note, pela figura, que os 22 partidos propuseram projetos sobre assuntos variados, alguns vêm mantendo agenda mais coesa em torno de tema específico, como é o caso do PT. Grande parte das propostas de autoria de deputados petistas trata da “proteção aos vulneráveis”. Dentre os projetos de iniciativa coletiva, que, conforme observado anteriormente, são majoritariamente de autoria de coalizões de esquerda, a atenção também é proporcionalmente maior ao tema.

Figura 1. Relação entre partidos e temas.

Com a Figura 2., obtém-se perspectiva distinta sobre a mesma relação propositores-temas. Nela é possível observar como os partidos se aproximam entre si, em virtude da semelhança temática dos projetos apresentados por seus deputados.  As cores, na figura, representam comunidades afins, ou seja, denotam duas comunidades de partidos que apresentaram projetos sobre as mesmas temáticas. A proximidade entre os partidos denota a intensidade dessa relação.

Figura 2. Relação entre partidos, em função dos temas tratados.

Pela figura exposta, embora não haja distinção exata entre temas propostos por partidos governistas e oposicionistas, ainda é essa a divisão que parece melhor explicar a agrupamento partidário em torno de determinados assuntos.

O andamento da agenda

Dos 293 projetos aqui referidos, 2 foram transformados em norma jurídica e 10 foram aprovados na Câmara em sistema de votação remota, que mantém o Congresso em atividade, embora em ritmo mais lento. Do dia 31 de março para cá, mais de 200 novas proposições foram apresentadas na Casa. O presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem cobrando do governo um pacote integrado de soluções contra a crise, motivo pelo qual se espera que o próprio legislativo agrupe projetos de objetivos semelhantes para garantia de maior celeridade na votação. O impacto socioeconômico do coronavírus, no entanto, já é imediato para uma série de grupos sociais e setores econômicos e requer planejamento urgente do Parlamento no que diz respeito à priorização da sua agenda. Anos eleitorais, em geral, são caracterizados por atividade legislativa menos intensa. A dimensão da crise atual pode modificar esse padrão, chamando os parlamentares à ação. É necessário, contudo, um alto grau de coordenação e de liderança para que o Legislativo possa produzir resultados eficazes, especialmente em contexto no qual o executivo mostra incapacidade de liderar uma campanha nacional de resistência à pandemia.

Compartilhe:

Como votaram os congressistas no primeiro ano do governo Bolsonaro?

Postado por OLB em 28/jan/2020 - Sem Comentários

Apesar da falta de articulação entre Executivo e Legislativo, uma ampla maioria governista dominou as votações nominais em 2019

Apresentação

No primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, noticiou-se amplamente o fato de o presidente e sua equipe não terem organizado uma coalizão parlamentar sólida de apoio ao governo. Com o objetivo de analisar se essa mudança produziu efeitos no Congresso, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) mediu e analisou as taxas de governismo dos parlamentares ao longo de 2019.

Medir o apoio dado por cada parlamentar ao governo em votações nominais é tarefa difícil. Votações unânimes de nada servem para discriminar taxas de governismo, ao passo que votações mais apertadas normalmente revelam maior esforço de coordenação por parte da base governista. Afinal, são as matérias conflituosas que revelam as divisões entre governo e oposição, e muitas vezes, nesses casos, um único voto decisivo em favor do governo pode importar mais do que vários outros desfavoráveis.

Para medir o nível de governismo revelado pelos congressistas por meio dos votos nominais dados no plenário em 2019, usamos um algoritmo consolidado na Ciência Política que diferencia votos e votações por ordem de importância (ver seção de metodologia, abaixo). O resultado é um ranking que permite posicionar os parlamentares numa escala que varia de 0 a 10. Notas próximas de 10 indicam atuação mais favorável à posição governista, as próximas de 0, uma atuação mais oposicionista.

Governismo em alta

Nossa análise mostra um número expressivo de parlamentares com altas taxas de governismo, de modo semelhante à observada no primeiro ano dos mandatos de Lula e Dilma, de acordo alguns estudos da área. Na Câmara, dos 534 Deputados e Deputadas Federais que tiveram votos nominais registrados, incluindo suplentes que assumiram mandatos, nada menos que 73.4% tiveram notas maiores que 7 no ranking. Arredondando as notas dos Deputados e Deputadas, o gráfico abaixo exibe claramente a magnitude do apoio ao governo.

No Senado, o governismo também é elevado, conforme observado no gráfico abaixo. Nada menos que 20 senadores atingem a nota máxima no ranking, e 19 chegam bem perto disso. Quase 50% dos 85 senadores que tiveram votos nominais registrados têm notas 9 ou 10 no ranking do OLB.

Governismo por partido: três grupos

Embora não tenha havido uma estratégia clara de organização de uma base de apoio por parte do Planalto, os dados acima permitem observar que, nas duas casas legislativas, há um grande contingente de parlamentares que votou de forma consistente com a agenda da maioria governista. Isto é, há um bloco parlamentar no Congresso que apoiou o governo de forma confiável ao longo do primeiro ano do mandato de Bolsonaro. Entretanto, quando analisamos os resultados por partidos, nossos dados indicam não apenas uma divisão entre governo e oposição, mas uma distinção entre três grupos específicos: partidos mais governistas, como PSL e o Novo; partidos mais oposicionistas, como PSOL e PT; e um grande número de partidos que manifestam um grau considerável de governismo nas votações, mas menor do que o de partidos do primeiro grupo.

O gráfico a seguir posiciona cada um dos partidos na Câmara dos Deputados pela nota média de seus membros no ranking.

Diferentemente da Câmara, no Senado não há partidos mais ao centro do ranking. Na câmara alta há uma divisão mais simples e nítida entre partidos mais e menos governistas, o que sugere um comportamento polarizado dos senadores em boa parte das votações nominais de 2019.

Governismo e disciplina partidária na Câmara

Além das taxas de governismo, avaliamos como os partidos têm manejado a disciplina de seus parlamentares no que diz respeito à sua relação com o governo. Alguns partidos conseguem impor maior disciplina nas votações em plenário, impedindo dissidências e votos desviantes. Isso pode indicar maior coesão dos quadros ou assertividade das lideranças partidárias em sua decisão de apoiar ou não o governo em cada matéria. Quando há maior disciplina, as notas do ranking de membros de um mesmo partido tendem a ser bastante próximas.

Segundo os nossos dados, são poucos os partidos cujos parlamentares têm notas similares. A maior parte deles é caracterizada por diferenças de posicionamento entre seus parlamentares e ocorrência de votos contrários ao posicionamento majoritário das bancadas. Na Câmara, apenas o PSL atinge um nível de disciplina elevado no quesito governismo, a despeito dos conflitos internos pelos quais o partido passou ao longo do ano. Já o principal partido de oposição, o PT, que manifesta comportamento geral decididamente contrário à agenda governista, apresenta um grau menor de coesão partidária, com parlamentares que vão da oposição moderada à mais radical.

Parlamentares com maiores e menores notas

Na Câmara, os parlamentares com atuação mais governista são do PSL e do NOVO, com destaque para nomes mais conhecidos como os de Nereu Crispim (PSL-RS), Gurgel (PSL-RJ), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF). Já na oposição, os parlamentares mais radicalmente contrários ao governo são os do PSOL, com destaque para Ivan Valente (PSOL-SP), Áurea Carolina (PSOL-MG) e Talíria Petrone (PSOL-RJ).

Já no Senado, apenas um senador do PSL está entre os 10 mais governistas, Soraya Thronicke (PSL-MS). Na base de apoio ao governo, também se destacam representantes de outros partidos como Luis Carlos Heinze (PP-RS), e Sérgio Petecão (PSD-AC). Os senadores Randolfe Rodrigues (REDE-AP), Paulo Paim (PT-RS) e Jacques Wagner (PT-BA), por sua vez, aparecem no ranking como os aqueles que mais fizeram oposição à agenda governista, com notas muito próximas de zero.

Análise

A análise das votações nominais de 2019 revela significativo apoio do Congresso ao governo. Diante do frágil trabalho de articulação promovido pelo governo, a explicação mais razoável para tal fenômeno é a existência de coalizões legislativas organizadas em torno de uma agenda comum entre legislativo e executivo. Ainda assim, é importante pontuar que a dinâmica na Câmara dos Deputados revela desafios para o governo nos próximos anos. Apenas PSL e Novo mostraram-se absolutamente leais ao Planalto. O terceiro bloco que surgiu em nossas análises, marcado por grau moderado de governismo, é composto por partidos mais sensíveis à influência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas que apresentam comportamento também mais independente e, portanto, mais imprevisível. Caso, no entanto, a agenda desse bloco legislativo, principalmente no que toca a pauta econômica, prossiga convergindo com a agenda do governo, a tendência é que não haja grandes alterações nessa tendência de comportamento governista. No Senado, diferentemente, o comportamento dos parlamentares é mais polarizado, com maior proximidade entre o PSL e os partidos de centro-direita na defesa da agenda do governo.

Mesmo com as nuances apontadas, nossa análise mostra que o conflito entre governo e oposição foi a principal dimensão a organizar o Congresso no primeiro ano de governo Bolsonaro, com considerável vantagem para os blocos alinhados com o governo, que formam maioria clara nas duas casas legislativas.

Metodologia

Para calcular o ranking de governismo na Câmara dos Deputados e no Senado, coletamos informações sobre todas as votações nominais (i.e., aquelas nas quais parlamentares têm seus votos registrados em plenário) no ano de 2019. Em uma segunda etapa, excluímos votações que não tiveram conflito, isto é, votações nas quais não houve sequer 2% de parlamentares que votaram contrários à maioria vencedora – procedimento comum para evitar que votações unânimes entrem no cômputo do governismo. Ao final, a amostra que analisamos contém 252 e votações na Câmara e 28 no Senado.

Com os dados organizados, implementamos o algoritmo W-nominate, que extrai dimensões latentes a partir dos dados de votação. Nesse processo, o algoritmo encontra quais dimensões explicam a maior parte da variação nos resultados das votações. Em nossa aplicação, utilizamos a dimensão com maior poder explicativo, a qual interpretamos, com base em em testes adicionais, como sendo governo-oposição. Parlamentares com padrões de votação similares receberam scores similares, enquanto outros com históricos de votos divergentes foram posicionados com maior distância. Para facilitar a exibição dos resultados, transformamos os scores do w-nominate para o intervalo de 0 a 10.

Para mais detalhes sobre a metodologia, ver Congress: A Political-Economic History of Roll Call Voting, escrito pelos cientistas políticos americanos Keith Poole e Howard Rosenthal.

Compartilhe:

Negros estão sub-representados em posições de liderança na Câmara dos Deputados

Postado por OLB em 25/nov/2019 - Sem Comentários

Em matérias que dependem apenas de iniciativa individual, desempenho é melhor ou igual ao dos autodeclarados brancos

Como estão atuando as Deputadas e Deputados Federais negros (pretos e pardos) nessa nova legislatura? Usando a autodeclaração de identidade racial, fornecida pelos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no momento de seu registro para o pleito de 2018, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) avaliou as métricas de produção legislativa dos congressistas em 2019, primeiro ano da atual legislatura. Considerando os parlamentares titulares e os suplentes que exerceram mandato na Câmara até o momento, são 407 aqueles que se autodeclaram brancos, 2 que se autodeclaram amarelos, 109 pardos, 22 pretos e um indígena.

O resultado da análise mostra que em atividades que dependem apenas de iniciativa individual, parlamentares negros têm desempenho melhor ou igual ao dos brancos. No gráfico abaixo, em que foi calculado a média de projetos de leis introduzidos por deputadas e deputados, é possível observar que os pretos obtiveram 8,7, praticamente empatados com os brancos, com 8,8. Já os parlamentares pardos apresentaram uma média de projetos ligeiramente maior, 9,2.

No quesito emendas a proposições verificamos dinâmica semelhante, com a média de brancos e pardos praticamente igual, 153 e 156, respectivamente, e média de emendas de pretos significativamente maior, 196.

Ao se analisar a apresentação de requerimentos de informação, a atividade de pretos e pardos é ligeiramente superior à de parlamentares brancos. Esse tipo de proposição é muitas vezes utilizado por parlamentares para terem acesso a dados do governo e podem, assim, indicar atuação em favor de maior transparência do Estado e de suas políticas públicas. Nesse quesito, observa-se na atual legislatura uma média de 5.5 requerimentos de parlamentares pretos, 4 requerimentos para pardos, e apenas 3.3 para os brancos, conforme o gráfico abaixo.

O relativo equilíbrio verificado acima entre os grupos de raça não se reproduz quando a participação de parlamentares não depende exclusivamente de iniciativa individual, mas sim da intermediação de partidos e lideranças. É o caso, por exemplo, das indicações de relatorias.

Todas as proposições de lei devem passar por comissões temáticas no curso de sua tramitação, onde são avaliadas, possivelmente alteradas e votadas antes de chegar ao Plenário. Quando um projeto de lei é enviado a uma comissão, o presidente daquela comissão nomeia relator, que é responsável por produzir o parecer (relatório) que será ao final votado pelos pares da comissão. Os parlamentares responsáveis por produzir relatórios sobre proposições de lei podem favorecer (ou atrapalhar) a tramitação de um projeto, bem como direcioná-lo. Ou seja, a posição de relator é estratégica e sua indicação cabe a alguém em posição de poder na estrutura partidária do parlamento.

Esses dados refletem, em parte, a própria composição das comissões na Câmara dos Deputados, a qual também depende de indicações de lideranças de bancada. Em comissões centrais na Câmara dos Deputados, como a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) e a Comissão de Finanças e Tributação (CFT), que avaliam respectivamente a constitucionalidade das proposições e sua adequação financeira, há representação ínfima dos parlamentares negros. Por exemplo, na CCJC, há apenas um parlamentar dentre os 22 que se autodeclararam pretos. Das comissões consideradas mais importantes, apenas a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), responsável pela proposições ligadas à área social, verifica-se representação de parlamentares negros um pouco mais significativa.

Esses dados apontam para o fato de que a população negra do Brasil, como já é fato conhecido, não apenas está sub-representada no Congresso de forma geral como, no âmbito da Câmara dos Deputados, seus representantes têm menor acesso a posições estratégicas, em larga medida controladas pelas lideranças. Nossos dados não nos permitem examinar as causas dessa dupla discriminação. Elas certamente são complexas e dizem devem estar relacionadas tanto aos processos eleitorais-partidários como às dinâmicas internas à Câmara dos Deputados. Por outro lado, não precisamos ter um conhecimento perfeito e profundo das causas para criar mecanismos para mitigar tamanha desigualdade.

Compartilhe:

Como se distribuem as relatorias na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC)?

Postado por OLB em 22/nov/2019 - 1 Comentário

Sob liderança do PSL, oposição e partidos do centro têm menos espaço na Comissão

A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) é uma das mais importantes comissões da Câmara dos Deputados. Seu principal objetivo é deliberar sobre a adequação das proposições legislativas à Constituição, além de discutir mérito de assuntos específicos regimentalmente definidos. Praticamente todos os tipos de projetos – independente do tema – passam por ela. Por essa razão, há disputa partidária acirrada pela definição da composição e escolha do presidente da comissão.

Eleito pelos membros, geralmente após acordo já firmado entre as lideranças, é o presidente da CCJC quem tem a prerrogativa de designar relatores que emitirão parecer, favorável ou contrário, sobre todas as proposições apreciadas no órgão. Essa é uma decisão estratégica que pode facilitar ou dificultar sobremaneira a tramitação de um projeto na Câmara. A distribuição de relatorias está no centro da disputa pelo controle de agenda da comissão por parte do Executivo, de coalizões governistas e da oposição.1

Com o objetivo de identificar padrões na distribuição de relatorias em diferentes governos, bem como de observar o padrão seguido pela atual legislatura na comparação com as demais, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou 22783 designações de relatorias na CCJC de 1995 a 2019. Foram 12493 proposições relatadas2 por 726 deputados, considerados projetos de emenda constitucional (PEC), projetos de lei ordinária (PLs), projetos de lei complementar (PLV) e medidas provisórias (MPV). Para facilitar a comparação entre governos, as análises abaixo consideram os 9 primeiros meses de cada um dos seguintes mandatos presidenciais: FHC I, FHC II, Lula I, Lula II, Dilma I, Dilma II, Temer e Bolsonaro.

Dentre os 8 mandatos analisados, o de Bolsonaro destaca-se como aquele em que houve maior atividade na CCJC, seguido imediatamente por Lula I. Já os dois mandatos de FHC coincidem com os dois períodos em que há menor número de proposições distribuídas na comissão.

plot of chunk unnamed-chunk-1

Nos governos FHC I e FHC II, o partido mais central –- que mais recebeu relatorias na CCJC – foi o PP, partido de sustentação do governo. Há diferenças, contudo, nos padrões observados nesses 2 mandatos. Em FHC I, há preponderância de partidos governistas, mas sem centralização no partido do presidente. Em FHC II, o PP mantém-se como partido central, mas o PSDB ganha destaque. Além disso, mais partidos passam a relatar proposições em aparente mudança na correlação de forças e estratégia de condução dos trabalhos da comissão.