Postado por OLB em 27/maio/2020 - Sem Comentários
por Júlio Canello e Leonardo Martins Barbosa
O que as deputadas e deputados federais brasileiros têm feito no que toca à tramitação de projetos legislativos nas áreas de ensino superior, ciência e tecnologia? No momento em que a crise aguda na área da saúde e da gestão pública causada pela pandemia do COVID-19 reafirma a importância do investimento em ciência e tecnologia, é de suma importância entender o comportamento da Câmara em relação a tais assuntos. Com esse fim, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou as atividades dos parlamentares na tramitação de proposições pertinentes aos temas, durante a legislatura de 2015-2018. O resultado é mais um ranking temático dos parlamentares. Entre os projetos mais importantes analisados estão os referentes à criação de novas universidades federais, aquele que instituiu o Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação e o da reforma do FIES. Avaliamos como ações positivas as que favoreceram maior investimento público no setor, institucionalização de mecanismos regulatórios e desburocratização da agenda científica. A definição dos critérios e as análises realizadas foram acompanhadas pela Associação Brasileira de Ciência Política, em uma colaboração diante dos desafios atuais para o Ensino Superior e a Ciência e Tecnologia do país.
O algoritmo usado pelo OLB baseia-se na computação de um conjunto de atividades legislativas (pareceres, emendas, discursos e votos), a partir da qual produzimos um indicador que expressa tanto o engajamento de cada deputado e deputada no processo legislativo, quanto a valência de sua atuação – ou seja, ela é favorável ou contrária nos temas analisados. Esse indicador é então reescalonado na forma de uma nota que varia de -10 a +10. Quanto mais ele participar de forma ativa na tramitação das proposições, mais próxima será sua nota dos dois extremos, 10 (em caso de atuação favorável) ou -10 (em caso de atuação desfavorável). Em outras palavras, 10 indica um comportamento engajado e favorável ao tema e -10, um comportamento engajado e desfavorável ao tema. Os resultados próximos de 0 indicam um baixo engajamento nos projetos relacionados à temática). Com base nessas notas, o OLB organiza os parlamentares em um ranking que ajuda a mapear a Câmara dos Deputados.
O primeiro ponto a ser destacado é um comportamento predominamente desfavorável às agendas do tema na Câmara dos Deputados, com nota média de -3.14 e mediana de -5.29. Ou seja, metade dos congressistas têm nota entre -5.29 e -10. Essa situação bastante desfavorável pode ser melhor observada no gráfico abaixo, em que podemos ver a distribuição de notas entre todos e todas as analisadas. A reta vertical indica a nota mediana.
Apesar disso, podemos observar que a Câmara se distribuiu de forma bimodal: aqueles que se engajaram, o fizeram de modo a se distribuir em dois grupos de comportamento distinto em relação ao tema educação superior, ciência e tecnologia. Um grupo majoritário de comportamento desfavorável, e outro, minoritário de comportamento favorável.
O comportamento negativo da maior parte da Câmara se reflete na nota partidária. Em geral, parlamentares de partidos considerados de esquerda apresentaram um comportamento mais favorável ao tema. É o caso das cinco únicas legendas que apresentaram média positiva de notas, com destaque para o PCdoB, dono da melhor média na Câmara (3,21), seguido respectivamente por PT, Rede, PSOL e PDT. Os demais partidos apresentaram médias negativas. A nota média positiva dessas legendas decorre, em larga medida, do engajamento de seus parlamentares em discursos na Câmara. No total, o PT foi o partido cujos parlamentares mais proferiram discursos favoráveis ao tema, valendo-se do fato de ter a maior bancada no Congresso na legislatura passada, ao passo que os parlamentares de PSOL, Rede e PCdoB apresentaram as melhores contagens per capita nessa atividade legislativa.
Partido | Parlamentares (N) | Média |
---|---|---|
PCdoB | 12 | 3.21 |
PT | 53 | 2.65 |
REDE | 2 | 2.64 |
PSOL | 6 | 2.14 |
PDT | 17 | 1.73 |
PV | 3 | -0.80 |
PSB | 22 | -0.99 |
PATRIOTA | 1 | -1.15 |
PODE | 9 | -1.81 |
PHS | 2 | -2.41 |
PSC | 9 | -2.57 |
PATRI | 4 | -2.61 |
SOLIDARIEDADE | 8 | -3.13 |
PPS | 5 | -3.95 |
AVANTE | 5 | -3.96 |
CIDADANIA | 4 | -4.01 |
PTB | 13 | -4.10 |
PRB | 6 | -4.54 |
PROS | 10 | -4.63 |
REPUBLICANOS | 9 | -4.91 |
PR | 16 | -4.96 |
PSDB | 38 | -4.99 |
PL | 12 | -5.00 |
DEM | 33 | -5.27 |
PP | 47 | -5.43 |
MDB | 42 | -5.72 |
PSD | 31 | -5.85 |
PSL | 9 | -6.59 |
Entre os partidos que compõem o assim denominado “Centrão”, o comportamento parlamentar médio foi desfavorável ao tema. Há, entretanto, uma variação significativa. Em muitas legendas, parlamentares atuaram de forma destoante da média. Assim, apesar do comportamento médio desfavorável das legendas, não há indícios de exercício de disciplina partidária nesse resultado, o que sugere a possibilidade de ampliação do diálogo sobre o tema com congressistas de diferentes legendas. Parlamentares de algumas agremiações destacaram-se pelos seus discursos contrários ao tema. DEM e PSDB são líderes nesse quesito. Já quando olhamos para os discursos per capita, PPS/Cidadania, PV e PTB são os partidos dos parlamentares que mais se destacaram.
A associação mais forte encontrada nos resultados revela viés de raça e gênero no tema. Negros e mulheres apresentaram um engajamento em média superior a não-negros e homens, respectivamente. Vejamos a distribuição das notas relativamente à dimensão racial.
Os resultados também apontam que parlamentares de escolaridade mais baixa também apresentaram desempenho mais favorável à agenda de ensino superior, ciência e tecnologia. Porém, é importante notar que na legislatura passada apenas 13 parlamentares tinham escolaridade restrita ao fundamental completo ou incompleto, o que não permite afirmações mais conclusivas.
No caso da distinção por sexo, pode-se observar que as deputadas apresentam uma distribuição dispersa pelo ranking, ao passo que os homens estão sobre-representados nas notas negativas.
Além disso, à exceção de MDB e PL, em todos os partidos as deputadas tiveram atuação mais favorável ao tema do que os homens, os quais tiveram notas médias relativamente mais desfavoráveis do que as mulheres.
Assim, apesar das notas majoritariamente desfavoráveis ao tema de ensino superior, ciência e tecnologia entre os parlamentares, há grupos específicos com atuação destacada. O fato de esses grupos constituírem minorias sociais no país é indicativo de que a agenda do ensino superior se confunde com a da democratização da educação. Por isso, é importante levar em conta a configuração da Câmara, oriunda majoritariamente dos estratos privilegiados da sociedade brasileira. Ao mesmo tempo, pode haver outros pontos de contato entre esses grupos e o tema, o que sugere um potencial de ampliação do espaço de diálogo e mesmo da defesa dessa agenda, tais como: a relevância das universidades para os estados dos parlamentares, a importância das universidades e da ciência e tecnologia para o desenvolvimento do país, o impacto do acesso à universidade nas condições sociais e oportunidades de indivíduos de baixa renda e suas famílias.
Postado por OLB em 01/maio/2020 - Sem Comentários
por Debora Gershon e Fernando Meireles
Passados 77 anos da promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a manutenção de direitos trabalhistas é tarefa ainda desafiadora. Nas últimas duas décadas, o Brasil passou por grandes transformações no mundo do trabalho e, por conseguinte, em suas normas regulatórias. Apesar do sentido inequívoco verificado nos últimos anos de flexibilização das regras vigentes, houve também movimentos no sentido inverso, de expansão dos direitos existentes. Recentemente, o tema “trabalho e emprego” assumiu nova proeminência no legislativo, majoritariamente alinhado à ideia de que a legislação atual é enrijecida e, portanto, um obstáculo ao pleno desenvolvimento da economia nacional.
Com o objetivo de identificar o perfil da produção da Câmara dos Deputados a respeito da temática trabalho e emprego, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou 6381 proposições entre 1989 e 2020, selecionadas segundo classificação do setor de documentação da Câmara (ver seção metodologia). O resultado é um balanço inédito sobre a agenda trabalhista da câmara baixa brasileira nos anos seguintes à redemocratização.
Nos últimos 30 anos, 6381 proposições sobre trabalho e emprego passaram pela Câmara dos Deputados, das quais 6014 (94%) são projetos de lei ordinária (PLs), 184 projetos de lei complementar (PLP), 123 propostas de emenda constitucional (PEC) e 64 medidas provisórias (MPV). Em todo o período, o Poder Executivo apresentou somente 150 proposições (2%), enquanto os deputados têm autoria de 92% delas. Demais órgãos da Câmara, Congresso Nacional e Senado Federal são autores das 6% restantes.
Se observado o volume anual de proposições sobre o tema, dois aspectos chamam a atenção. Em primeiro lugar, há um número muito maior de propostas apresentadas no início de cada legislatura. O dado não surpreende, na medida em que também é historicamente maior o volume total de proposições do primeiro ano de mandato, como decorrência, dentre outras razões, do fato de que parlamentares recém-eleitos buscam resultados mais imediatos diante de um eleitorado geralmente ainda atento aos feitos de seus escolhidos. Em segundo lugar, fica evidente o salto no número de proposições apresentadas no ano de 2019, comparativamente ao restante da série. Dos governos retratados na pesquisa, o início do mandato de Bolsonaro destaca-se como aquele em que a Câmara produziu mais projetos sobre trabalho e emprego. Foram apresentadas 542 proposições, um aumento de quase 40% em relação ao primeiro ano da legislatura anterior. Consideradas as preferências políticas dos atuais parlamentares, é possível que esse crescimento já expusesse um ímpeto renovado para flexibilizar a legislação trabalhista.
Por governo, é a partir do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (FHC) que o padrão de atuação legislativa sobre o tema muda, com crescimento expressivo do número de proposições apresentadas na Câmara. De FHC II a Dilma I, mantém-se uma média anual de aproximadamente 230/240 propostas. No segundo mandato de Dilma, com a economia entrando em crise, essa média cresce, embora, no governo de Temer, ela volte ao padrão anteriormente observado em FHC e Lula. Já Bolsonaro apresenta média anual de projetos sobre o assunto maior do que em qualquer outro período da série.
O comportamento da Câmara em cada mandato não dialoga necessariamente com os movimentos de aumento e queda das taxas de desemprego, dado que, embora em momentos de desemprego alto tenha havido certo aumento do número de projetos, a queda do desemprego entre os anos de 2003 e 2014 não se refletiu em diminuição consistente do número de proposições.
Dentre as proposições sobre o tema que tiveram como autor um(a) deputado(a) federal, o partido com maior número de iniciativas é o PT, responsável por cerca de 1 em cada 6 proposições apresentadas por parlamentares. PT, PSDB, MDB e DEM, partidos com grandes bancadas, são juntos responsáveis por quase metade de todas as proposições do período. Destes, PT e MDB são os que mantêm participação mais acentuada ao longo de toda a série.
Para possibilitar uma comparação mais acurada entre os partidos, considerando-se que o número de proposições de cada um deles depende do tamanho de sua bancada, o gráfico abaixo apresenta a média de proposições por parlamentar em cada partido, por governo. As linhas verticais tracejadas indicam a média da Câmara em todo o período, que é de 0.53 proposições por parlamentar/ano.
Os dados mostram que ser governo ou oposição não é fator determinante para que os partidos apresentem proposições sobre o tema. Ideologia e base social, por outro lado, podem explicar a atuação do PCdoB e do PT em quase todos os governos desde 1989, independentemente de sua posição frente ao governo. No segundo governo do PT, o PCdoB, partido governista aliado, apresentou maior média de propostas sobre o assunto, enquanto o PT, por sua vez, manifestou comportamento bastante semelhante nos governos FHC II e Lula I. Ou seja, muito embora o tema possa ser mais afeito a alguns partidos do que a outros, a posição do Executivo, somada a alguns fatores externos conjunturais, parece mobilizar esforços na Câmara de partidos oposicionistas e governistas, simultaneamente, ainda que em direções eventualmente opostas.
A despeito das mais de 6300 proposições sobre trabalho e emprego nos últimos 30 anos, apenas 163 foram transformadas em norma jurídica. Os dois governos de Lula e o primeiro de Dilma são aqueles em que a Câmara aprovou o maior número de mudanças legislativas sobre o tema. Vale ressaltar, no entanto, que muitas das proposições apresentadas na Casa durante o governo de Bolsonaro ainda tramitam no Congresso Nacional.
No que diz respeito à autoria das iniciativas aprovadas no período, destaca-se o Poder Executivo, que aprovou 68 das 150 propostas de sua iniciativa – o que corresponde a uma taxa de sucesso de 45%. Em contraposição, de forma semelhante ao que se observa em outros temas, apesar da maior proatividade na elaboração de projetos, a Câmara transforma em norma jurídica apenas uma ínfima parcela de tudo aquilo que propõe (1,5%).
Dentre os governos do período, considerados, neste caso, apenas os projetos de autoria governamental, o primeiro mandato de Lula novamente se destaca como aquele de maior êxito – foram 21 normas sancionadas frente a um total de 35 proposições enviadas à Câmara (taxa de sucesso de 60%). Dentre as 21 matérias de sua iniciativa que versam sobre o assunto, estão a criação de política de valorização do salário mínimo, a reforma da previdência do setor público, o seguro-desemprego para pescadores artesanais em época de defeso, o reconhecimento formal das centrais sindicais, dentre outras. Dilma II e Temer também tiveram altas taxas de aprovação do que propuseram, embora o número de projetos de sua iniciativa tenha sido incomparavelmente inferior.
Importante ressaltar, contudo, que taxas de sucesso legislativo menores não indicam que os governos tenham sido pouco exitosos na aprovação de medidas de grande impacto sobre as relações de trabalho em âmbito nacional. Nos governos de FHC, por exemplo, houve aprovação de uma série de novas regras de contratação flexível e remuneração, a exemplo do contrato por prazo determinado, do banco de horas e da participação em lucros e resultados; enquanto no governo de Temer foi aprovada uma das maiores reformas trabalhistas dos últimos tempos, com instituição do contrato de trabalho intermitente, regulamentação de terceirização em atividades-fim, ampliação do uso do contrato de trabalho do autônomo sem prazo definido e priorização de acordos de trabalho individuais em detrimentos dos coletivos.
O próximo gráfico apresenta proposições transformadas em normas jurídicas em cada governo. A categoria “Outras” inclui medidas que perderam eficácia, projetos rejeitados, arquivados e com tramitação não finalizada, dentre outras situações do gênero.
Nada menos que 712 proposições sobre trabalho e emprego foram apresentadas na Câmara em menos de 1 ano e meio de trabalho legislativo, dentre as quais se incluem a reforma da previdência e o programa emergencial de suporte a empregos. A média de apresentação de projetos dessa natureza por parlamentar durante a atual legislatura é de 1.36, 2.5 vezes maior do que a média per capita nos 30 anos da série. O quadro é indicativo de que o assunto é, no momento, caro ao parlamento e ao governo. O aprofundamento da flexibilização da legislação trabalhista é uma das bandeiras do ministro da Economia, Paulo Guedes, como também de grande parte da Câmara, embora não sem resistência de partidos de esquerda. Além disso, a necessidade de resposta urgente à crise da Covid-19 tem aumentado o número de medidas sobre o assunto, bem como proporcionado divisão ainda maior do parlamento.
A distribuição partidária dessas proposições, contudo, segue padrão relativamente semelhante ao observado anteriormente. Partidos com bancadas maiores, como PT e PSL, lideram em número de proposições encaminhadas à Mesa Diretora, seguidos por partidos mais à esquerda como PSB e PDT. Ou seja, mantém-se a máxima de que mais deputados produzem mais sobre qualquer tema, bem como o padrão de que a temática em tela não é monopólio de partidos de situação ou oposição. As diferenças nas médias per capita de apresentação de projetos entre eles são muito pequenas – exceção, no entanto, à cargo do Podemos, partido fiel à agenda governamental, que apresenta média por parlamentar muito superior às demais legendas.
Para entender como o plenário da Câmara tem se comportado nas votações sobre trabalho e emprego, selecionamos 50 votações com registro aberto de votos dentre as 78 realizadas entre 2019 e abril de 2020 e utilizamos um algoritmo popular na Ciência Política que mensura as preferências dos parlamentares a partir de seus votos. Como resultado, cada parlamentar foi posicionado em uma escala de -10 a 10, em que -10 indica maior oposição ao governo e 10 maior governismo. A distribuição do plenário nesta escala pode ser vista abaixo.
O resultado indica existirem dois grandes grupos que polarizam as votações sobre o tema no plenário, com preponderância do grupo mais governista. A distância entre os grupos, além disso, é ainda mais saliente pela ausência de um número considerável de parlamentares ocupando o centro do espectro de governismo, embora nem todos os partidos tenham alto grau de coesão do ponto de vista de seu posicionamento frente ao tema.
O comportamento parlamentar no tema trabalhista, portanto, é semelhante ao padrão geral de comportamento da atual legislatura. O gráfico seguinte desagrega a posição de alguns partidos na escala, ajudando a entender o cenário de polarização.
Conforme indica o gráfico, PT e DEM são os partidos mais disciplinados nas votações sobre medidas relativas à trabalho e emprego, dado a pouca dispersão de suas curvas relativamente a outras legendas. Ou seja, são esses os principais partidos estruturados da disputa política em torno de proposições sobre o tema, cujos votos de seus parlamentares apresentam pouca divergência.
Do ponto de vista da localização espacial dos partidos, novamente aqui o centro aparece escassamente povoado, com casos isolados de votos, especialmente do PDT e do PSB. Vale observar, por fim, que a posição do PT não está tão radicalmente à esquerda quanto estão à direita as posições do DEM e do PSL. Isso sugere que parte da polarização observada no gráfico é resultado principalmente do posicionamento desses dois partidos, devendo-se considerar que o PSL vota de forma mais governista que o DEM, embora também menos disciplinada. A proximidade ideológica entre os dois partidos é interessante de se observar, em um momento em que o presidente Jair Bolsonaro encontra enormes dificuldades para formar uma base relativamente coesa.
Um ranking das legendas que ocupam assentos na Câmara, organizadas por posição no eixo governismo, pode ser visto no gráfico abaixo, em que os pontos indicam a posição média de cada bancada, acompanhada de intervalos de confiança de 90%.
O legislativo foi o grande propositor da agenda trabalhista dos últimos 30 anos, embora tenha sido o executivo o poder a definir o sentido das alterações efetuadas nas normas que regulam o mundo do trabalho. Há algumas explicações potenciais para este fato, dentre as quais destacamos duas. A primeira delas é que, ao menos até 2005, o executivo era efetivamente o autor da maior parte de todas as proposições aprovadas na Câmara. O sucesso dos parlamentares na aprovação de seus projetos era muito pequeno em todas as matérias indiscriminadamente. A agenda legislativa era controlada pelo governo. A segunda diz respeito à natureza da própria agenda. Normas que regulam as relações de trabalho têm impacto profundo sobre a vida dos(as) brasileiros(as) e sobre a economia em geral. É assunto que mobiliza esforços de qualquer governo no sentido de reduzir ao mínimo a atuação parlamentar divergente da agenda governamental.
Ao longo de todo o período, a alteração da CLT foi o subtema de maior destaque e o PT o partido que mais proposições apresentou, parte delas dedicada à proteção ao trabalhador, em movimento consistente com a origem sindical do partido. A decisão pela apresentação das propostas não responde à lógica governo-oposição, embora os dados da legislatura atual indiquem que é essa divisão a que dita o comportamento partidário em plenário, com partidos mais ou menos disciplinados. No que diz respeito à aprovação da agenda legislativa sobre o tema, os dois governos de Lula foram o período de maior êxito, sob o ponto de vista do sucesso tanto do legislativo quanto do executivo.
O resultado, no entanto, que mais sobressai na pesquisa é a limitada participação dos(as) deputados(as) federais na legislação efetiva sobre o assunto, comparativamente ao seu esforço de formulação e proposição. É possível que a agudização recente do protagonismo do Congresso passe a produzir resultados diferentes, mas também é imperativo que, do ponto de vista do aumento de sua própria eficiência, a Câmara avalie o custo de se apresentar mais de centenas de projetos sobre determinado assunto por ano, sem que haja trabalho de sistematização, concatenação e priorização da agenda.
Para elaborar este relatório, coletamos um conjunto de informações sobre a atividade legislativa na Câmara dos Deputados. Os dados que utilizamos foram extraídos do Portal de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e processados pela equipe de pesquisadores do OLB. Para calcular as estatísticas descritivas que reportamos nos gráficos, utilizamos o ambiente de programação estatístico R
. Particularmente, utilizamos a classificação feita pelo setor de Documentação da Câmara para identificar proposições sobre trabalho e emprego. Por esse critério, a amostra de proposições que analisamos contém 6381 proposições apresentadas entre 1989 e 17 de abril de 2020.
Para calcular o ranking de governismo sobre trabalho e emprego, coletamos o registro de votações realizadas entre fevereiro de 2019 e abril de 2020 do repositório de Dados Abertos da Câmara. Desse universo, excluímos votações que não tiveram conflito, isto é, votações nas quais não houve sequer 2% de parlamentares que votaram contrários à maioria vencedora – procedimento comum para evitar que votações unânimes entrem no cômputo do governismo. Ao final, a amostra que analisamos contém 45 e votações, que foram então analisadas por meio do algoritmo W-nominate, que extrai dimensões latentes a partir dos dados de votação. Nesse processo, o algoritmo encontra quais dimensões explicam a maior parte da variação nos resultados das votações. Em nossa aplicação, utilizamos a dimensão com maior poder explicativo, a qual interpretamos, com base em em testes adicionais, como sendo governo-oposição. Parlamentares com padrões de votação similares receberam scores similares, enquanto outros com históricos de votos divergentes foram posicionados com maior distância. Para facilitar a exibição dos resultados, transformamos os scores do w-nominate para o intervalo de -10 a 10. Alguns dos gráficos que reportamos no texto exibem funções de densidade, isto é, a probabilidade de que um ou uma parlamentar tenha dado score; valores mais altos indicam que há mais parlamentares com determinado score, e vice-versa.
Postado por OLB em 09/abr/2020 - Sem Comentários
por Debora Gershon
Diante da pandemia de Covid-19, deputados federais e poder executivo, à semelhança do que se observa nas casas legislativas mundo afora, têm apresentado várias proposições na Câmara com o objetivo de enfrentar suas consequências.
De 4 de fevereiro a 31 de março, 293 proposições foram apresentadas com este fim, considerados projetos de lei ordinária (PL), projetos de lei complementares (PLP), medidas provisórias (MPVs) e projetos de decreto legislativo (PDL).
Deste total, 34 projetos têm autoria coletiva, sendo os demais de iniciativa individual. O poder executivo foi responsável pela apresentação de apenas 9 dessas proposições (3%), reafirmando o protagonismo do Congresso — observado desde meados dos anos 2000 — na produção de políticas públicas no Brasil.
Para entender a agenda da Câmara para lidar com a Covid-19, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou os 293 projetos apresentados até 31/03, segundo as seguintes variáveis: tipo; partido de origem e temas específicos de que tratam.
Embora cerca de 90% das proposições apresentadas no período sejam do tipo “projeto de lei ordinária”, há 7 medidas provisórias nesse pacote, cuja iniciativa é prerrogativa do poder executivo. As MPVs produzem efeitos imediatos, mas são transformadas em lei somente após aprovação das duas casas legislativas, em prazo definido, sob pena de perda de sua eficácia.
Das 7 MPVs, 3 abrem crédito extraordinário para os seguintes ministérios: Defesa; Educação e Saúde; Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações; Relações Exteriores e Cidadania. As demais tratam dos temas: flexibilização de legislação trabalhista (MPV 927/2020), aviação civil, acesso à informação, além de medidas gerais de enfrentamento ao vírus, tais como regulação de situações de isolamento social e flexibilização de processos licitatórios. A Câmara já apreciou, com recomendação de aprovação, duas das MPVs publicadas, que abrem crédito extraordinário para Educação/Saúde e Defesa.
Dos 24 partidos com bancada na Câmara, 22 apresentaram projetos para enfrentamento da situação socioeconômica resultante da pandemia atual. PTB e Rede foram os únicos que, até 31 de março, não propuseram ação legislativa relativa ao assunto em projetos de iniciativa individual. A Rede participa de um único projeto de autoria coletiva.
O PT foi o partido que mais apresentou projetos no período (cerca de 20%), seguido pelo DEM (11%). O PSL, que possui 53 deputados em exercício (mesmo número de deputados em exercício do PT), tem autoria de somente 8% do total de proposições.
Projetos de autoria coletiva também se destacaram dentre as proposições apresentadas, somando 12% do total. A maior parte desses projetos (56%) é assinada por coalizões de partidos posicionados mais à esquerda do espectro político-ideológico da Casa. Coalizões mais à direita e mistas têm autoria de 32% e 12% dos projetos coletivos, respectivamente.
A oposição, portanto, tem tomado a frente das iniciativas parlamentares sobre a Covid-19. Os 5 partidos mais oposicionistas da Casa (PT, PSOL, PCdoB, PSB e PDT) assinaram, juntos, cerca de 40% dos projetos sobre o tema.
Para classificação temática das proposições, os 293 projetos analisados foram agrupados em 15 assuntos, conforme gráfico abaixo. O tema “proteção aos vulneráveis” representa 21% do total, destacando-se aí projetos de atenção à população de baixa renda e ao trabalhador formal. Apenas um projeto legislativo trata, no entanto, da população de baixa renda que reside, especificamente, em favelas e periferias. Agricultores e trabalhadores domésticos também têm recebido pouquíssima atenção do parlamento.
O segundo maior grupo de projetos específicos da Câmara trata do tema “mudanças contratuais – serviços, locações, financiamentos e empréstimos” (15%). Das 43 propostas relativas ao assunto, metade proíbe a interrupção de serviços essenciais à população. A Câmara também tem se dedicado a propor “medidas gerais para enfrentamento da pandemia”. Aí se enquadram projetos de assuntos diversos, tais como: antecipação de feriados; proibição de greves em serviços essenciais; e alteração de data para entrega de IR. Há 15 projetos (5% do total) que pretendem reduzir, temporariamente, salários e subsídios recebidos por deputados, senadores e gestores executivos, a maior parte deles proposta pelo DEM. O adiamento das eleições municipais foi proposto exclusivamente pelo PL.
As seções acima identificam siglas mais propositoras (incluindo o executivo) e temas mais comumente tratados, restando, portanto, analisar como essas duas variáveis se relacionam. A figura abaixo permite justamente observar essa relação. A espessura das conexões denota maior proporção de projetos sobre o assunto.
Embora se note, pela figura, que os 22 partidos propuseram projetos sobre assuntos variados, alguns vêm mantendo agenda mais coesa em torno de tema específico, como é o caso do PT. Grande parte das propostas de autoria de deputados petistas trata da “proteção aos vulneráveis”. Dentre os projetos de iniciativa coletiva, que, conforme observado anteriormente, são majoritariamente de autoria de coalizões de esquerda, a atenção também é proporcionalmente maior ao tema.
Com a Figura 2., obtém-se perspectiva distinta sobre a mesma relação propositores-temas. Nela é possível observar como os partidos se aproximam entre si, em virtude da semelhança temática dos projetos apresentados por seus deputados. As cores, na figura, representam comunidades afins, ou seja, denotam duas comunidades de partidos que apresentaram projetos sobre as mesmas temáticas. A proximidade entre os partidos denota a intensidade dessa relação.
Pela figura exposta, embora não haja distinção exata entre temas propostos por partidos governistas e oposicionistas, ainda é essa a divisão que parece melhor explicar a agrupamento partidário em torno de determinados assuntos.
O andamento da agenda
Dos 293 projetos aqui referidos, 2 foram transformados em norma jurídica e 10 foram aprovados na Câmara em sistema de votação remota, que mantém o Congresso em atividade, embora em ritmo mais lento. Do dia 31 de março para cá, mais de 200 novas proposições foram apresentadas na Casa. O presidente, Rodrigo Maia (DEM-RJ), vem cobrando do governo um pacote integrado de soluções contra a crise, motivo pelo qual se espera que o próprio legislativo agrupe projetos de objetivos semelhantes para garantia de maior celeridade na votação. O impacto socioeconômico do coronavírus, no entanto, já é imediato para uma série de grupos sociais e setores econômicos e requer planejamento urgente do Parlamento no que diz respeito à priorização da sua agenda. Anos eleitorais, em geral, são caracterizados por atividade legislativa menos intensa. A dimensão da crise atual pode modificar esse padrão, chamando os parlamentares à ação. É necessário, contudo, um alto grau de coordenação e de liderança para que o Legislativo possa produzir resultados eficazes, especialmente em contexto no qual o executivo mostra incapacidade de liderar uma campanha nacional de resistência à pandemia.
Postado por OLB em 08/mar/2020 - Sem Comentários
Nas eleições de 2018, 77 mulheres foram eleitas para a Câmara dos Deputados, ou 15% do total. O número baixo representa uma melhora com relação à história do país, tendo em vista que, desde 1933 – primeiro ano de uma mulher na Câmara –, esse percentual não ultrapassou 10%. Ainda assim, é inegável o quadro de profunda dominância masculina na Casa, o que deixa o Brasil bem abaixo da média de representação de mulheres nas câmaras federais de países da América Latina e Caribe, de cerca de 30%. A sub-representação feminina na história da Câmara dos Deputados no Brasil é evidente no número de cadeiras ocupadas, mas também em outras diversas dimensões da vida parlamentar.
Com o objetivo de identificar e analisar a posição das mulheres na nossa câmara baixa, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) coletou e analisou um conjunto de dados e informações sobre o Congresso Nacional. O resultado é um painel detalhado sobre a participação política da mulher, que nos ajuda a entender os entraves micro institucionais que continuam a dificultar a atuação de mulheres na política, mesmo após as eleições.
Ao longo da maior parte da história da Câmara dos Deputados, apenas homens exerceram o mandato de Deputado Federal. Mulheres puderam votar e ser votadas a partir de 1932, mas isso não lhes garantiu representação equitativa. Desde 1826, 7.333 homens exerceram mandato na Câmara, contra 266 mulheres.* Em meados da década de 1990, foi criada a primeira iniciativa com o objetivo de mitigar essa desigualdade: partidos e coligações foram obrigados a reservar 30% de suas vagas para candidaturas femininas. A norma não teve efeito prático imediato e somente a partir de 2009 é que eles de fato passaram a efetivamente cumprí-la. Em 2018, mais uma ação importante foi realizada na direção de garantir maior representatividade feminina na política: o STF e o TSE garantiram recursos às candidatas, por meio da exigência de que fossem alocados em suas candidaturas pelo menos 30% dos fundos partidário e eleitoral e do tempo de propaganda política. Isso parece ter efetivamente contribuído para o pequeno avanço verificado nas últimas eleições.
Vencida a barreira da eleição, as mulheres também enfrentam mais dificuldades do que os homens para permanecerem na Câmara. Desde 1990, os tempos médios de mandato de homens e mulheres chegaram a se equipar, mas antes disso as carreiras das mulheres eram quase 40% mais curtas do que as carreiras masculinas, o que pode sugerir dificuldade de repetição da vitória nas urnas e/ou a existência de barreiras à própria re-apresentação de candidaturas femininas.
Para além das barreiras eleitorais à representação das mulheres, verificamos também desigualdade aguda na própria composição dos postos de comando da Câmara. Desde 1999**, apenas quatro mulheres ocuparam assentos na Mesa Diretora – instância colegiada responsável pela condução dos trabalhos legislativos. Isso representa 1,5% de todas as deputadas federais do Brasil. Antes de 1999, nenhuma havia assumido essa função. A Câmara, além disso, jamais foi presidida por uma mulher.
O quadro é semelhante quando observadas as comissões permanentes. A sub-representação numérica das mulheres está expressa no fato de que elas somam apenas 10% do total de presidentes dos últimos 20 anos. Ressalta-se que o aumento da proporção de mulheres eleitas em 2018 não implicou em aumento correlato do número de presidências de comissões ocupadas.
Ademais, são reservadas às mulheres a presidência de comissões mais específicas e com menor amplitude de competências, à exemplo da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER). São nessas comissões, geralmente associadas às temáticas sociais e culturais, que as mulheres também se concentram como membros. Nas duas principais comissões da Casa – a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) e a Comissão de Finanças e Tributação (CFT) – a proporção de participação feminina é inferior à 10%. Mulheres nunca assumiram a presidência de nenhuma dessas duas comissões.
O quadro não passou despercebido pelas parlamentares. Em 2006, a Deputada Luiza Erundina apresentou, na Câmara, uma PEC (590/2006) que pretendia assegurar ao menos uma vaga para deputadas na Mesa Diretora das duas casas legislativas, bem como em todas comissões. A iniciativa foi aprovada pela Câmara, mas sequer foi à votação no Senado.
O controle masculino das posições estratégicas na Câmara também se manifesta nos pareceres emitidos. A relatoria de um projeto é de extrema importância no processo legislativo, motivo pelo qual a designação de relatores está no centro da disputa entre partidos e coalizões. Por meio da emissão de um parecer, o relator(a) subsidia e informa outros parlamentares acerca dos propósitos e riscos de uma dada proposição, influenciando sobremaneira o resultado da votação. Em alguns casos – como na tramitação da Reforma da Previdência – a emissão de um parecer funciona como um holofote sobre o mandato.
Mais uma vez, aqui, a distribuição de pareceres às mulheres é proporcional ao tamanho de sua bancada, mantido o padrão desigual de sua representação. De todos os pareceres emitidos na Câmara desde 2001, pouco mais de 10 mil (12%) foram produzidos por mulheres.
A baixa presença das mulheres na Câmara, naturalmente, também se reflete na quantidade de projetos por elas apresentados. Nos últimos 20 anos, cerca de 90% do total dos projetos encaminhados à Mesa é de autoria masculina, a despeito do fato de que as mulheres não se diferenciam dos homens no que se refere à média de projetos que apresentam – ao contrário, a média per capita de projetos de autoria feminina é um pouco maior, (6.1 por ano, contra 5.9 de projetos apresentados por homens). Ou seja, esse quadro é resultado direto do número desigual de deputadas e deputados.
Ainda assim, a despeito da sub-representação numérica, nossos dados indicam que um projeto de autoria feminina tem probabilidade maior de aprovação do que um projeto de iniciativa masculina – 2% contra 1,5%. Em outras palavras, as chances de uma deputada aprovar um projeto seu são 33% maiores quando comparadas às chances de um deputado ter seu projeto aprovado. Os dados levantados não são suficientes para explicar a razão dessa maior eficiência. Uma investigação de maior fôlego deve levar em conta decisões estratégicas das deputadas, seu engajamento para aprovação de seus projetos – considerando-se inclusive que elas têm maior presença em plenário do que os homens (77% contra 73%) – e os temas sobre o qual legislam, dentre outros fatores possíveis, que permitam conhecer melhor o lugar ocupado pela bancada feminina na Câmara.
O trabalho de um parlamentar é, em grande medida, viabilizado pelos recursos de que ele dispõe. Uma das principais fontes de financiamento dos gabinetes na Câmara é a Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar (CEAP) – uma cota única mensal, cujo valor máximo varia conforme preços da unidade da federação, destinada exclusivamente a gastos relacionados à atividade legislativa, como o próprio nome já diz.
Analisar o bom uso da verba por cada parlamentar, portanto, depende da avaliação do perfil de cada deputado(a), da natureza de sua produção, bem como do tipo de relação estabelecida com sua base eleitoral. Não é este aqui o nosso propósito. De qualquer forma, comparar dados gerais nos permite identificar algumas prioridades dos mandatos. Nos últimos 10 anos, mulheres gastaram em média, em um ano, cerca de R$ 8 mil reais a mais do que os homens, e essa diferença se justifica quase que exclusivamente pelo investimento que elas fazem em formação.
Mulheres gastam mais do que o dobro de recursos com custeio de sua participação em cursos, palestras e eventos similares, conforme se observa no gráfico abaixo, devendo-se ressaltar que o reembolso deste tipo de gasto requer que os parlamentares não faltem sessões de plenário, nem reuniões das comissões a que pertencem. Os homens, por sua vez, gastam mais do que as mulheres em praticamente todos os demais itens de despesa que podem ser enquadrados no uso da cota parlamentar.
A sub-representação da mulher na Câmara, que tem no seu centro o baixo número de assentos que elas ocupam, se espalha por praticamente todas as dimensões da vida parlamentar, incluindo a ocupação de postos-chave no processo legislativo como a presidência, a Mesa Diretora e a presidência e relatoria de comissões. A casa parece ser incapaz de corrigir essa distorção por meio de seu regramento interno, além de não ter poder para interferir diretamente no resultado produzido pelo processo eleitoral, que é altamente desigual. As atividades que envolvem intermediação/apoio de partidos e lideranças ou mantêm ou aprofundam a desigualdade já expressa pelo número de assentos conquistados. Nossos dados são um pouco mais animadores quando se observa a probabilidade de uma mulher aprovar proposição de sua autoria, mas eles ainda não nos permitem formular uma explicação.
A solução para desigualdade tão complexa deve incluir não somente a criação de regras internas de promoção da igualdade de gênero no parlamento como também regulação do processo político-eleitoral a fim de impedir que as mulheres sejam vitimadas por discriminações. Uma coisa é certa, a sub-representação de mulheres em espaços de poder tem reflexo profundo sobre a natureza e o conteúdo das políticas públicas que regulam nossa vida coletiva.
Para elaborar este relatório, coletamos um conjunto de informações sobre a atividade legislativa na Câmara dos Deputados. Os dados que utilizamos foram extraídos do Portal de Dados Abertos da Câmara dos Deputados e processados pela equipe de pesquisadores do OLB. Para calcular as estatísticas descritivas que reportamos nos gráficos, utilizamos o ambiente de programação estatístico R
[R version 3.6.0 (2019-04-26)]. Em todas as análises, retrocedemos no tempo o quanto os dados disponibilizados nos permitiram – em cada gráfico, indicamos os períodos abarcados. Em todas as análises que envolvem valores em reais, as quantias reportadas foram corrigidas pelo IPCA de janeiro de 2020.
** Ao longo do texto, analisamos períodos de tempo diferentes em função da disponibilidade de dados sobre a atuação parlamentar no Repositório de Dados Abertos da Câmara. Para mais detalhes sobre a metodologia, ver a última seção.
Postado por OLB em 28/jan/2020 - Sem Comentários
No primeiro ano de mandato do presidente Jair Bolsonaro, noticiou-se amplamente o fato de o presidente e sua equipe não terem organizado uma coalizão parlamentar sólida de apoio ao governo. Com o objetivo de analisar se essa mudança produziu efeitos no Congresso, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) mediu e analisou as taxas de governismo dos parlamentares ao longo de 2019.
Medir o apoio dado por cada parlamentar ao governo em votações nominais é tarefa difícil. Votações unânimes de nada servem para discriminar taxas de governismo, ao passo que votações mais apertadas normalmente revelam maior esforço de coordenação por parte da base governista. Afinal, são as matérias conflituosas que revelam as divisões entre governo e oposição, e muitas vezes, nesses casos, um único voto decisivo em favor do governo pode importar mais do que vários outros desfavoráveis.
Para medir o nível de governismo revelado pelos congressistas por meio dos votos nominais dados no plenário em 2019, usamos um algoritmo consolidado na Ciência Política que diferencia votos e votações por ordem de importância (ver seção de metodologia, abaixo). O resultado é um ranking que permite posicionar os parlamentares numa escala que varia de 0 a 10. Notas próximas de 10 indicam atuação mais favorável à posição governista, as próximas de 0, uma atuação mais oposicionista.
Nossa análise mostra um número expressivo de parlamentares com altas taxas de governismo, de modo semelhante à observada no primeiro ano dos mandatos de Lula e Dilma, de acordo alguns estudos da área. Na Câmara, dos 534 Deputados e Deputadas Federais que tiveram votos nominais registrados, incluindo suplentes que assumiram mandatos, nada menos que 73.4% tiveram notas maiores que 7 no ranking. Arredondando as notas dos Deputados e Deputadas, o gráfico abaixo exibe claramente a magnitude do apoio ao governo.
No Senado, o governismo também é elevado, conforme observado no gráfico abaixo. Nada menos que 20 senadores atingem a nota máxima no ranking, e 19 chegam bem perto disso. Quase 50% dos 85 senadores que tiveram votos nominais registrados têm notas 9 ou 10 no ranking do OLB.
Embora não tenha havido uma estratégia clara de organização de uma base de apoio por parte do Planalto, os dados acima permitem observar que, nas duas casas legislativas, há um grande contingente de parlamentares que votou de forma consistente com a agenda da maioria governista. Isto é, há um bloco parlamentar no Congresso que apoiou o governo de forma confiável ao longo do primeiro ano do mandato de Bolsonaro. Entretanto, quando analisamos os resultados por partidos, nossos dados indicam não apenas uma divisão entre governo e oposição, mas uma distinção entre três grupos específicos: partidos mais governistas, como PSL e o Novo; partidos mais oposicionistas, como PSOL e PT; e um grande número de partidos que manifestam um grau considerável de governismo nas votações, mas menor do que o de partidos do primeiro grupo.
O gráfico a seguir posiciona cada um dos partidos na Câmara dos Deputados pela nota média de seus membros no ranking.
Diferentemente da Câmara, no Senado não há partidos mais ao centro do ranking. Na câmara alta há uma divisão mais simples e nítida entre partidos mais e menos governistas, o que sugere um comportamento polarizado dos senadores em boa parte das votações nominais de 2019.
Além das taxas de governismo, avaliamos como os partidos têm manejado a disciplina de seus parlamentares no que diz respeito à sua relação com o governo. Alguns partidos conseguem impor maior disciplina nas votações em plenário, impedindo dissidências e votos desviantes. Isso pode indicar maior coesão dos quadros ou assertividade das lideranças partidárias em sua decisão de apoiar ou não o governo em cada matéria. Quando há maior disciplina, as notas do ranking de membros de um mesmo partido tendem a ser bastante próximas.
Segundo os nossos dados, são poucos os partidos cujos parlamentares têm notas similares. A maior parte deles é caracterizada por diferenças de posicionamento entre seus parlamentares e ocorrência de votos contrários ao posicionamento majoritário das bancadas. Na Câmara, apenas o PSL atinge um nível de disciplina elevado no quesito governismo, a despeito dos conflitos internos pelos quais o partido passou ao longo do ano. Já o principal partido de oposição, o PT, que manifesta comportamento geral decididamente contrário à agenda governista, apresenta um grau menor de coesão partidária, com parlamentares que vão da oposição moderada à mais radical.
Na Câmara, os parlamentares com atuação mais governista são do PSL e do NOVO, com destaque para nomes mais conhecidos como os de Nereu Crispim (PSL-RS), Gurgel (PSL-RJ), Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PSL-SP) e Bia Kicis (PSL-DF). Já na oposição, os parlamentares mais radicalmente contrários ao governo são os do PSOL, com destaque para Ivan Valente (PSOL-SP), Áurea Carolina (PSOL-MG) e Talíria Petrone (PSOL-RJ).
Já no Senado, apenas um senador do PSL está entre os 10 mais governistas, Soraya Thronicke (PSL-MS). Na base de apoio ao governo, também se destacam representantes de outros partidos como Luis Carlos Heinze (PP-RS), e Sérgio Petecão (PSD-AC). Os senadores Randolfe Rodrigues (REDE-AP), Paulo Paim (PT-RS) e Jacques Wagner (PT-BA), por sua vez, aparecem no ranking como os aqueles que mais fizeram oposição à agenda governista, com notas muito próximas de zero.
A análise das votações nominais de 2019 revela significativo apoio do Congresso ao governo. Diante do frágil trabalho de articulação promovido pelo governo, a explicação mais razoável para tal fenômeno é a existência de coalizões legislativas organizadas em torno de uma agenda comum entre legislativo e executivo. Ainda assim, é importante pontuar que a dinâmica na Câmara dos Deputados revela desafios para o governo nos próximos anos. Apenas PSL e Novo mostraram-se absolutamente leais ao Planalto. O terceiro bloco que surgiu em nossas análises, marcado por grau moderado de governismo, é composto por partidos mais sensíveis à influência do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), mas que apresentam comportamento também mais independente e, portanto, mais imprevisível. Caso, no entanto, a agenda desse bloco legislativo, principalmente no que toca a pauta econômica, prossiga convergindo com a agenda do governo, a tendência é que não haja grandes alterações nessa tendência de comportamento governista. No Senado, diferentemente, o comportamento dos parlamentares é mais polarizado, com maior proximidade entre o PSL e os partidos de centro-direita na defesa da agenda do governo.
Mesmo com as nuances apontadas, nossa análise mostra que o conflito entre governo e oposição foi a principal dimensão a organizar o Congresso no primeiro ano de governo Bolsonaro, com considerável vantagem para os blocos alinhados com o governo, que formam maioria clara nas duas casas legislativas.
Para calcular o ranking de governismo na Câmara dos Deputados e no Senado, coletamos informações sobre todas as votações nominais (i.e., aquelas nas quais parlamentares têm seus votos registrados em plenário) no ano de 2019. Em uma segunda etapa, excluímos votações que não tiveram conflito, isto é, votações nas quais não houve sequer 2% de parlamentares que votaram contrários à maioria vencedora – procedimento comum para evitar que votações unânimes entrem no cômputo do governismo. Ao final, a amostra que analisamos contém 252 e votações na Câmara e 28 no Senado.
Com os dados organizados, implementamos o algoritmo W-nominate, que extrai dimensões latentes a partir dos dados de votação. Nesse processo, o algoritmo encontra quais dimensões explicam a maior parte da variação nos resultados das votações. Em nossa aplicação, utilizamos a dimensão com maior poder explicativo, a qual interpretamos, com base em em testes adicionais, como sendo governo-oposição. Parlamentares com padrões de votação similares receberam scores similares, enquanto outros com históricos de votos divergentes foram posicionados com maior distância. Para facilitar a exibição dos resultados, transformamos os scores do w-nominate para o intervalo de 0 a 10.
Para mais detalhes sobre a metodologia, ver Congress: A Political-Economic History of Roll Call Voting, escrito pelos cientistas políticos americanos Keith Poole e Howard Rosenthal.
Postado por OLB em 25/nov/2019 - Sem Comentários
Como estão atuando as Deputadas e Deputados Federais negros (pretos e pardos) nessa nova legislatura? Usando a autodeclaração de identidade racial, fornecida pelos candidatos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) no momento de seu registro para o pleito de 2018, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) avaliou as métricas de produção legislativa dos congressistas em 2019, primeiro ano da atual legislatura. Considerando os parlamentares titulares e os suplentes que exerceram mandato na Câmara até o momento, são 407 aqueles que se autodeclaram brancos, 2 que se autodeclaram amarelos, 109 pardos, 22 pretos e um indígena.
O resultado da análise mostra que em atividades que dependem apenas de iniciativa individual, parlamentares negros têm desempenho melhor ou igual ao dos brancos. No gráfico abaixo, em que foi calculado a média de projetos de leis introduzidos por deputadas e deputados, é possível observar que os pretos obtiveram 8,7, praticamente empatados com os brancos, com 8,8. Já os parlamentares pardos apresentaram uma média de projetos ligeiramente maior, 9,2.
No quesito emendas a proposições verificamos dinâmica semelhante, com a média de brancos e pardos praticamente igual, 153 e 156, respectivamente, e média de emendas de pretos significativamente maior, 196.
Ao se analisar a apresentação de requerimentos de informação, a atividade de pretos e pardos é ligeiramente superior à de parlamentares brancos. Esse tipo de proposição é muitas vezes utilizado por parlamentares para terem acesso a dados do governo e podem, assim, indicar atuação em favor de maior transparência do Estado e de suas políticas públicas. Nesse quesito, observa-se na atual legislatura uma média de 5.5 requerimentos de parlamentares pretos, 4 requerimentos para pardos, e apenas 3.3 para os brancos, conforme o gráfico abaixo.
O relativo equilíbrio verificado acima entre os grupos de raça não se reproduz quando a participação de parlamentares não depende exclusivamente de iniciativa individual, mas sim da intermediação de partidos e lideranças. É o caso, por exemplo, das indicações de relatorias.
Todas as proposições de lei devem passar por comissões temáticas no curso de sua tramitação, onde são avaliadas, possivelmente alteradas e votadas antes de chegar ao Plenário. Quando um projeto de lei é enviado a uma comissão, o presidente daquela comissão nomeia relator, que é responsável por produzir o parecer (relatório) que será ao final votado pelos pares da comissão. Os parlamentares responsáveis por produzir relatórios sobre proposições de lei podem favorecer (ou atrapalhar) a tramitação de um projeto, bem como direcioná-lo. Ou seja, a posição de relator é estratégica e sua indicação cabe a alguém em posição de poder na estrutura partidária do parlamento.
Esses dados refletem, em parte, a própria composição das comissões na Câmara dos Deputados, a qual também depende de indicações de lideranças de bancada. Em comissões centrais na Câmara dos Deputados, como a Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJC) e a Comissão de Finanças e Tributação (CFT), que avaliam respectivamente a constitucionalidade das proposições e sua adequação financeira, há representação ínfima dos parlamentares negros. Por exemplo, na CCJC, há apenas um parlamentar dentre os 22 que se autodeclararam pretos. Das comissões consideradas mais importantes, apenas a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), responsável pela proposições ligadas à área social, verifica-se representação de parlamentares negros um pouco mais significativa.
Esses dados apontam para o fato de que a população negra do Brasil, como já é fato conhecido, não apenas está sub-representada no Congresso de forma geral como, no âmbito da Câmara dos Deputados, seus representantes têm menor acesso a posições estratégicas, em larga medida controladas pelas lideranças. Nossos dados não nos permitem examinar as causas dessa dupla discriminação. Elas certamente são complexas e dizem devem estar relacionadas tanto aos processos eleitorais-partidários como às dinâmicas internas à Câmara dos Deputados. Por outro lado, não precisamos ter um conhecimento perfeito e profundo das causas para criar mecanismos para mitigar tamanha desigualdade.
Postado por OLB em 22/nov/2019 - 1 Comentário
A Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) é uma das mais importantes comissões da Câmara dos Deputados. Seu principal objetivo é deliberar sobre a adequação das proposições legislativas à Constituição, além de discutir mérito de assuntos específicos regimentalmente definidos. Praticamente todos os tipos de projetos – independente do tema – passam por ela. Por essa razão, há disputa partidária acirrada pela definição da composição e escolha do presidente da comissão.
Eleito pelos membros, geralmente após acordo já firmado entre as lideranças, é o presidente da CCJC quem tem a prerrogativa de designar relatores que emitirão parecer, favorável ou contrário, sobre todas as proposições apreciadas no órgão. Essa é uma decisão estratégica que pode facilitar ou dificultar sobremaneira a tramitação de um projeto na Câmara. A distribuição de relatorias está no centro da disputa pelo controle de agenda da comissão por parte do Executivo, de coalizões governistas e da oposição.1
Com o objetivo de identificar padrões na distribuição de relatorias em diferentes governos, bem como de observar o padrão seguido pela atual legislatura na comparação com as demais, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) analisou 22783 designações de relatorias na CCJC de 1995 a 2019. Foram 12493 proposições relatadas2 por 726 deputados, considerados projetos de emenda constitucional (PEC), projetos de lei ordinária (PLs), projetos de lei complementar (PLV) e medidas provisórias (MPV). Para facilitar a comparação entre governos, as análises abaixo consideram os 9 primeiros meses de cada um dos seguintes mandatos presidenciais: FHC I, FHC II, Lula I, Lula II, Dilma I, Dilma II, Temer e Bolsonaro.
Dentre os 8 mandatos analisados, o de Bolsonaro destaca-se como aquele em que houve maior atividade na CCJC, seguido imediatamente por Lula I. Já os dois mandatos de FHC coincidem com os dois períodos em que há menor número de proposições distribuídas na comissão.
Nos governos FHC I e FHC II, o partido mais central –- que mais recebeu relatorias na CCJC – foi o PP, partido de sustentação do governo. Há diferenças, contudo, nos padrões observados nesses 2 mandatos. Em FHC I, há preponderância de partidos governistas, mas sem centralização no partido do presidente. Em FHC II, o PP mantém-se como partido central, mas o PSDB ganha destaque. Além disso, mais partidos passam a relatar proposições em aparente mudança na correlação de forças e estratégia de condução dos trabalhos da comissão.
Em Lula I, a centralidade do PT é expressiva nas relatorias da CCJC. O partido possui 1.8 vezes mais relatores que o PP – segundo partido mais central. Em Lula II, o PT perde centralidade em favor do MDB, recém-chegado à coalizão, e do PR, aliado formal do governo desde sua fundação. Tal qual no primeiro mandato de FHC, as relatorias estão preponderantemente nas mãos da coalizão governamental.
Com padrão bastante semelhante ao governo Lula I, o primeiro mandato de Dilma concentra relatorias majoritariamente no partido da presidente e, em seguida, em partidos aliados (PMDB e PP). Em Dilma II, há mudança de cenário. Com o isolamento do PT após eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a presidência da Câmara, os relatores da CCJC estiveram concentrados em partidos oposicionistas ou mais à direita da coalizão. O DEM relata 3.5 vezes mais projetos que o PT, evidenciando dificuldades no controle da comissão por parte da base governista.
No Governo Temer, os partidos mais centrais foram DEM e PP, ambos fiéis ao governo, seguidos pelo MDB do presidente. A designação de relatores segue padrão semelhante ao observado em FHC I e II e Lula II – relatorias concentradas na base governista, mas dispersas em partidos diferentes.
Por fim, no mandato Bolsonaro há retomada e aprofundamento do padrão observado em Lula I e Dilma I. Até outubro de 2019, a CCJC distribuiu proporcionalmente mais relatorias a deputados filiados ao partido do presidente do que em qualquer outro mandato (46%). O PSL teve 2.7 vezes mais relatores que o DEM, segundo partido central, e 4 vezes mais que o PDT, único partido não alinhado às preferências governamentais que figura entre as 5 agremiações com mais relatorias. Além da concentração no partido do presidente, verifica-se um isolamento sem precedentes dos partidos oposicionistas na comissão.
Relativos aos últimos 24 anos, os dados revelam forte controle governamental de uma das atividades de maior importância na CCJC – a definição do relator, com destaque maior ou menor para partidos do presidente ou de sua coalizão e espaço maior ou menor para a oposição. A exceção fica por conta do governo Dilma II, quando o PT perde o controle da base governista na Câmara logo no início do mandato. Uma eventual saída de Bolsonaro do PSL pode provocar mudanças na distribuição de poder atual da comissão, mas é pouco provável que o cenário se modifique radicalmente no curto prazo.
1 A quantidade de vagas da CCJC na Câmara, diferentemente do Senado, não está fixada no regimento. É definida no início de cada sessão legislativa em função do número de comissões permanentes, respeitados o tamanho da bancada dos partidos e a indicação nominal dos líderes partidários. A designação de relatorias, portanto, é uma escolha que se faz em universo de partidos proporcionalmente representados.
2 A diferença entre o número de relatores e de proposições legislativas deve-se ao fato de que a CCJC, em determinados assuntos, emite parecer sobre admissibilidade mas também sobre mérito da proposição.
Postado por OLB em 25/out/2019 - Sem Comentários
Novo ranking produzido pelo Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) avalia o comportamento parlamentar de deputados no tema Direitos da Infância e da Adolescência. Produzido em parceria com o Instituto Alana, ele se soma aos rankings de Mudanças Climáticas e de Ciência e Tecnologia no esforço de analisar como deputados efetivamente atuam dentro do Congresso em temas de interesse da sociedade civil. Como ainda não temos um acúmulo de tramitação legislativa suficiente nessa nova legislatura, o ranking refere-se à legislatura de 2015-18.
Os projetos considerados na avaliação do comportamento parlamentar incluem temas como redução da maioridade penal, direito à educação, direitos de mães e gestantes, entre outros que podem ser verificados aqui. A metodologia adotada permite avaliar não apenas a valência do comportamento parlamentar (se favorável ou contrário), mas quão intensamente deputados e deputadas se engajaram no tema. Em suma, os primeiros colocados não apenas são mais favoráveis ao tema, mas também fazem isso de forma intensa, participando da tramitação legislativa de vários projetos relacionados a esse tema. De maneira análoga, os piores colocados são aqueles que não apenas se posicionaram contrariamente ao tema, como apresentaram maior engajamento nesse sentido.
O tema “Direitos da infância e da adolescência” tem particularidades que devem ser destacadas. A primeira delas é que, embora o Congresso se divida em dois grupos distintos de deputados e deputadas que agem a favor ou contra o tema, essa divisão não se explica totalmente em termos partidários. Considerando que as notas do ranking variam entre 10 (atuação favorável ao tema) e -10 (atuação contrária ao tema), quatro partidos, hoje oposicionistas, apresentaram nota média de atuação positiva acima de 3: PSOL, PCdoB, Rede e PT. Entretanto, o oposto não se verifica: entre os demais partidos, pode-se observar uma leve tendência de atuação negativa, mas em intensidade significativamente menor do que dentre os que atuam favoravelmente, nunca inferior a -2. A exceção é o Patriota, que, entretanto, tinha bancada pouco expressiva na legislatura passada, que serviu de base ao ranking:
Isso significa que nos partidos de atuação negativa, nem todos os parlamentares se engajaram efetivamente contra o tema: ou não se engajaram suficientemente nessa direção, ou mesmo podem ter atuado de forma positiva. Os parlamentares que têm atuação consistentemente negativa no tema em alguma medida o fazem independentemente da organização partidária, recrutando outros parlamentares de diversas organizações sem comprometê-las integralmente com uma agenda negativa no tema “Direitos da Infância e da Adolescência”.
Quando analisamos o comportamento parlamentar levando em conta seu sexo, entretanto, uma diferença mais nítida aparece: mulheres tendem a se engajar favoravelmente ao tema mais do que os homens, independentemente de seu partido. Ou seja, em praticamente todos os partidos, as mulheres apresentam uma média de atuação mais favorável e mais engajada do que aquelas dos homens.
Não é possível apenas por meio do ranking averiguar as causas dessa diferença, mas esse dado é relevante e deve servir de base para outros estudos sobre o tema. Para as organizações que atuam em favor dessa agenda, o melhor caminho para ampliar o apoio para além do grupo oposicionista é apostar na atuação de deputadas de outros partidos, mesmo que ideologicamente mais conservadores.
Postado por OLB em 05/set/2019 - Sem Comentários
Completados 8 meses de mandato, a relação entre o governo de Jair Bolsonaro e o Congresso Nacional ainda é marcada pela incerteza. Com poucas indicações partidárias, o Presidente abriu mão de organizar uma maioria governista no Legislativo e tem apostado na coincidência entre sua agenda econômica e aquela defendida pela maioria dos parlamentares, como na reforma da previdência ao longo do primeiro semestre. Há indícios, contudo, de que não é essa a tônica em outros temas e de que a nova diretriz da articulação política do Planalto pode estar afetando sua relação com o Congresso.
Com o intuito de analisar as relações entre Legislativo e Executivo neste início de mandato, o Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB) levantou os decretos executivos emanados do Planalto nos primeiros meses do primeiro mandato de Lula, Dilma e Bolsonaro, bem como os projetos de decretos legislativos da Câmara dos Deputados que têm por finalidade sustar atos normativos do Executivo nesses períodos.
Decretos executivos são instrumentos normativos de que dispõe a Presidência da República e que não precisam de aprovação do Legislativo. Servem para regulamentar leis e dispor sobre a organização da administração pública. Dessa maneira, o recurso a decretos é estratégia frequente de governos que almejam depender menos de maiorias congressuais. Por sua vez, os projetos de decreto legislativo (PDL) podem sustar atos normativos do Executivo e indicar, assim, tensão entre os dois poderes.
Nosso levantamento traz pistas importantes sobre o tema. A primeira delas é o número considerável de decretos editados pelo Executivo no início de governo Bolsonaro: 323, contra 253 de Lula e 131 de Dilma, no mesmo período de seus primeiros mandatos. É possível, entretanto, que esse número elevado decorra de mudanças de natureza regulatória promovidas por um governo com programa radicalmente distinto daquele de seus antecessores. Em 2003, primeiro ano de governo petista, o número de decretos também foi elevado. Ainda assim, é importante frisar que Bolsonaro editou 27% mais decretos do que Lula no mesmo período de governo.
A segunda pista aparece ao observar quantos desses decretos foram questionados por projetos de decreto legislativo. Ao passo que, nos primeiros mandatos, apenas dois decretos de Lula e nenhum de Dilma foram alvos de PDLs, 32 decretos de Bolsonaro receberam questionamento de deputados. É importante ressaltar que esses projetos precisam ser aprovados pelo Congresso por maioria simples para que sejam transformados efetivamente em decretos legislativos. Apenas 2 decretos executivos de Bolsonaro foram derrubados ou revogados por conta do Legislativo: aquele que modifica a regulamentação do porte de armas no Brasil (rejeitado pelo Senado) e o que altera a regulamentação da Lei de Acesso à Informação (rejeitado pela Câmara). Esses dois decretos não chegaram a ser suspensos pelo Congresso, pois foram revogados ou modificados antes que a tramitação fosse totalmente concluída, diante da iminente possibilidade de derrota do Executivo.
O recurso a projetos de decreto legislativo como estratégia para oferecer resistência ao Planalto foi muito mais frequente em 2019 do que nos meses inaugurais dos primeiros mandatos dos últimos dois presidentes. A quantidade de projetos dessa natureza com a finalidade de sustar decretos do Executivo é flagrantemente maior no primeiro ano de Bolsonaro (134) do que nos de Lula em 2003 (9) e Dilma em 2011 (0).
O número de PDLs com finalidade de sustar decretos executivos (134) é maior que o número de decretos questionados (32) porque um mesmo decreto executivo pode ser alvo de projetos de diversos parlamentares. É o que acontece. Por exemplo, o Decreto 9785, relativo ao porte de armas, recebeu 20 projetos de diferentes deputados. Quase sempre esses PDLs são protocolados pela oposição. No caso de Lula, cinco foram de autoria do principais partidos oposicionistas, PSDB e PFL, enquanto apenas um foi de partido que participou do leque de alianças do primeiro ano de governo petista, o PDT. Os demais tiveram origem em partidos que eventualmente ingressaram na base governista, como PPB e PMDB, mas que até então não o haviam feito. Já no presente ano, 129 dos 134 projetos de decreto legislativo que propõem sustar decreto executivo têm origem na oposição.
Podemos observar, dessa forma, que o recurso a PDLs parece ser uma estratégia empregada pela oposição, e que esse ímpeto da oposição para interferir na gestão do Executivo é significativamente maior em 2019 que em situações análogas no passado (Lula em 2003 e Dilma em 2011). Ainda assim, é raro que essas iniciativas encontrem respaldo entre a maioria dos parlamentares. Isto é, o Legislativo mostra de fato pouca disposição para interferir nesse âmbito de atuação do Executivo. Contudo, o exemplo dos dois decretos revogados, que versavam sobre temas importantes para a pauta política do governo, mostra que esse caminho pode ser trilhado com sucesso e é certamente uma opção caso se forme uma maioria no Congresso insatisfeita com as diretrizes do Planalto.
Postado por OLB em 31/jul/2019 - Sem Comentários
O texto principal da reforma da Previdência foi aprovado na Câmara dos Deputados sem grandes surpresas. Partidos opositores do governo, apesar de defecções, votaram em peso contra a reforma, mas foram derrotados pelos 379 votos pela aprovação em primeiro turno da PEC 6/2019. Esse resultado elástico esconde, no entanto, uma série de 27 votações nominais que ocorreram na sessão de aprovação do texto, no dia 10 de julho.
Para avaliar o posicionamento dos 513 parlamentares em relação à reforma da Previdência, analisamos no âmbito do Observatório do Legislativo Brasileiro (olb.org.br) todas as 27 votações. Utilizamos para isso uma metodologia que permite colocar cada parlamentar em uma escala de apoio à reforma, de -10 a 10: deputados com pontuações maiores tiveram atuação mais favorável à reforma; já notas menores indicam atuação contrária.
Nosso estudo mostra que houve diferenças nítidas entre parlamentares e partidos, como mostra o gráfico abaixo. Nele, cada parlamentar é representado por um ponto e a escala horizontal indica sua pontuação, com pontos mais à direita indicando posicionamentos mais pró-reforma. Quando mais distantes um do outro, mais dois parlamentares divergiram.
Embora a maioria do plenário tenha votado a favor do texto final, esse apoio variou ao longo da sessão. Nas votações de alguns requerimentos feitos pela oposição, a maioria pró-reforma chegou a ter menos de 300 votos ao passo que, em outras, passou dos 400. O grupo grande de parlamentares próximos uns dos outros no centro da escala do gráfico reflete esses posicionamentos cruzados. Aécio Neves (PSDB-MG), por exemplo, não entregou tanto apoio à reforma quanto o Pastor Marco Feliciano (Podemos-SP).
Nos extremos, a Deputada Adriana Ventura (NOVO-SP) e o Deputado Leonardo Monteiro (PT-MG) foram os a que mais atuaram a favor e contra a reforma nas votações nominais, respectivamente. Além disso, é possível ver que a polêmica em torno da Deputada Tábata Amaral (PDT-SP) é, em grande parte, exagerada. Como indica o gráfico, ela aparece mais próxima de parlamentares da esquerda do que da direita, que apoiaram a reforma, ainda que tenha de fato votado a favor da aprovação do texto principal.
E os partidos, como se posicionaram? Com a nossa metodologia, também é possível visualizar claramente essa informação. No gráfico abaixo, PT, PC do B e PSOL formaram um bloco bastante disciplinado na oposição à reforma, seguidos de PSB e PDT. Ao longo da escala, temos os demais partidos ficam dispostos mais ou menos no centro da escala. O que mais chama a atenção é o posicionamento do NOVO, que o foi o partido que em média entregou mais apoio à reforma, bem mais que o próprio partido do presidente, o PSL. Entre os membros do Novo, os deputados Paulo Ganine (RJ), Lucas Gonzales (MG), Tiago Mitraud (MG) e Marcel van Hattem (RS) aparecem na lista dos parlamentares com preferências mais intensas pela reforma, além da já citada Adriana Ventura.
O comportamento parlamentar é ainda pouco compreendido pelo público em geral. Em parte, isso se deve à complexidade dos procedimentos regimentais. Há, contudo, maneiras de traduzir essas informações de forma a torná-las compreensíveis sem ao mesmo tempo apelarmos para grandes simplificações. É isso o que fazemos no Observatório do Legislativo Brasileiro.